quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A culpa é da Dalila

Presumo que por coincidencia, a grande maioria dos dois leitores deste blogue é adepta do Sporting. De maneira que nem falo de futebol, apesar das excelentes oportunidades que o ano me tem proporcionado. Mas, agora que acabaram de eliminar o Everton, arrisco deixar aqui uma notinha que espero nao achem afrontosa, para lerem quando voltarem da Av da Liberdade.
É que andava a intrigar-me esta má temporada da equipa de futebol, tao abaixo da época passada. Seria da táctica, ou da técnica, ou da condiçao física ou psicológica, ou que? Vendo apenas os golos no YouTube, sem acesso à ponderada análise do Rui Santos e ao debate dos tres marretas, nao conseguia formar um juízo da situaçao.
Mas hoje, assistindo aos 90 minutos em directo na televisao HD, tudo se tornou óbvio. É evidente que o baixo nível de rendimento da equipa é consequencia directa do actual baixo nível de apresentaçao dos jogadores. Sobretudo, claro, os cortes de cabelo. É completamente sem explicaçao, mas ainda assim inteiramente inadmissível, que entrem assim em campo. Nao estou a brincar. Entrámos num século novo, estamos a tentar sair da crise económica, corrigir o clima e combater o terrorismo: é preciso lavar a cara e cortar o cabelo direito, caramba!
A vergonha desta noite bastou. Alguém me prometa depressa que, enquanto andarem naquelas figuras, os Liedsons, os Djanniks e os Velosos nao vestem a camisola da selecçao nem chegam perto da África do Sul.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sustos matinais

Claro que na cidade há outros, e porventura maiores, imprevistos.
Mas aqui acontece, certas manhas em que saio muito cedo de casa, quando o dia ainda está a raiar e apenas se veem algumas luzes nas janelas, quando o único sinal de haver mais vida na rua sao as garrafas de leite e os jornais deixados às portas por alguém que já nao vejo, quando o silencio ainda é tao grande que escuto cada um dos meus passos e a minha respiraçao contra o ar gelado, perceber sem querer pelo canto do olho um movimento numa sebe ao pé de mim, ouvir um restolhar de ramos e folhas que se confunde com um bater de asas, estacar de repente o passo com o coraçao aos pulos porque uma sombra preta se cruza mesmo à minha frente, e depois ficar a ver afastar-se para a árvore mais próxima o melro que eu sem querer desinquietei, assim logo pela manha.

Notícias do meu país II

Já que nos pusemos a falar de livros, mas sem pretensoes de fazer disto o Bouillon de Culture, nem sequer de prolongar o tema por muito mais tempo, poderia alguem só perder uns minutos para me explicar o que é isso da Flor Caveira? Nao levem a mal, mas é que este Capacete funciona pouco daí para aqui...
Uns blogues alertaram-me para a existencia do Tiago Guillul e do Samuel Úrias, e também dos B fachada. Quem é essa gente estranha? Nao consegui evitar simpatizar com o pastor baptista do panque roque, numa entrevista que ouvi... Mas depois alguém disse que eles eram "cantautores", os verdadeiros herdeiros do Zeca e do Sérgio, e eu fui ver no YouTube... Nao é assim uma coisa tao boa que nos faça voltar a correr para Portugal, pois nao?

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O hábito da leitura

Eu, no comboio, volta-nao-volta canso-me de jogar ao mini-golf do telemóvel e leio um livro.
Este último saiu um bocado maçudo: sao mais de trezentas páginas em caracteres miúdos e espaço simples entre as linhas. Peguei nele cheio de curiosidade, porque nunca tinha lido nada escrito por uma empresa de correio internacional e porque tinha ouvido uns rumores sobre cenas sexuais escandalosas para a época.
Mas, agora que já estou perto do fim, começa a assaltar-me a dúvida: ou as cenas estao todas nas últimas páginas; ou eu nao percebo o suficiente de ingles; ou eu nao percebo o suficiente de sexo. Seja como for, é um dos romances importantes do séc. XX, e daqui a uns dias já me posso gabar de o ter lido no original, na ediçao da Penguin.
Enfim. Isto era só um exemplo, para retomar o tema já aqui abordado dos hábitos de leitura em Portugal e em Inglaterra, e expor a minha tese de que, mais importante que as motivaçoes, sao as condiçoes. Afinal, quanto é que custa ler?
Nao perdi muito tempo com esta pesquisa. Mas tomemos como referencia um romance universalmente reconhecido, com direitos de autor ainda vigentes, escrito numa terceira língua: "O Nome da Rosa". Na FNAC, custa €20.50. Na Waterstone's, que é o equivalente, custa £5.99. Na Oxfam, a loja de referencia para discos e livros em 2ª mao, compra-se por menos de duas libras.
E claro que também se pode requisitar na biblioteca municipal, gratuitamente. Eu já vos disse que aqui, ao sábado de manha, se forma uma pequena fila em frente à biblioteca antes que abram as portas? É emocionante.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Five a Day

Nao é o último da Enid Blyton, mas sim o título de uma campanha com que o governo aqui tenta promover hábitos de alimentaçao saudável entre a populaçao. Neste caso, refere-se às porçoes recomendadas de fruta ou de vegetais.

