sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Sandwiches

Agora que o assunto do carro e do transito parece finalmente dominado, começa a ser altura de enfrentar outro dos maiores receios com que embarquei nesta aventura rumo ao Reino Unido: a transformaçao do almoço em sandwiches.

Nao é uma preocupaçao imediata: ao jantar continuamos a fazer refeiçoes completas, e a Ana conta sempre com uma dose extra, para o meu almoço do dia seguinte. Mas às vezes – sempre que é caril, pelo menos – a medida sai-lhe errada (ou talvez realmente eu coma um poucochinho mais) e nao sobra nada.

Por outro lado, quando for trabalhar, eu pretendo fazer as minhas próprias sandwiches, com produtos a meu gosto (nomeadamente legumes lavados), e nada como começar a praticar em casa, onde há sempre uma pizza de emergencia.

As minhas primeiras tentativas fracassaram: nao consegui encontrar ingredientes essenciais, como bacalhau à zé-do-pipo ou arroz de cabidela, e a sopa de couve lombarda com massinhas nao se aguenta entre as fatias de pao.

Mas houve um dia em que, simplesmente, fiz a melhor sandwich do mundo. Admito que cheguei lá por acaso: enquanto torrava duas fatias de pao de forma integral, grossas o suficiente para ficarem estaladiças à superfície mas moles no interior, pus para fora tudo o que estava no frigorífico. Umas das fatias foi encharcada em boa manteiga gorda e salgada, e generosamente coberta com aquele fiambre suculento, revestido com graos de mostarda e pimenta. Cortei um tomate às rodelas, deixando o sumo ensopar a outra fatia, e polvilhei-a com orégaos.

Ia terminar a coisa com umas fatias de Cheddar, mas um pouco a contragosto, porque estava mesmo a ver que assim nao ia conseguir ligar o tomate ao fiambre. Entao, reparei num queijo de cabra do País de Gales, que andava para lá meio esquecido porque tinha sido comprado por engano, num dia em que queríamos requeijao para uns crepes. Tinha a consistencia de uma argamassa fresca, e apliquei a quantidade normalmente indicada para assentar tijolo ceramico, apertando até refluir a toda a volta.

E pronto, é isto a melhor sandwich do mundo. Se deixo aqui tantos pormenores, nao é porque deseje fazer inveja a ninguém, mas para que possam comprovar voces mesmos. Nao se deixem assustar com o ar sofisticado dos ingredientes, tenho a certeza de que na mercearia do sr. Manel, mesmo ao lado do atelier, arranjam tudo, igual ou melhor.

Se tiveram algum chutney por perto, podem sempre ir barrando o topo da sandwich que estao prestes a trincar. Para acompanhar, qualquer cerveja bem fresca serve (estou mesmo convencido que até uma Lager fraquinha, daquelas com que os arquitectos desempregados enchem o frigorífico, vai muito bem...). Saúde!

PS: este é mesmo o tipo de post que nao devia aparecer sem uma imagem. Peço desculpa pela falta, mas a nossa máquina fotográfica tem uma velocidade de obturaçao demasiado baixa para registar o fenómeno.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Carros IV (a rotunda)



