quinta-feira, 28 de maio de 2009

O escritor e a leitora

(nao é uma história de amor)

Devem ser tres, ou quatro, os meus companheiros diários na viagem de uma hora, de Nantwich para Manchester. Entre eles, há uma rapariga que passa o tempo todo a ler.
Olho para ela com inveja porque, embora também eu ande sempre com um livro na mochila, nao o abro vai para tres meses. A culpa é de um conto infantil, muito simples e curto, que me pus a escrever: já lá vao dois cadernos de linhas manuscritos e cinco revisoes do texto dactilografado (tres míseros A4, com arial 10 a espaço e meio), e ainda nao lhe vejo o fim.
Hoje ficámos lado a lado: ela, refastelada, começando um novo romance de seiscentas páginas; eu, debruçado sobre a mesinha rebatida do assento da frente, reescrevinhando as minhas frases todas. Se o ritmo nao melhora rapidamente, desisto de ser escritor e tento uma carreira de leitor. O pagamento nao pode ser muito diferente, e o rendimento nem se compara!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Uma Casa Portuguesa

(vazia)


1 Cómoda antiga em madeira com tres gavetões e organizadores; 1 Espelho antigo com moldura em madeira; 1 Candeeiro de mesa; 1 Quadro ready made contraplacado recortado; 1 Quadro gravura novelo; 2 Quadros fotografias p.b. troncos; 1 Candeeiro de tecto

1 Mesa de jantar extensível em madeira; 6 cadeiras em contraplacado moldado lacado a branco; 1 Sofá de dois lugares em pele castanho; 1 Sofá de dois lugares em pele branco; 1 Cadeirão em madeira e contraplacado moldado; 1 Estante para livros; 1 Conjunto de suportes para CD’s; 1 Armário metálico vermelho; 3 Bancos (repousa pés); 1 Mesa de apoio; 1 TV Grundig; 1 Leitor de VHS Sony; 1 Leitor de DVD Sanyo com colunas e ligaçoes; 1 Móvel de suporte TV metálico, com rodas; 1 Aquecedor eléctrico de parede; 1 Cesto de jornais; 1 Tapete; 2 Almofadões; 1 Candeeiro de tecto; 1 Candeeiro de pé

1 Cama de casal com colchão e 2 almofadas ergonómicas; 2 Mesas de cabeceira; 1 Roupeiro com portas de correr, gavetas, prateleiras e varão; 2 Cabides de pé; 1 Aquecedor a gás com rodas; 2 Candeeiros de mesa; 1 Candeeiro de tecto; 1 Cortinado tecido branco

1 Cama individual com colchão, portas laterais e prateleiras; 1 Roupeiro com portas espelhadas, gavetas, prateleiras e varão; 1 Cadeirão de cabeleireiro; 1 Mesa de trabalho; 6 Organizadores A4; 1 Candeeiro de parede; 1 Candeeiro de mesa; 1 Candeeiro de tecto; 1 Cortinado tecido encarnado

Lavatório, bidet e sanita com tanque em ceramica branca; Banheira em acrílico branca; Torneiras misturadoras, válvulas e todas as ligações; 1 Armário de parede lacado com duas portas e prateleiras em vidro; 1 Espelho; 1 Toalheiro de pé em madeira; 1 Estrado de banheira em madeira; 1 Kit de caixas de arrumação em acrílico; 1 Kit de piaçaba em inox e ceramica; 1 Balança; 2 Bancos em plástico; 1 Candeeiro de tecto; 1 Estore de enrolar

1 Conjunto de armários com prateleiras; 1 Escadote; 1 Tábua de engomar; 1 Aspirador com acessórios; 1 Termo ventilador eléctrico; 2 Mantas; 3 Organizadores A4

