sexta-feira, 31 de julho de 2009

Saudades

Está mais do que combinado que o blog nao é para me queixar de saudades. Mas a verdade é que, nestes últimos dois dias, tem sido muito difícil passar sem o anticiclone dos Açores. Está por aí?

Zapping

Nestes dias em que tenho tido o poder só para mim, e embora ao fim do dia já me reste pouco tempo para o exercer, consigo ver um pouquinho mais do que os quinze minutos habituais da Sky News, e começo a ter uma ideia do panorama televisivo no Reino Unido.

Dos cerca de quarenta canais que recebemos, graças a nao-sei-que que é digital, mais de metade é lixo. Entre os generalistas, o maior lixo é a ITV, curiosamente anagrama da TVI, e muito parecida na linha editorial. Há vários temáticos, cujas transmissoes acabam sempre antes de eu chegar a casa, e imensos de televendas e passatempos, que continuam 24/7.

Agora, o meu zapping acaba sempre na BBC. De entre os vários canais do Estado, aquele que para já parece melhor é o 3: no horário nobre, comédias inteligentes (só percebo algumas) ou documentários interessantes; pela noite fora, uma espécie de reality shows, dignos e pedagógicos.

Parece um contra-senso, mas nao é. Nao há publico, nem gritaria; nao há sequer apresentador, para além de uma voz-off. Há um tema, e algumas pessoas ligadas a ele ou afectadas por ele, que aceitam dar testemunho e ser filmadas na sua rotina diária (quase) sem encenaçoes. Um programa pode ser sobre famílias disfuncionais, pais adolescentes, desempregados, idosos sozinhos, anoréticas ou obesos mórbidos. Obviamente questoes sérias, tratadas com seriedade, sem juizos de valor nem demagogia sentimental, mas ao mesmo tempo com algum humor, ou pelo menos com um espírito positivo. Neste momento, por exemplo, está a dar um sobre duas raparigas de quinze anos, que acham que talvez tenha chegado a altura de tomarem uma grande decisao...

E há, claro, o concurso. Chama-se Young, dumb and living off Mum. A ideia é simples, e divertida. Dez pais assumem que estragaram com mimos os respectivos filhos. Os meninos e as meninas, entre os dezoito e os vinte cinco anos, egoístas, preguiçosos, incapazes, materialistas, fúteis (é escolher), vao para uma casa tipo Big-Brother, e em cada semana devem cumprir uma tarefa, proposta por um dos pais. No fim da semana, os pais devem chegar a acordo sobre qual foi o pior deles, e expulsá-lo. O vencedor, que supostamente terá provado ser capaz de fazer alguma coisa pela vida, parece que ganha uma viagem à volta do mundo.

No programa que vi, a rapaziada teve que dar o litro a trabalhar num hotel. Correu bastante mal. Mas surpreendentemente (ou, pensando bem, talvez nao), quem esteve pior foram os pais. Entao nao é que começaram todos a cantar a cantiguinha que o seu filho era tao mau, que tinha tanto a aproveitar se ficasse na casa mais um pouco, e decidiram antes expulsar aquele que melhor se tinha portado, porque “era o que precisava menos”?

Assim nao dá, né?

quinta-feira, 30 de julho de 2009

4x60

A participaçao da Sara e a vitória da sua equipa na corrida de estafetas do Annual Crewe and Nantwich Town Sports Meeting foram especialmente importantes, por causa de um episódio menos agradável que tinha sucedido uns dias antes.

Tudo começou com o Sports Day da Saint Anne’s Primary School. Depois de adiado umas tres vezes devido a previsoes de mau tempo, o evento foi marcado de um dia para o outro, aproveitando uma aberta iminente. Nessa manha, eu entrei no atelier com uma colega que tem um miúdo da idade da Sara, e lembrei-me de comentar o facto. Ela ficou espantada de me ver ali; explicou-me que o Sports Day é um dia muito importante nas escolas do país, e que os pais costumam ir assistir e apoiar.

Naquela altura, já nao havia nada a fazer: a Sara ia mesmo ter que enfrentar a coisa sozinha. Como é a melhor ginasta da turma, e a única rapariga que corre, joga à bola e anda à bulha com os rapazes, deve ter-se convencido que ia ganhar as provas todas. E, assim, embora tenha ficado sempre em segundo ou terceiro, tudo isso lhe pareceu um falhanço clamoroso! À noite tinha o moral mesmo em baixo.