Quando vi um destes sinais pela primeira vez diante de mim, quis parar imediatamente o carro e desistir. Juro que só nao o fiz porque nao sabia de que lado estava a berma.
Mentalmente, eu tinha elencado as principais situaçoes da conduçao, e sabia como reagir: estava muito atento às faixas para nao circular em contra-mao, aos cruzamentos para dar prioridade a toda a gente, aos semáforos e às passadeiras para nao atropelar as crianças, aos limites de velocidade para nao me tirarem o retrato ao volante de um Toyota....
Mas, nao sei como, esqueci-me da rotunda... Agora ela estava mesmo à minha frente e eu já nao podia voltar para trás. Entrei a medo, quase parado mas em terceira. O carro avançou aos solavancos, suplicando ao lado esquerdo do meu corpo que fizesse alguma coisa. O pé ainda obedeceu, mas a mao nao largou o volante, porque a direita estava a gritar por ajuda. Com a embraiagem no fundo e o carro a deslocar-se apenas por inércia, foi mais fácil acertar com a curvatura da faixa... E, logo que a frente ficou apontada para uma saída, meti a primeira e acelerei a fundo! Escapámos.
Quando recuperei a calma (ainda no mesmo dia, mas mais para a noite), reflecti sobre o que se tinha passado. Quase por milagre, dessa vez tudo tinha corrido bem; mas nada me garantia que da próxima nao houvesse um segundo carro, a circular na rotunda ao mesmo tempo que eu...
Claro que, aos poucos, a confiança foi retornando. Afinal, embora nao seja nenhum Fangio, a verdade é que tenho carta há quinze anos e nunca tive um acidente. E quem já fez o Marques tantas vezes, nao se deixa intimidar por umas rotundazinhas de província.
A dada altura, até me pareceu que o meu estilo descontraído de conduzir e a desenvoltura das minhas trajectórias já impressionavam os outros automobilistas, porque reparei que alguns olhavam para mim boquiabertos. Andei nisto uns tempos, até que, um destes dias, um deles nao só abriu a boca como levou as maos à cabeça. Fiquei a controlá-lo pelo retrovisor e pareceu-me estar a dizer qualquer coisa, que o meu fraco ingles ainda nao foi capaz de reconhecer, pela leitura dos lábios.
Fui ver à net. Afinal parece que a coisa tem regras, e muito claras, por sinal. Agora já faço tudo direitinho, realmente assim parece mais seguro e ninguém se zanga comigo. Mas quando regressar a Portugal tenho que voltar a treinar a minha capacidade de antecipaçao, ou entao estou tramado.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Gulliver’s World



Nao só o fim-de-semana foi grande, como esteve bom tempo. A sincronia entre os dois fenómenos foi tao perfeita (hoje já está novamente a ameaçar chuva), que nao pode ter sido mera coincidencia: estes ingleses sao, de facto, muito mais organizados e eficientes do que nós, sobretudo assim ao nível dos serviços do Estado!
Aqui à volta, do nosso bairro, desapareceu toda a gente. Uns amigos foram a Londres. Já nós, que ainda mal chegámos, precisamos é de sossego e de criar rotinas. Aproveitámos bem os quatro dias, mas um de cada vez, misturando convenientemente as obrigaçoes com as distracçoes e vindo sempre dormir a casa.
Só que, há pouco tempo, as meninas descobriram que aqui nao há praia! A Ana e eu começámos a achar que precisávamos de argumentos de peso, para o dia – inevitável – em que elas farao o seu balanço das vantagens e desvantagens da mudança... E decidimos levá-las a passar um dia inteiro no Gulliver’s World.
É um parque temático perto daqui, a meio caminho entre Manchester e Liverpool. O recinto é bastante grande e cheio de diversoes, mas apesar de tudo suportável, graças à generosa quota de espaços verdes que por cá é habitual. Como já tem perto de vinte anos, nao há hologramas de princesas nem muitos efeitos especiais; é a montanha russa, a roda gigante, o twister, os carroseis... tudo aquilo de que nos lembramos, excepto os póneis e o café dos pretos.
Uma coisa boa é nao haver limites de altura nem de peso para nenhuma das diversoes. Nao só porque estes tipos sao de facto enormes e bastante gordos, mas sobretudo porque assim os pais podem acompanhar os filhos para todo o lado! Isso foi bastante importante para a Matilde, que se divertiu imenso. Ela e a Sara andaram em tudo o que quiseram (paga-se um valor fixo à entrada, e depois as voltas sao livres), passaram um dia absolutamente memorável e saíram de lá perfeitamente radiantes!
Nao notaram o alastrar da ferrugem nas estruturas nem a tinta dos bonecos a descascar. Nao se importaram que os empregados fossem sexagenários corcundas e desdentados, enfiados em uniformes tristíssimos (estarao lá todos desde 1989?). E nao viram - como eu vi – um desses velhotes, que limpava as mesas do food court, baixar-se para apanhar duas batatas fritas do chao e lançar um olhar envergonhado à sua volta, antes de as meter na boca.
PS: Espero que perdoem esta última nota um bocadinho sórdida! Eu sei que o blog é mais para notas engraçadas, mas às vezes elas chegam assim aos pares, e nao consigo separá-las.