2 Estantes para livros; 3 Prateleiras de parede com poleias; 1 Sofá-cama “cambalhota”; 1 Puf “passarão”; 1 Mesa, 1 cadeira e 1 banco modelo infantl; 1 Quadro planisfério; 2 Caixas arquivadoras; 1 Aquecedor a óleo com rodas; 1 Candeeiro de tecto; 1 Candeeiro de mesa articulado

Lavatório e sanita com tanque em ceramica branca; Base de duche em pedra; Torneiras misturadoras, válvulas e todas as ligações; 1 Armário de plástico com rodas e gavetas; 1 Espelho; 1 Prateleira de parede em madeira; 1 Toalheiro de parede em madeira; 1 Toalheiro e cabide de porta; 1 Varão e resguardo de plástico; 1 Saboneteira de parede; 1 Kit de piaçaba em plástico; 1 Candeeiro de tecto

Armários inferiores em madeira, com portas e prateleiras ou gavetas, e tampos em pedra; Armários superiores em madeira, com portas e prateleiras; Cuba lava-loiças em aço inox, embutida; Torneira misturadora, válvulas e todas as ligações; 1 Frigorífico/congelador Samsung modelo americano; 1 Placa a gás Míele; 1 Placa eléctrica Miele; 1 Forno eléctrico Míele com acessórios; 1 Esquentador Vulcano; 1 Máquina de lavar roupa Siemens; 1 Máquina de lavar loiça Míele; 1 Microondas LG; 1 Mesa desdobrável em madeira; 3 Bancos em contraplacado moldado; 1 Armário de apoio com rodas e 2 caixas de arrumação; 1 Armário de bancada com gavetas para especiarias; 1 Armário metálico com duas portas; 1 Estendal interior desdobrável; 1 Kit de instrumentos de limpeza; 1 Alguidar e caixa de molas; 1 Garrafeira de madeira; 1 Escorredor de alumínio e plástico; 1 Jarra em vidro cor-de-laranja; 1 Organizador de talheres; 1 Conjunto de 5 facas em aço inox; 1 Ferro de engomar; 1 Cafeteira eléctrica; 1 Chaleira eléctrica; 1 Torradeira; 1 Tostadeira; 1 Varinha mágica; 1 Kit de Fondue; 1 Kit de Raclette; 1 Grelhador eléctrico; 1 Kit de Rechaud; 1 Máquina de espremer citrinos eléctrica; 2 Candeeiros de tecto e 1 candeeiro de parede; 1 Quadro desenho Emaús; 1 Estore de enrolar preto

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Tem que ser

Já me constou que por aí se diz que, ao vivo, o Capacete desilude um pouco.
Mas tenho mesmo que ir a Lisboa, por uns dias.

Mentes brilhantes



A Matilde e eu gostamos muito deste jogo. A versao que aqui temos chama-se Memo, inclui 16 pares de cartas e está recomendada para mais de dois anos.
Mas a Matilde é um fenómeno (mais do que de memória, acho que é de concentraçao que se trata) e ganha-me sempre, sem que eu faça nada para perder, por uma diferença que normalmente varia entre 6 a 8 pares.
Quem agora se está a rir deve estar a viver de recordaçoes de infancia. Com certeza ainda nao foi atingido por esta devastadora experiencia que é a paternidade, mas pode sempre visitar um sobrinho ao final de um dia de trabalho, e desafiá-lo para uma partida. Conversamos depois.
Adiante. Agora que me vi confinado por uns dias com a menina, achando-se ela derrubada pelo Chickenpox e pelos anti-histamínicos e eu descansado por nao ir trabalhar, achei que tinha chegado a oportunidade de me desforrar de tantas e tao expressivas derrotas. Nomeadamente, empatando um jogo...
Nop. Os olhos pesam-lhe, nao festeja nem faz pirraça como antes, mas humilha-me da mesma forma. Mais, na verdade!

terça-feira, 12 de maio de 2009

A Matilde todos os dias traz alguma coisa da creche

Chickenpox, agora já sabemos, é como os ingleses chamam à varicela.
A estirpe aqui é só um pouco mais grave, porque a casa dos avós fica mais longe.