Mas o que a estava realmente a consumir, percebi depois, era que o Steve tinha dito que ela nao prestava, e que era estúpida. Ora, os míudos ingleses vao para a cama muito cedo, e já nao dava para eu ligar ao Steve. Com muito jeitinho, dediquei-me antes a reparar os estragos que ele causou. Quando senti que finalmente a minha filha me estava a ouvir, avisei que ia dizer uma coisa muito importante, talvez um bocadinho difícil de entender (espicaçar a curiosidade e lançar desafios funciona muito bem nestas idades, aviso para quem está a chegar lá), e depois afirmei: «Há certos comentários que qualificam melhor a pessoa que os produz do que aquela que era por eles visada».

Fez-se um silencio, que eu interpretei positivamente. «Podes repetir?», disse ela. Podia, com muito gosto, e nao me importei nada de ser interrompido a meio da frase, para explicar melhor algum significado. Depois houve um brilho nos olhos dela: tinha percebido. A prová-lo, disse-me assim: «Sabes que lá no Externato do Parque também dizíamos isso?» Fiquei em suspenso (eles também gostam de nos provocar, aviso para quem está a chegar lá), até que ela explicou: «Diziamos assim: Quem diz é quem é! É o mesmo, nao é?». Nao havia como dizer-lhe que nao.

Há que tempos que nao ouvia aquela frase! Há muitos anos (provavelmente também na escola primária), usava-se com frequencia. Mas, pelo menos no meu caso, a expressao caiu em desuso muito antes de eu ser capaz de articular aquele outro discurso, e nunca me apercebi da relaçao óbvia entre os dois. Agora só preciso de arranjar um equivalente sofisticado para substituir o tradicional: «Lava a cara com chulé!».

O final feliz desta história, já se adivinha, é que, graças aos tais segundos e terceiros lugares, seleccionaram a Sara para a equipa feminina das estafetas, que tao bem viria a representar a escola no grande evento municipal. Aí, os pais e a mana já conseguiram ir assistir. Um dia de sol maravilhoso; um parque relvado gigantesco; fair-play; uma verdadeira festa.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

quinta-feira, 23 de julho de 2009

E pronto!

As meninas foram para Lisboa.
Nao sei se aí vao encontrá-las. Claro que em Lisboa também as há, mas saem pouco à noite. E, obviamente, nunca saem às duas da manha, sobretudo se estiver chuva, vento e frio como estava daquela vez. E depois é preciso ver que andam muito menos carregadas, e portanto nao fazem, ou seria preciso um silencio absoluto para se perceber que afinal fazem, muito baixinho: nhec, nhec...

terça-feira, 21 de julho de 2009

A oportunidade

Por que muitos estavam à espera


Muitos (pronto, uns quantos!) amigos me asseguram que, embora nunca tenham publicado um comentário, leem religiosamente o Capacete.
Eu, por princípio, acredito nas pessoas; mas nao posso por de parte a possibilidade de todas estas visitas ao blog serem do Rantanplan, que ainda nao terá aprendido a minimizar a página quando o patrao entra de repente pelo gabinete, e da PMarques, que agora está a trabalhar em casa, e ainda nao desistiu de fazer disto um messenger.
Entretanto, nao sei se repararam, mas o blog atingiu cem posts e, sensivelmente pela mesma altura, sem alarido comemorou um ano de vida. Um marco, e razao mais do que suficiente para tentar perceber se realmente.
Aqui na direcçao do Capacete, decidimos comemorar a data concedendo uma espécie de indulgencia plenária. Uma oportunidade fácil para todos esses fieis invisíveis purgarem a sua falta, fazendo-se uteis.
É que um amigo nosso vai daqui passar uns dias a Lisboa e, entre outros conselhos, pediu-nos uma listinha de bons restaurantes. Nao necessariamente caros, e com certeza nao sofisticados: simples e genuínos (typical, I would say).
Nós já andávamos bastante arredados desse circuito, e agora ainda mais. Nao querendo mandá-lo a nenhum indiano (disso há cá muito), só nos lembramos do Galito e dos Passarinhos, mas é pouco e sao ambos bastante arredados dos principais roteiros turísticos.
Portanto, vamos lá encher esta caixa de comentários com óptimas sugestoes!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Walkers

Nao sei se já estou a fazer confusao, mas julgo que em Portugal também há uma marca de batatas fritas chamada Walkers!? Aqui, as Ti-Ti sao um produto delicatessen, e as Walkers é que lideram esse gigantesco mercado.