Fim-de-semana-grande



Uma das coisas que tem feito muita diferença na vida desta família, aqui em Inglaterra, é o novo regime de trabalho da Ana.
Em primeiro lugar, porque o serviço é perto de casa e começa a uma hora decente. O seu dia ganhou duas horas: uma delas dedicada ao sono, a outra consagrada à família (na verdade, vieram ambas em proveito da família, agora muito menos sovada do que era antes).
Em segundo lugar, porque lá no serviço almoçam em meia-hora e trabalham mais trinta minutos de segunda a quinta, ficando depois com as tardes de sexta livres (uma da vantagens de ser engenheiro é esta facilidade que se ganha com os números, mesmo em sistemas sexagesimais).
Portanto, o apito ( http://br.youtube.com/watch?v=3bp0VaZKByA&feature=related ) de saída é ao meio-dia de sexta-feira. Ao contrário do que possa parecer, ainda o dia nao vai a meio, e é mais do que certo que no final já nem nos lembraremos dessas poucas horas matinais... Na prática, todas as semanas ficam com quatro dias e todos os fins-de-semana com tres.
Mas aqui, de vez em quando, também há um fim-de-semana grande: é quando na segunda-feira seguinte temos Bank Holiday, como aconteceu ontem. Se dúvidas ainda houvesse, os Bank Holidays seriam a demonstraçao definitiva da superioridade civilizacional do Reino Unido em relaçao ao resto do mundo (todo).
Aqui, nao há cá feriados! Nao há cá dias mágicos para celebrar ou para recordar: nem o da raça nem o dos cravos; nem o da implantaçao nem o da restauraçao; nem o do santo nem o da santinha nem o do santíssimo (Deus me perdoe!)...
Aqui, há uns poucos dias por ano que se destinam ao descanso do povo - começou por ser só dos bancos, mas entretanto a coisa democratizou-se. Para melhor cumprirem essa funçao, acertam-se em funçao do calendário, ficando sempre adjacentes aos fins-de-semana: Good Friday (6ª feira Santa), Easter Monday (2ª feira de Páscoa), Early May (primeira 2ª feira de Maio), Spring Bank Holiday (última 2ª feira de Maio), Summer Bank Holiday (última 2ª feira de Agosto).
Só na quadra natalícia é que as datas sao fixas: Christmas Day (25 Dez), Boxing Day (26 Dez) e New Year’s Day (1 Jan). Mas, se algum destes dias calhar no fim-de-semana, o Bank Holiday passa para o primeiro dia útil seguinte: em 2010, por exemplo, todo o mundo vai lamentar que o Natal calhe a um sábado... Já no Reino Unido, isso significa que vai haver folga na segunda e na terça seguintes!
Eu nao sei se nessa altura ainda estaremos por aqui. Mas, no que depender de nós, estaremos de certeza a tentar cumprir este horário e este calendário.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Palavras - Words

Vou tentar nao complicar, porque de linguística e semiótica nao percebo nada; já nao me lembro das diferenças entre o signo, o significante e o significado, nem sei bem o que diziam o Saussure e a Kristeva.
Sei que, ao falar e sobretudo ao escrever, estou cada vez mais paranóico com a escolha certa das palavras exactas. Para mim, é cada vez mais óbvio que o raciocínio e a linguagem se espelham, fiel e reciprocamente. Às vezes até me zango com as pessoas por causa disso, mas tenho a consciencia que isso é levar a coisa longe demais.
Adiante. Esta introduçao era só para realçar o valor que atribuo às palavras, e fazer um trocadilho aforístico (que com certeza até já alguém fez antes de mim): uma palavra vale mil palavras!
Agora a história. Alguns de voces conhecerao, da missa, esta réplica que sempre me fascinou:
celebrante: O Senhor esteja convosco!
assembleia: Ele está no meio de nós!
É muito bonito e tem alguma subtileza. Desde a variaçao no tempo do verbo, que primeiro exprime um desejo e depois uma convicçao, à própria encenaçao da relaçao entre os sujeitos, cujo grau de sapiencia parece por momentos invertido, sendo certo que o 'nós' inclui o celebrante. E, sobretudo, porque parece mesmo uma resposta ao estilo de Jesus, daquelas que reenquadram a questao e iluminam todo o contexto... Mas agora reparem na versao em ingles:
celebrante: The Lord be with you!
assembleia: And also with you!
Nao creio que seja dificuldade de interpretaçao da minha parte, é mesmo a resposta mais cretina que se pode dar ao senhor padre. Só falta acrescentar «E nao se fala mais nisso!», dar-lhe uma palmada nas costas e convidá-lo para vir beber uma cerveja no pub a seguir à missa.

