terça-feira, 27 de janeiro de 2009

sábado, 17 de janeiro de 2009

National Health Service

Mesmo com as fronteiras abertas, isto de chegar assim uma família inteira a um país, para aí ficar a viver, requer algumas formalidades. Há que bater a umas portas, fazer uns telefonemas, preencher uns impressos, comparecer a umas entrevistas.
É sempre uma maçada; mas, ainda assim, foi muito melhor do que teria sido em Lisboa (e já nao digo em Ferreira do Zezere, porventura mais equivalente a Nantwich), apesar de todas as Lojas do Cidadao e Programas Simplex que os nossos governantes inventam. Aliás, o único assunto que aqui temos pendente é a atribuiçao de uns subsídios (o childare benefit e a jobseeker’s allowance), porque o Ministério de cá precisa de confirmar os nossos dados e contribuiçoes com a Segurança Social portuguesa. Dá vontade de rir, nao é? Estou mesmo a imaginar a funcionária do Areeiro, todos os dias a deixar o telefonema em espera, e a queixar-se para a colega do lado que «os bifes nao desistem!». Às vezes pergunto-me se o coisinho também terá tido estas dificuldades.

O acesso ao serviço nacional de saúde foi um dos assuntos que procurámos resolver imediatamente (antes que alguém adoecesse). Explicaram-nos que os cuidados primários eram prestados no centro de saúde local, que é uma parceria público-privada; que bastava inscrevermo-nos numa clínica particular, para ficarmos automaticamente registados no NHS; e que nao havia números nem cartoes de utente, mas apenas uma gigantesca base de dados, onde seríamos identificados pelo nosso nome e morada. Preocupados como todos os pais, desconfiados como todos os emigrantes, ficámos logo com a sensaçao de que as coisas iam correr mal, quando chegasse a hora.

A primeira a testar o sistema foi a Matilde. Teve o nariz entupido durante uma semana inteira, e na sexta-feira ao fim da tarde estava com febre e dores de ouvidos. Nestas circunstancias, até o pai mais inexperiente diagnostica a otite e receita o antibiótico; o problema é arranjar um médico, por causa da vinheta. Portuguesmente, o nosso primeiro impulso foi correr para a urgencia do hospital. Mas, reparando que ainda faltavam quinze minutos para a Clínica fechar, decidimos seguir as instruçoes à risca e telefonámos para lá. Qual nao foi o espanto, a recepcionista ouviu-me com paciencia e concluiu que realmente a criança presisava de ser vista; disse que ainda ali estava um médico e perguntou se conseguíamos por-nos lá rapidamente.
Pusémos. O médico examinou-a com todo o cuidado e prescreveu o antibiótico; interessou-se pela nossa condiçao de estrangeiros, fez conversa e acrescentou alguns medicamentos que é bom ter à mao. Depois desceu dois andares e veio acompanhar-nos à porta, porque já nao estava ninguem no edifício e tínhamos que sair pelas traseiras. Ao despedir-se, lembrou-nos que àquela hora o mais fácil era aviar a receita no supermercado. Cinco minutos depois tinha tudo comigo, embrulhado num saquinho de papel do Morrisons. Ah, e nao paguei nada! Quando me viu sacar da carteira, a farmaceutica sorriu bondosamente e explicou que, aqui em Inglaterra, o serviço nacional de saúde é gratuito; se eu nao tinha pago a consulta, por que razao haveria de pagar os medicamentos que me foram receitados?