Estes tipos sao absolutamente doidos por tudo o que seja snack, nao importa se é salgado, doce, azedo ou agridoce, tem é que ser frito, embora também nao haja problema nenhum se for tufado ou torrado, cristalizado, caramelizado, seco, desidratado ou fumado, tem é que vir em pacotinhos de papel metalizado, isto se nao vier em saquinhos de plástico, nao importa que horas sejam, do dia ou da noite, nem onde é que estamos, basta olhar para o lado e é certo que há alguém à nossa volta a abrir uma dessas embalagens, a meter lá dentro dois ou tres dedos, a levá-los à boca e a lamber ou a sugar as falangetas, e entretanto a continuar a fazer o que estava a fazer, no atelier por exemplo continuam a tocar no teclado e no rato, cumprimentam alguém com um aperto de mao se for preciso, talvez roçando primeiro discretamente os dedos nas calças, e tudo isto se torna especialmente horrível porque todos eles tem um jardinzinho nas traseiras e passam o fim-de-semana de gatas a mexer na terra e no fertilizante e depois as unhas, e nao só as unhas mas também aquelas pelezinhas que se levantam à volta das unhas, ficam num estado tao miserável que a gente só consegue suportá-los se nao se puser a reparar nisso.

Dá ideia que, por o mercado ser competitivo, as marcas apostam mais em inovaçoes. Em Portugal isto das batatas fritas com sabor a outras coisas nunca chegou a pegar, mas aqui ainda estao convencidos que é possível melhorar a receita tradicional, e eu nem vou perder tempo a tentar elencar as variedades que se encontram à venda.
O que eu aqui vinha contar era da engenhosa campanha que a Walkers lançou no ano passado, chamada Do me a flavour. O desafio aos participantes era simples: inventarem um novo sabor, original, e baptizarem-no. No fim do prazo dado, a marca escolheu, de entre milhares, os seis sabores que pareceram comercialmente mais viáveis, produziram-nos e venderam-nos; depois os consumidores votaram o melhor. O criador do sabor eleito já ganhou uma pipa de massa, e parece que ainda vai receber 1% do volume de vendas.
Divertido, nao é? Eu, por essa altura, estava tao desempregado, que até dei por mim a pensar nisso seriamente. Mas nao é fácil compatibilizar um bom sabor com um sabor surpreendente e, depois de muito matutar, a minha melhor hipótese era mesmo Mexilhoes (eu sei, é nojento). Quando fui à webpage tentar fazer o upload da minha proposta, constatei que já havia dezenas de entradas com diferentes variantes de mexilhoes, e desisti. Mas, já agora, adivinhem qual foi o sabor escolhido! A sério, pensem lá um bocadinho antes de carregarem aqui.

Bom, os que foram à página já perceberam que outra das razoes pela qual a Walkers lidera o mercado é que tem o Gary Lineker a anunciá-las. É uma das pessoas mais consensuais em Inglaterra: as mulheres gostam dele pelas razoes que estao à vista; os homens perdoam-lhe isso, nao só porque ainda se lembram dos golos que ele marcou, mas também porque, entretanto, se tornou um competente pivot televisivo, e apresenta o Domingo Desportivo cá do sítio.
Pus-me a pensar há quanto tempo nao via o Gary Lineker. Se nao me engano, a última vez foi no Campeonato do Mundo do México em 1986, portanto passaram 23 anos! Como é que o homem tem esta figura, depois de tanto tempo? A comer batatas fritas nao é, com certeza!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Novas de Piccadilly



As fotos que aqui publiquei em Dezembro mostravam Piccadilly Garden praticamente deserto, transido de frio sob um manto de neve. Esse cenário mudou muito com a chegada do Verao.
Durante todo o dia, mas especialmente à hora de almoço, o relvado enche-se de gente estendida ao sol: a comer, a ler, a dormir, a conviver... Gente que vem, obviamente, preparada para o evento: um biquini debaixo da roupa de trabalho, uma toalha de praia ou uma manta de pic-nic, um livro, uma bola ou um disco voador. E, claro, nesta época a Camara reactivou a fonte do pavimento, que repuxa inesperadamente e com força, refrescando os mais encalorados e as turmas de liceais que por ali se reunem e aventuram em grande histeria.