Morrisons




Aqui nao há o hipermercado para fazer as compras mensais on-line, nem a mercearia da esquina para as compras urgentes de cada dia. Aqui há o Morrisons, um supermercado grande (tipo Pao de Açucar) que religiosamente visitamos em família, pelo menos uma vez por semana.
Sobretudo por causa da alimentaçao. Nesse capítulo, estamos todos ainda em fase de adaptaçao. É uma verdadeira luta pela sobrevivencia, que cada um tem que travar por si.
A Sara desliza pelos corredores nos seus tenis com rodinhas, certificando-se de que o carrinho está a ser devidamente abastecido de pizzas e lasagnas. Descobriu que os seus cereais preferidos também se vendem aqui, o que foi um grande alívio (sobretudo para quem lhe prepara o pequeno-almoço).
A Matilde continua com aquele andar meio desengonçado, parece que vai dar cabeçadas nas prateleiras todas. Só pede porcarias, claro: batatas fritas, bolachas e chocolates. Até aprendeu a gostar de papas de aveia e de filetes de bacalhau, mas ali esquece-se deles (e com a sopa nao se preocupa, quem quiser a little-girl-pumpkin que a procure).
Eu encarreguei-me de comprar as bebidas alcoolicas para toda a família. Corro meticulosamente a estante dos vinhos, onde todos os tintos, e brancos, custam mais de £5. Quando concluo que nao há nenhuma garrafa erradamente etiquetada, ali à volta de £3, dedico-me a escolher cervejas e cidras. Whisky só quando houver emprego.
Para nossa sorte, a Ana trata de tudo o que faz realmente falta, como já acontecia em Lisboa. Queixa-se que aqui nao se encontra imensa coisa, mas quanto a mim (tirando um dia em que comprou arenques frescos) está a sair-se lindamente.
Especialmente agora, que descobriu uma secçao chamada “Go Indian” onde, para além de arroz basmati, biryani, nans e pappadums, há chutneys de manga e de lima, e uma série infindável de molhos pré-feitos, desde os korma aos rogan josh, passando pelo tikka masala e pelo vindallo.
Foi preciso virmos para Inglaterra para assumirmos definitivamente as nossas raízes. Quando o cheiro invade a casa, as meninas parecem-me ter a pele mais escura e os olhos negros amendoados. Na testa da Ana começo a vislumbrar um pontinho vermelho; se continuar assim, vai receber um sari roxo com lantejoulas pelo Natal.

Cantico

Num post anterior, prometi reproduzir aqui um cantico da igreja. Com isso, talvez tenha perdido alguns visitantes, sobretudo se recearam vir a encontrar no blog um ficheiro audio com a minha interpretaçao (sempre tao pessoal) da música.
Nunca foi essa a minha intençao, embora nao esteja totalmente posta de parte a possibilidade das meninas o fazerem: estamos a discutir o assunto em família.
Entretanto, na Acçao de Graças de domingo passado, cantou-se este, que nao resisto a partilhar já, juntando-lhe uma fotografia recente e uma dúvida de ultima hora: será a nossa noçao de Deus independente da latitude em que vivemos e do clima que temos?


956

I watch the sunrise
lighting the sky,
casting its shadows near.
And on this morning bright though it be,
I feel those shadows near me.

But you are always close to me
following all my ways.
May I be always close to you
following all your ways, Lord.

I watch the sunlight
shine through the clouds,
warming the earth below.
And at the mid-day life seems to say:
‘I feel your brightness near me’

For you are always...

I watch the sunset
fading away,
lighting the clouds with sleep.
And as the evening closes its eyes
I feel your presence near me.

For you are always...

I watch the moonlight
guarding the night,
waiting till morning comes.
The air is silent, earth is at rest –
Only your peace is near me.