A coisa é séria. Tanto que, quando a Innocent (uma marca de sumos tipo néctar) anunciou que cada uma das suas garrafinhas correspondia a duas doses, em Londres ia caindo a Ponte e a Torre. Foram processados por publicidade enganosa, mas vejam lá que conseguiram prová-lo em tribunal e as vendas dispararam em flecha.

Entretanto, ao fim de um dia destes, eu vinha a tentar trabalhar numa mesa do comboio, apesar do ruído que um pai e o filho faziam na mesa ao lado. Munido que estava de papel e caneta, consegui registar esta elucidativa frase:
Come on, you be a good boy: finish all your crisps and I'll give you a sweet in the end!

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Lamb

Provavelmente sem darmos conta, mantemos aí um hábito civilizadíssimo, que é distinguir o borrego do cordeiro. Se for borrego, é ensopado ou no forno à padeiro; se for cordeiro é a coisinha mais fofa, quando nao é o próprio Deus.
Aqui nao há cá subtilezas, é tudo Lamb. E eu nao sei se haverá perdao para isto mas, com a Missa ao fim da manha, cada vez que se fala em Lamb, cresce-me água na boca e começo logo a sonhar com Korma, Vindaloo, Jhal Frezie ou Biryani. Que seja sempre of God é uma decepçao enorme, que nunca deixa de me surpreender.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Nanteviqque à noite

Mais do que de país, às vezes parece que mudámos foi de século. Quem vá ali ao centro da vila cruza-se com poucos carros, bastantes bicicletas e muita gente a pé, que cumprimenta quem passa; as senhoras levam os modelitos ao salao de chá ou à igreja e os homens juntam-se à porta do pub ou do mercado; vez por outra, passa o Sonoro no salao nobre do City Council.

À primeira vista, dir-se-ia que andámos um para trás; mas (a gente sabe lá o amanha) quem nos garante que isto nao é o futuro? Entretemo-nos com pouca coisa. Assim que me lembre, até agora foram duas as vezes em que saímos à noite, em eventos ditos sociais: a Quiz Night e o Musical Evening, ambos sucessos retumbantes, de que me espanta nao tenham ouvido aí falar.

O Quiz é um passatempo-concurso para pequenos ou grandes grupos, com um formato tipo Trivial Pursuit, muito apreciado por aqui. Aquele em que participámos foi organizado pela associaçao de pais e amigos da escola. Numa ponta do ginásio, propositadamente arrumado para o efeito, pontificava o apresentador (um matulao bem parecido que, segundo nos explicaram as nossas colegas de mesa, ainda há bem pouco tempo era jogador profissional de futebol do Birmingham); na outra, atrás do bar, destacava-se a mulher dele (menos gira, porém tao vaidosa como a Victoria Beckham.)

Nós fomos lá pelo convívio. Mas eu, que na minha rua era o rei dos queijinhos, alimentava esperanças de fazer um brilharete. Felizmente eram secretas, e pude guardar para mim a desilusao de tao magro resultado. Afinal, isto da cultura geral é muito relativo; se vos perguntassem o nome dos dez actores que até hoje já representaram o papel principal na série televisiva “Doctor Who”, o que é que voces diziam? Can I have another beer, please? - disse eu.

Mas enfim, nem tudo foi uma desgraça. Pelo contrário, achei alguma graça num conjunto de quebra-cabeças iniciais, que estava em cima das mesas para entreter quem fosse chegando, enquanto o jogo a sério nao começava.

Exemplo: 366DNAB. Soluçao: 366 Dias Num Ano Bissexto.

Parece fácil porque é um exemplo; para quem tiver tempo, ficam aqui mais alguns:

1PNMVMQ2AV

2RNB

3VNROSDA

4CNV

5PVUENRU

6PNEDD

7NP7I

8DE2PNPDM

9RNBDG

10MNAT

11PMSAREII(AA)

12PNP



O Musical Evening decorreu no selecto salao do Crown Hotel, um vetusto edifício da praça principal. Foi uma noite de gala, organizada pelo Rotary Club: o apresentador estava de smoking, o pianista e as solistas vestiam a rigor. As entradas eram pagas, o bar era caro e no fim era obrigatório comprar rifas, mas tudo revertia para nobres acçoes de beneficencia.

Nós fomos lá pelo convívio. Mais precisamente, fomos apoiar a nossa amiga Michelle que, como prova o bilhete acima, era uma das estrelas da noite. A Michelle é uma mulher e mae de família, médica de carreira, dona de casa, catequista de domingo e guru do clube de leitura, que canta... mas nao de forma profissional! A sua paixao é a bossa-nova. Embora apenas interprete as versoes americanas do Tom, sempre fez um esforço para acompanhar os originais e agora encontrou em nós bons comparsas (a Ana para as músicas e eu para as letras, entenda-se).

De modo que lá estivémos, na fila da frente, aplaudindo da primeira à última nota. Só que, ao contrário da noite do Quiz, desta vez as minhas expectativas foram largamente utrapassadas: porque a certa altura a Diva piscou-me o olho, e começou devagarinho a cantar o My Funny Valentine. E eu, que julgava que a gravaçao do Chet Baker (Tokio, 1987) era inultrapassável!? Nao sei se foi o som, ou as luzes ou o vinho, mas aquilo deixou-me num estado tal que só agora é que estou a descorar: serei talvez um saloio; nao duvido que os artistas façam isto todas as noites, mas a mim nunca tinha acontecido...