Umas semanas depois, a Sara começou a queixar-se de dores de barriga e a vomitar compulsivamente. Cheios de confiança, fomos com ela ao Centro de Saúde. Um outro médico, igualmente simpático, disse que ela tinha uma gastroentrite viral; que lhe déssemos líquidos e depois dieta; que estaria boa em cinco dias. Acertou no diagnóstico, mas falhou na previsao: demorou tres semanas a por-se boa!
Entretanto, piorou significativamente, corremos para as Urgencias, foi internada e posta a soro; teve alta e voltou a ser internada em menos de 24 horas, foi transferida de ambulancia a meio da noite para um hospital pediátrico em Liverpool. Embora se fossem pondo várias hipóteses (todas bastante assustadoras), nada de grave se confirmou e acabou por concluir-se que era mesmo um vírus, mas de uma estirpe esquisita que os exames nao identificam, e que demora bastante mais tempo a passar.
Portanto, o tempo de internamento nao foi propriamente de tratamento; foi um tempo de espera, num local onde havia um pouco mais de condiçoes para vomitar e onde nao a deixavam desidratar. E nós, que nos revezámos para estar sempre com ela, acabámos por ficar bastante familiarizados com aquilo tudo.
Ao princípio, sentimos que nos faltava vocabulário técnico para dialogar com os profissionais. E, como se isso nao bastasse, a Sara ainda revirava os olhos e reunia as suas últimas forças para nos corrigir a pronúncia no ingles corrente, à frente deles. Mas, aos poucos, fomos descontraindo: afinal, com a sucessao dos turnos, percebemos que metade dos médicos e enfermeiros era estrangeira, e nao falava um ingles muito melhor que o nosso. O nível é semelhante ao dos nossos hospitais: quase todos muito competentes; a maioria bastante simpática, um ou outro uma autentica besta.
As enfermarias também sao como aí, mas aqui tem uma clientela mais cosmopolita. O meu sofá-cama ficava entre a Sara e uma indianita tetraplégica: à noite, ficava sozinha e despertava-me compaixao; mas ao raiar da aurora punham-lhe a televisao no máximo com uma cassete VHS fanhosa a passar músicas e danças de Bollywood; à tarde vinha o pai e as duas irmas mais velhas, que praticamente se sentavam ao meu colo, apesar de haver uma cortina entre nós; e à noite vinha a mae, arrastando o sari pelo chao, aquecer uns birianis no micro-ondas que depois obrigavam a desinfectar o piso inteiro.
Ao fim de uma semana, os médicos deram ordem para a Sara começar uma dieta de plain food. Mas isso era coisa de que a auxiliar responsável pelas refeiçoes nunca tinha ouvido falar. A batata era aberta ao meio e recheada com feijoes em molho de tomate; o esparguete era envolvido em molho carbonara; tudo o resto nao era cozido, mas frito: douradinhos, hamburguers, salsichas. Os doentes (ou os pais) levantavam-se para ir pedir mais sal e ketchup para as chips! Um pouco às escondidas, acabámos por pedir à enfermeira para nos trazer uma torrada seca... que veio literalmente ensopada em manteiga. E, no dia seguinte, lá levámos nós, tal como a indiana, uns tupperwares de comida feita em casa, para ver se a nossa doente nao morria da cura!

Bom, mas tudo isto já se passou no ano passado (em Lisboa, pelo Natal, até o contámos de viva voz a alguns de vós) e até agora nao tivemos mais episódios semelhantes. As miúdas e os graúdos estao de boa saúde e mandam beijinhos para todos.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Mau tempo, bom tempo

Ontem de manha derreteu finalmente o manto de neve que, desde domingo, cobria toda a regiao. Embora nao sinta diferença nenhuma, deduzi que a temperatura terá subido ligeiramente acima de 0, durante algumas horas... Às 9:15, quando cheguei a Manchester e saí da estaçao, caía uma típica chuva, miudinha e fria. Os empregados dos cafés montavam as esplanadas cá fora, animados com o regresso do bom tempo.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Velha máxima latina



Uma das coisas boas que me aconteceu em Lisboa foi ter tropeçado numa banca de livros, dessas amiudemente improvisadas nesta quadra para tentar escoar o fundo dos stocks, numa altura em que todos os presentes estavam já comprados e trocados, e eu comutava com enorme vagar entre duas linhas de metropolitano.
Ali troquei uma nota de cinco, amarrotada e gasta, por este livrito, pronto a estrear. Uma verdadeira ediçao de lixo, promovida há alguns anos para celebrar o aniversário de um jornal entretanto extinto sem deixar muitas saudades, e que se apresenta com capa dura, 188 páginas de texto e um número certamente superior de gralhas.
Mas o conteúdo é precioso. O volume reúne crónicas de imprensa de Raúl Lino, publicadas nas décadas de 1950-70, que oscilam entre uma acçao cívica empenhada e uma arrasadora crítica de costumes. Inteligente, culto, perspicaz, sensato, irónico: nunca pensei comparar-me com ele enquanto arquitecto, mas chateia-me que me ultrapasse também como blogger.
Enfim... Humildemente, agradeço a Deus ter-me dado a capacidade de apreciar. E nao resisto a transcrever aqui uma velha máxima, perfeita para arquitectos e aspirantes, que descobri por seu intermédio: Aedifica quasi semper victurus; vive quasi statim moriturus.

PS: A traduçao que Raúl Lino apresenta, «Edifica para venceres o tempo; vive como se logo morresses», é muito semelhante às que aparecem numa breve pesquisa de internet, e deduzo que seja a mais certa. A mim, que nao sei nada de latim, soa-me melhor «Edifica como se para sempre vivesses; vive como se logo morresses». Mas isso já sao pormenores.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Natal de Emigrante


Foi bom estar de volta.
It is good to be back.