Yes, you are always…


(John Glynn)


quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Fitness

Quando viemos para cá, pendurei as chuteiras. A conselho do médico e para alegria da Ana, mas sobretudo porque achei que já nao tinha idade para me impor no velocíssimo futebol ingles. Num cantinho da mala, enfiei uma touca, os óculos e os calçoes da piscina, e tratei de me conformar.
Agora que já me sobra tempo, fui informar-me e inscrevi-me no Boot Camp: por £20, posso ir à piscina e ao ginásio quantas vezes quiser e ficar lá o tempo que me apetecer, durante os próximos trinta dias.
Mas aqui nao separam as pistas, as crianças e os velhos atravessam-se no caminho a toda a hora e é impossível levar a nataçao a sério... Como no ginásio há ecrans gigantes com os canais de futebol que nao existem em sinal aberto, resolvi experimentar.
Aqui o arquitecto entrou na loja de desporto decidido a comprar um equipamento todo preto. E estava tudo a correr bem, até me deparar com a estante dos ténis, que parecia ter sido atingida por um Jackson Pollok em fúria (Pedro, desculpa ter gozado contigo, pensei que tivesses mais alternativas!).
Chamei o empregado e perguntei se nao tinha nada mais discreto. “Discreet?”, repetiu ele, tao estupefacto que me fez duvidar da existencia da palavra. “Yes, with less colours, please”, respondi. Enfim, nao adianta estar com mais justificaçoes, o triste resultado foi este que podem ver abaixo.



A Ana diz que nao me deixa mais ir sozinho às compras, e eu no fundo agradeço. Já vi que lá no ginásio ninguém tem uns tao espalhafatosos como os meus, devem comprá-los noutra loja. Agora nao há nada a fazer. Ninguém me conhece, nao devo nada a ninguém, nao há razoes para ter vergonha.
E a verdade é que estou a adorar o exercício. Transpiro e bufo como um animal, só me falta começar a grunhir. Posso nao arranjar emprego aqui em Inglaterra, mas hei-de por-me outra vez em forma. Se daqui a seis meses tiver que voltar para Portugal, com uma mao à frente e outra atrás, pelo menos esta barriguinha já ninguém vai ver.
PS: Ao contrário do que possa parecer, os responsáveis desta prestigiada marca de artigos desportivos ainda nao repararam no potencial dos meus 150 visitantes, e isto nao é uma subtilissima acçao de marketing.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Atrelados

É certo que em Trafalgar Square nao passam muitos. Mas basta sair um pouco das grandes cidades para perceber que os ingleses tem uma verdadeira paixao por atrelados. No domingo fizémos uns quilómetros na autoestrada, e teremos visto o panorama mais ou menos completo.
Ao contrário do que disse noutro post, afinal aqui a primeira funçao de um automóvel é carregar as bicicletas (um sinal inequívoco do desenvolvimento das sociedades é o número de bicicletas ser superior ao número de membros da família). Muitos carros ainda transportam as bicicletas em cima, mas cada vez mais aparecem penduradas atrás, libertando assim as barras do tejadilho para uma mala extra... que apesar de tudo parece pequena, para a quantidade de acessórios velocipédicos que já vimos à venda!
Mas só os pobres vao pedalar no fim de semana. Quem tem recursos entretem-se com caes, cavalos, motos, caiaques, catamaras, lanchas... E, naturalmente, nenhum destes brinquedos dispensa o seu atrelado próprio: sempre mais comprido, mais largo ou mais alto que o anterior. Aliás, nao será por acaso que os anúncios de carros referem sempre o gancho de reboque, muito antes da cilindrada e da pintura metalizada.
Claro que alguns nao apreciam assim tanto as actividades ao ar livre. Sao os que saiem com as caravanas e as roulottes. Uma das que ultrapassámos ontem (é verdade, já conseguimos ultrapassar, e quase sem raspar de lado) era puxada por um Jaguar XJ. Eu pensava que estes senhores jantavam de gala e dormiam em hotéis de luxo, mas realmente nao há nada como estar em casa, por o roupao com monograma e a nossa velha manta de tweed em cima dos joelhos.
Bom. Até aqui tudo muito divertido, isto dos atrelados parece uma actividade mais ou menos inocente, que os distrai dois dias por semana e até os ajuda a embebedarem-se menos... O problema é que aquilo é um bicho, que quando se mete nas pessoas já nao as larga. A coisa vai-se tornando cada vez mais séria, e fatalmente chega um dia em que atrelar um carro já nao os satisfaz.