Ve-se parcialmente nesta foto, a rematar o relvado, um pavilhaozito modesto com uma pala minúscula, de um arquitecto japones que é muito bom a descofrar betao. Sombrio e inóspito, esse espaço nesta latitude permaneceu para mim um mistério durante todo o Inverno.
Mas agora já percebi: a pala está ali porque o Verao às vezes aqui dura só uma ou duas horas, e as pessoas precisam de correr para qualquer lado quando o céu lhes desaba em cima, de um momento para o outro.
Do quinto andar em que trabalhamos, escusado será dizer, habituámo-nos a evitar olhar cá para baixo; mas, quando se ouve o trovao, corremos às janelas para assistir à debandada, e fingir (ainda que só por uns instantes) que estamos melhor lá dentro.

Há quinze dias, pela primeira vez desde que cheguei, tive que trabalhar no sábado. Às nove e meia da manha, ainda Piccadilly está estremunhado: é evidente que as noites de sexta nao acabam cedo. Mas no meio do relvado havia já grande movimentaçao, e um dispositivo impressionante voltado para os passeios laterais: carros de combate, jipes, tanques, baterias anti-aéreas, um helicóptero, e muita tropa.
Uma faixa enorme explicava que era o Dia das Forças Armadas. Havia também uns stands de recrutamento, num estilo algures entre o contentor showroom da vila utopia e a roulote do rei das farturas, e um letreiro que apregoava: Army – a life with no limits. Bom, eu nao gosto de ser desagradável, mas lembrei-me logo que quase todos os dias volta um do Afeganistao, que já nao diria o mesmo.

Nao se ve nesta foto, mas, num dos edifícios mais proeminentes de Piccadilly, de orgulhosa bandeira desfraldada num mastro inclinado da fachada, fica o Consulado Geral de Portugal. Um destes dias, à hora de almoço, dei lá um pulo, para ver se marcava uma entrevista de aconselhamento geral, porque há vários aspectos burocráticos da nossa mudança que ainda estao pendentes. Mas o porteiro nao me deixou subir.
Só com entrevista marcada. Mas é precisamente isso que eu venho fazer. Mas só pode subir se já estiver marcada. Entao pode dar-me o telefone, para eu marcar? Nao estou autorizado. Nao está autorizado a dar o número de telefone? Entao como é que as pessoas marcam a entrevista? Por internet. Por internet? Por correio electrónico. Entao pode dar-me o endereço, por favor? O endereço nao sei, mas se for à webpage e clicar em contactos, vai ver que aparece.
Eu sei que no 9º ano nao escolhi a área D e que, se calhar, se tivesse escolhido, a esta hora escusava de estar a perguntar isto, mas fui para as artes e agora nao sei: o Consulado, pago com os nossos impostos (nunca é demais referir), nao tinha o dever de prestar auxílio a um cidadao nacional que por aqui esteja em apuros, do género ser burlado e ficar sem dinheiro, ou perder a carteira com todos os seus documentos, ou coisa do género? Esses pobres coitados vao à webpage clicar em contactos e ficam à espera da marcaçao de uma entrevista? E nao haverá portugues a precisar do Consulado que nao tenha acesso à internet?
Claro que, mandado o mail, a resposta veio negativa. Nao marcam entrevistas de carácter geral. Pedem que especifique quais os actos consulares que tenho em vista, e recomendam que browse melhor a página, para ter uma ideia. Sinto que estao a gozar comigo. Lá respondo, lá espero resposta, lá respondo... Aos poucos, parece que estou a obter as informaçoes que precisava. Mas, neste fantástico mundo de ponta tecnológica, vai demorar meses até que esclareça tudo aquilo que poderia perceber em meia hora de conversa com alguém competente.
Sabem que eu detesto ser má-língua. Mas, se fazem tudo para nao receber as pessoas, escusam de pagar um balúrdio por uma renda de um andar gigante, num dos edifícios mais centrais da cidade. Ou será que, à boa maneira portuguesa, o consul já sub-alugou aquilo, e agora despacha o serviço todo a partir do seu Magalhaes, numa escrivaninha de pinho que tem lá em casa?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pontualidade e decoro