sábado, 9 de maio de 2009

Compreender a Arte



Dos tempos em que a Arte ainda se percebia, habituámo-nos a pensar que, primeiro, existia um modelo e, naturalmente depois, uma representaçao artística do modelo.
Para conterraneos e contemporaneos, certas obras terao sido, literalmente, re-apresentaçoes de realidades suas conhecidas. Mas, à medida que aumentam as distancias a que está o observador, a possibilidade de conhecimento directo do modelo é cada vez mais remota.
Claro que, desde entao, a humanidade cresceu imenso. Está adulta, e aprendeu a olhar para a arte de per si. Ensinaram-nos que um quadro é um quadro é um quadro. Convenceram-nos de que nao era preciso conhecer o modelo para apreciar o quadro (e, a alguns, até convenceram que nao era preciso modelo para fazer o quadro).
Muito bem. Assumo que sou um bocado básico, e nao vou por-me a discutir isso. Digo só que, pela minha parte, nunca tinha percebido o valor do Constable até ter ido ver o Lake District.
E, já agora, posso acrescentar que aqui em Inglaterra me aconteceu precisamente o mesmo com a Venus de Willendorf.

Lake District



A conjugaçao de factores nao podia ser mais propícia: início de mes, fim de semana prolongado, previsao metereológica razoável. Fomos de passeio; seguindo conselhos que já trazíamos daí, mas que muito foram reforçados por aqui, para os Lakes.
O Lake District, nome oficial, é o maior parque natural de Inglaterra: regiao de montanhas, vales, vegetaçao, cascatas, rios e, claro, lagos. Uma paisagem ora abrupta ora amena, que varia constantemente ao longo do dia com mudanças súbitas e radicais das condiçoes atmosféricas. Muito, mas mesmo muito, bonito.
Para mim, foi também muito revelador. Dois dias ali fizeram-me perceber mais do Romantismo ingles do que um trimestre da História das Artes. Ruskin, Constable e Turner tornaram-se evidentes. William Wordsworth e Beatrix Pottter vieram por acréscimo. Estou adepto das visitas de estudo.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Aniversários

Por culpa do Agosto, Maio é um mes cheio de aniversários.
A Ana esteve a mostrar-me a lista dos familiares e amigos comuns, e praticamente nao há um dia em que nao tenha que telefonar para Portugal. Mas o que mais me preocupa é que eu nunca cheguei a fazer a minha própria lista, e provavelmente vou esquecer-me de alguém, quase de certeza muito querido.
Tenho pensado nisso, e talvez tenha encontrado uma soluçao. Se nao se importassem, podíamos combinar que todos os meus amigos passavam a fazer anos no mesmo dia. Eu nem ia trabalhar; começava de manhazinha no A e seguia até ao Z, sem deixar ninguem de fora.
Que tal? Tem tudo para funcionar... E, antes que estale uma discussao sobre a melhor data para as celebraçoes, deixem-me desde já propor o dia de anos da Ana. Só para garantir que nao me esqueço.

Destaques

Esta semana, o coisinho voltou a estar em bom plano.
Eu próprio nao estive nada mal, aqui na coordenacao de umas especialidades, mas os media voltaram a ignorar o meu desempenho. Se calhar, ponho um brinco.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bicicleta



Foi já há vários meses que, imbuídos do nosso melhor espírito ecuménico, entrámos numa venda de garagem da Igreja Metodista, e de lá saímos com esta fantástica bicicleta.
Foi daquelas decisoes impulsivas: era igual a uma que a Ana tinha tido em miúda, e estava à venda por tuta-e-meia. Claro que depois gastámos tres tutas a recuperá-la, mas ainda assim, do ponto de vista estritamente financeiro, até fez sentido.
Por essa altura, embora nao tivéssemos sítio para guardar uma bicicleta, e desconfiássemos que o clima era pouco propício, já nós tínhamos entrado em todas as lojas da especialidade, para ver modelos e comparar preços.