O que mais transtorna nao é o estilo, nem a volumetria, nem sequer a impermeabilizaçao do solo... Verdadeiramente arrepiante é tratar-se de um kit completo, tao barato e fácil de montar: basta ter um vao a dar sobre um jardim e... atarrachar!?
(Também chateia um bocado isto ter 25 anos de garantia, ao passo que as nossas obras normalmente dao problemas ao fim de 24... horas! Mas isso já era outro desabafo.)

sábado, 9 de agosto de 2008

Carros III (o habitáculo)



O que mais me assustava era a estrada. Mas, antes de chegar à estrada, é preciso que se estabeleça entre nós e o carro uma razoável dose de entendimento. Já nao falo daquele estado de graça que faz com que «o nosso corpo e a máquina sejam um só» (nunca esquecerei estas palavras do meu pai), mas de um mínimo de sintonia entre os dois.
Confesso que ainda nao cheguei lá.
Quando acerto na porta por onde devo entrar, começo sempre por enfiar uma boa joelhada no eixo do volante. É espantoso, como a perna direita fazia perfeitamente este movimento, ao passo que a esquerda é tao... canhestra.
Uma vez sentado, verifico os espelhos retrovisores. Verifico é uma força de expressao, porque quando olho para eles sinto-me tao perdido como no labirinto da antiga Feira Popular, e é mais que certo que vou ignorá-los durante a conduçao. Os dear fellows que buzinem, se me quiserem ultrapassar!
Ainda antes de ligar o carro, faço sempre uma pequena homenagem a Marcel Marceau, a que dei o título (provisório) de “where the f*** is my seat-belt?”, e que as meninas lá atrás acham muito divertida. É inacreditável, como agora me parece completamente impossível por o cinto com o já carro em movimento.
Felizmente, a igniçao e os pedais estao no sítio certo. A primeira mudança é metida com todo o cuidado e o carro desliza, devagar. Logo a seguir, enfio a quarta e ele vem abaixo. A minha fiel companheira começa a sorrir, as pequenas queixam-se do solavanco. Recomeço.
A saída do parque de estacionamento, que terá uma abertura útil de cerca de 3 metros (10 pés) é sempre uma incógnita e uma emoçao. Garanto-vos que nao é fácil habituarmo-nos a esta ideia de que, embora o carro tenha a mesma largura, ela agora está toda do nosso lado esquerdo, e já nao do direito.
A estacionar é que estou mais ou menos à vontade. Em Lisboa ganha-se prática a manobrar para ambos os lados, e aqui ajuda-me o facto de torcer o pescoço e olhar para trás, em vez de usar os espelhos. É um alívio cada vez que paro o carro e estamos intactos: salto imediatamente cá para fora em busca do ar fresco. E também é bom isto ser tudo tao plano, porque nem sempre a Ana se lembra de me puxar o travao de mao.

Opçoes



Reflectindo melhor, acho que nos próximos dezasseis dias nao vou preocupar-me em arranjar emprego. Já estou a começar a acertar o sono, e conto respeitar religiosamente o fuso horário da República Popular da China.
Admito que estava um pouco apreensivo quanto à cobertura que os ingleses fariam dos Jogos Olímpicos... E os meus piores receios estavam mesmo a confirmar-se, quando esta madrugada liguei a televisao na BBC1 e constatei que estavam a transmitir em directo uma prova com um cavalo e um atleta (nao rir) de fraque e cartola em cima dele.
Já me preparava para ir dormir quando, pela primeira vez desde que cheguei, se revelou produtiva a velha rotina do último zapping: na posiçao 81, depois de todas as televendas e mesmo antes dos canais codificados, cheguei ao BBC Parliament e parei.
Parei, porque estavam a transmitir badmington! Só uns segundos mais tarde (e reparem como isto é bem feito, porque esses segundos sao essenciais para fazer parar o zapper), é que apareceu a toda a largura do ecran um anúncio, que dizia: «To allow for a full coverage of the Olimpic Games, BBC Parliament has been suspended.»
«Oh, civilizaçao!», pensei, «como é que eu vivi tanto tempo sem isto?».
Mas a coisa era ainda melhor do que eu imaginava: logo a seguir apareceu um menu do lado direito, a explicar que a emissao era interactiva, e a perguntar o que é que eu queria ver: se o cavalo australiano, se o badminton entre a indonésia e a alema, se o volley de praia entre as norueguesas e as belgas.
Acabei por ficar a ver as últimas, embora com motivaçoes que talvez Pierre de Coubertin nao aprovasse... E daí, pensando bem, elas eram de facto “mais altas”.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Carros II (decisoes)