(para o meu querido Rantanplan)


Um Pai Natal à moda antiga, daqueles que se preocupam em oferecer o presente certo à pessoa certa, pos-me no sapatinho do ano passado o romance “O Bom Nome”, de Jhumpa Lahiri. Talvez alguns o saibam, de ler o livro ou de ver o filme: é a história de duas geraçoes de uma família bengali, que emigra da Índia para os Estados Unidos.
Claro que a América é mais americana que a Inglaterra, e os bengali sao mais indianos que nós... Mas, mesmo assim, as afinidades com a nossa situaçao eram mais que muitas, e fizeram com que a Ana e eu disputássemos o livro quase página a página.


Ora, eu li-o quase todo no comboio, nas viagens diárias entre Nantwich e Manchester. E portanto, ao contrário do protagonista, nao fiquei surpreendido com o que lhe é dito por um estranho, logo no primeiro capítulo: que a Inglaterra é um país onde os comboios chegam a horas, e ninguém cospe no chao. Assim é: pontualidade e decoro! As duas casam tao bem que eu até estou a pensar sugerir à J.A. este título para uma sequela do outro romance (e, com sorte, talvez ela tenha algum para a troca, porque o da segunda aventura da Margot está encalhado).

Confesso que, ao princípio, até nao estava a achar o comboio especialmente cumpridor: foi duas vezes cancelado sem aviso prévio; um dia ficou parado duas horas por causa de um problema na linha; em 3 ou 4 ocasioes atrasou-se dez ou quinze minutos... Mas, ao mesmo tempo, comecei a reparar melhor em certos pormenores: a alcatifa e os estofos de boa qualidade, o trolley com chá e jornais, a completa ausencia de gangs juvenis...
Peguei num mapa e confirmei: porque fica ligeiramente afastado de Crewe, Nantwich escapa à esfera mais suburbana de Manchester, e é servido por uma linha de longo curso, que vem do sul do País de Gales. O comboio que eu apanhava às 8:16, e me deixava em Piccadilly às 9:10, saía de Milford Haven às 5:30! Claro que a minha complacencia para com aqueles percalços aumentou proporcionalmente, e passei a encarar cada chegada à tabela como um pequeno milagre diário.
Entretanto, já no princípio deste ano, preocupou-me a notícia de que os horários iam sofrer alteraçoes: é que eu nao posso deixar as meninas mais cedo na escola, nem posso chegar mais tarde ao trabalho... Felizmente, afinal, eram só uns ajustes: o meu comboio, por exemplo, deixou de ser às 8:16 e passou a ser às 8:19. Mas alguém, no seu perfeito juízo, imprimiria novas tabelas por causa disso? Aqui, fazem-no. E respeitam-nas.

Nao satisfeita com cumprir os horários, a ARRIVA TRAINS WALES (assim se chama a companhia, recentemente privatizada) parece empenhada em tornar as viagens agradáveis para as pessoas que transporta. Manias.
Para o efeito, tem permanentemente em curso uma campanha em que apela ao civismo dos passageiros. É certo que aqui, nao sei se por influencia da moral anglicana, se por culpa das normas de correcçao política, essas iniciativas parecem frequentemente querer ir longe demais. Mas esta tem sentido de humor, o que é, pelo menos, um princípio salutar.
O primeiro outdoor que vi lembrava que os funcionários da empresa tinham o direito de trabalhar sem ameaças nem intimidaçoes, e que todos os abusos seriam denunciados às autoridades. Mostrava o letreiro de uma esquadra de polícia, e avisava em letras grandes: Don’t end up in the wrong station.
Depois, reparei numa série de tres, que chamam a atençao para alguns comportamentos menos próprios (mas bastante comuns), parodiando com muita graça tres clássicos heróis Marvel.
E, por último, o meu preferido. Um exuberante cartaz cheio de flores, totalmente preenchido com corolas e pétalas de todas as formas, pleno de cor-de-rosa, roxo, carmim, lilás, grenat, encarnado e laranja. Em grande destaque, diz: Somethings are obviously too loud!; e depois, em letras muito pequeninas, acrescenta: Be considerate to fellow passengers, and keep noise down when traveling.