É que a Ana tinha decidido comprar uma, convencida que a usaria duas vezes por dia, no percurso de uma milha entre a nossa casa e a paragem do autocarro para a Bentley. E quando viu esta, com o cesto à frente, percebeu que também podia ser útil para ir ao supermercado, quando o volume de compras nao justificasse levar o carro!
Honra lhe seja feita, tentou. Mas ao fim de cinco dias, já nao sei se por causa da precipitaçao ou por causa da suspensao (abundante a primeira, inexistente a segunda), lá concluiu que ia melhor a pé. A bicicleta ainda passou uma semana no porta-bagagens, mas depois, pela calada da noite, foi transferida para um arrumo comum debaixo das escadas do prédio, e aí ficou todo o inverno, aparentemente sem incomodar (e sem pesar na consciencia de) ninguem.

Entretanto, chegou o bom tempo e os dias começaram a ficar mais compridos. A Sara cresceu aquele bocadinhassim que lhe faltava, e a bicicleta saltou cá para fora outra vez. Primeiro só às voltas no parque de estacionamento, depois em redor do prédio, agora por todo o bairro, até à escola ou ao centro de Nantwich. Para ela, a bicicleta já nao é apenas uma brincadeira: está a transformar-se num meio de transporte.
E naturalmente, quando a Matilde fez anos, tornou-se inevitável...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Design for Access

Nao é estatística: é vida real.
Aqui, basta sair à rua, nota-se logo que há muito mais deficientes motores do que em Portugal. Veem-se também bastantes idosos que se deslocam sobre rodas, em veículos mais ou menos electrosofisticados.
A explicaçao para isto, receio bem, nao é a excelencia do gene lusitano, nem a complacencia dos médicos ingleses com falsas incapacidades e reformas antecipadouradas.
A explicaçao para isto, estou convencido, é que aqui essas pessoas tem condiçoes para sair de casa: passeios nivelados, lancis rebaixados, estacionamento regrado, elevadores funcionais, espaço extra para manobrar. Condiçoes até demais?

Manchester, nesse aspecto, é um caso extremo. Nao satisfeita com a legislaçao nacional, a Camara aprovou um regulamento municipal, elaborado por uma comissao de arquitectos peritos e de representantes de todas as associaçoes de deficientes, que se aplica a qualquer edifício público e/ou publicamente financiado.
Só uns exemplos, à laia de curiosidade: uma rampa nao pode ter mais de 5% de inclinaçao, precisa de corrimao de ambos os lados e de patamares horizontais a cada dez metros (os ingleses tem obviamente menos força de braços do que nós, apesar de todo o críquete que jogam em miúdos); qualquer corredor tem que ter, no mínimo, 1.80m de largura (nao é para uma cadeira de rodas passar, nem sequer para uma cadeira de rodas girar... é para duas cadeiras de rodas se cruzarem à vontade); a cor das portas tem que contrastar com a das paredes (parece que há pessoas, nao cegas, mas quase, que nao se orientam se tudo à volta for demasiado homogéneo).

Os arquitectos (vejam só, logo quem!) gostam de protestar contra estas ditaduras das minorias, e eu julgo que muitas vezes até com alguma razao. Afinal, é triste ver um átrio de entrada de um edifício, ou a sua escada principal, transformados em autenticas camaras de tortura. Mas valerá a pena? Nao sei.
Nao sei, mesmo! Ontem de manha, na movimentadíssima zona de Piccadily, cruzei-me com uma mulher cega numa cadeira de rodas. Fiquei pasmado, a ve-la subir a rua, agitando a bengala com uma mao e comandando a cadeira com a outra. Sozinha, sem ajuda. Atravessou a estrada e seguiu, na direcçao da estaçao de comboios. E isso foi, pelo menos, tao emocionante como o Partenon.