Estas ideias do senhor Ebenezer Howard teriam muito mais graça se o clima fosse melhor. Assim, bastou uma semana para que o nosso ratio de chapéus-de-chuva per capita duplicasse e para que a nossa verba anual destinada a taxis se esgotasse. Percebemos que era absolutamente prioritário arranjar um carro, mesmo hipotecando alguns dos nossos sonhos, como a máquina da Nespresso e o micro-ondas.
Começámos por alugar: porque é imediato, e porque na verdade precisávamos de ter um para andar à procura de outro. Mas depois, circulando num VW Golf 1.9 TDI último modelo, passávamos nos stands à beira da estrada e parecia que nada nos servia muito bem...
A coisa prolongou-se por tres semanas (o Kiko nao sabe, mas esteve quase a ganhar uma viagem a Manchester para vir resolver isto)! É que, se comprar um carro usado já é difícil em portugues, imaginem em ingles... Como é mesmo que se diz pedal de embraiagem, correia de transmissao, pastilhas dos travoes, caixa de velocidades e direcçao assistida? Quem gosta de comparar consumos, fique a saber que aqui se medem em milhas por galao, que uma milha corresponde a 1.6 quilómetros e um galao a 4.5 litros, portanto... é fazer as contas!
Depois de muito ponderar, comprámos o carro a diesel mais barato que apareceu, de entre os que nao tinham ferrugem nem deitavam fuminho de um sítio que o pai da Ana explicou que era para reparar se deitavam fuminho. Tem garantia de tres meses, mas nao sabemos muito bem o que cobre, porque está tudo escrito em letras minúsculas. Ainda conseguimos ler algumas palavras, mas como sao todas em ingles técnico, decidimos nao forçar a vista. Vamos confiar no dealer (dito assim, realmente parece estranho...).



Desdramatizemos. Como dizia um colega da Ana, num ingles com sotaque de Paris: «It’s a car. A car is a car.» E é bem verdade: um carro é um carro, que é como quem diz, é um guarda-chuva grande com rodas.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Carros I (antecedentes)



A nossa vinda para Inglaterra tem tudo a ver com carros. A ana veio faze-los. Eu vim desfaze-los.
Fora de brincadeira, esse era o meu maior medo. As meninas sempre se adaptam. As casas sempre se encontram. Os empregos sempre se arranjam. Mas eu tinha a certeza de que nunca na vida haveria de conseguir conduzir no UK.
Todos voces, os que sobreviveram a uma viajem comigo, estarao certamente lembrados de como sufocaram antes que eu me decidisse a abrir a janela ou gelaram antes que eu tivesse oportunidade de regular a chaufagem. Muitos recordarao a emoçao de nao ver a estrada porque eu demorei um pouco a acertar com a velocidade dos limpa-pára-brisas ou porque me esqueci de desembaciar o vidro. Alguns viram-me travar a fundo com uma mudança engatada, ou ir reduzindo a velocidade com um pé no travao e o outro na embraiagem. Outros assistiram a tentativas de arrancar em terceira, em ponto morto ou com o travao de mao em cima. E quantos de voces fizeram o favor de me ligar o rádio enquanto eu rodava o isqueiro, me baixaram a pala em dias de sol para que eu pudesse conduzir de olhos abertos, me deram ao de leve uma palmadinha na mao às 4500rpm?
Isto dito assim parece catastrófico. Mas teve as suas vantagens: de tanto andar comigo, a Ana já trazia imensa prática a conduzir do lado direito, e agora que até tem o volante à sua frente, adaptou-se lindamente.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Domingo

No domingo de manha estávamos a sair de casa para ir à missa (a primeira, desde que chegámos), quando ouvimos os sinos da igreja a chamar.
O som levou-nos à janela. E realmente, como moramos num andar alto (o segundo!) conseguimos ver os pináculos da torre da igreja, aparecendo um pouco acima dos telhados das moradias que nos rodeiam.
Mas claro que a convocatória nao era para nós... Aqui a igreja católica tem uma presença modesta. O edifício é da dimensao de uma casa grande e o sino da fachada nao embarca em aventuras.
Lá dentro, nao seríamos mais de cem. Cá fora, todos se cumprimentaram; acolheram-nos com enorme simpatia e uma certa reserva... Muito british.



A mesma fé, os mesmos ritos, outro contexto. De Santa Isabel para aqui, nao creio que a principal diferença seja a língua, mas sim o número de participantes... Hei-de voltar a este tema, quando tiver as ideias mais claras. Para já é so uma intuiçao.