segunda-feira, 19 de abril de 2010

Visita de estudo

Um dos atractivos do meu emprego, para além de por pao na mesa da família, é a viagem de estudo anual. Estudo é uma forma de dizer... Mas se nao disséssemos também nao podíamos esperar que o atelier pagasse as despesas todas, pois nao?
Quando eu me juntei à equipa, em finais de 2008, tinham eles todos acabado de voltar de Berlim. Foi um bocado de azar, mas fiquei à espera do ano seguinte. Ora, em vez de uma viagem, 2009 trouxe uma crise financeira, e os planos tiveram que ser adiados. Alguns colegas ainda hoje me culpam: entre mim e a viagem, eu sei bem o que é que eles preferiam...
Este ano, depois de alguma ponderaçao muito influenciada pelas circunstancias do cambio, os patroes decidiram oferecer uma viagem diferente: dia 7 de Maio rumaremos a um lugar bem próximo mas absolutamente remoto, sem qualquer arquitectura de interesse mas com paisagens naturais deslumbrantes, sem museus nem teatros mas com imenso sossego e tradiçao gastronómica...
Já adivinharam? Pois é. É a Islandia! É verdade... Claro que, na altura em que marcaram, ainda nao tinha acontecido isto. Nem isto. Nem isto. Agora estao a ver o moral das tropas? Se para o ano for o Darfur nao iremos mais desanimados.

Olha-me só para este

Reparem na data disto, e depois nisto.
Quem quiser acreditar em coincidencias pode acreditar, mas cá para mim é evidente que se trata de uma manobra do Cameron para conquistar a simpatia de um certo e determinado opinion maker aqui do burgo. Por acaso teve azar, porque as minhas filhas andam é na escola do lado, e eu nao deixei de ir para Manchester, que ninguém faz o meu trabalho por mim.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A forma do tempo



Já nao sei que professor do ensino secundário nos disse que a primeira concepçao humana do tempo, baseada nas estaçoes do ano, era circular: o tempo repetia-se.
Essa concepçao mudou entretanto, naturalmente, para uma figura linear; recta ou curva, ascendente, descendente ou ziguezagueante, mas sempre diferente.
Um pouquinho mais de atençao, e alguém sugeriu que a forma do tempo seria afinal mais semelhante a uma espiral: incorporando simultaneamente uma certa dose de progressao, mas também algum retorno a algo que se julgava definitivamente passado.
Nao sei quanto a voces, mas eu sempre imaginei que essa espiral se desenvolvia de dentro para fora: porque via sempre coisas novas a acontecer e porque, afinal de contas, o futuro parecia uma coisa incerta que ninguém sabia onde -ou se- ia parar.
Ultimamente, porém, assaltou-me esta ideia de que a coisa pode ser ao contrário, e estejamos antes a afunilar... É que o mundo continua a dar as suas voltas, mas dá-as cada vez mais depressa: nao só às vezes já parece estar tudo a acontecer ao mesmo tempo, como até se começa a perceber onde é que isto vai irremediavelmente acabar. Conhecem a sensaçao?
Nao sei quanto a voces, mas é nessas alturas que em mim se instala cá uma dor de cabeça...

A malha

O que prova que fazemos parte de uma geraçao de transiçao é a malha.
Crescemos a ouvir falar na malha: era o jogo do pai no largo da aldeia, era o passatempo da mae no apartamento da cidade. Hoje em dia, ouvimos os nossos filhos já crescidos falar em malha, e queremos acreditar que se trata de música rock : as alternativas -sexo e droga- sao ainda piores.
Apraz-me daqui registar, no entanto, que talvez estejamos a assistir ao retorno das malhas tradicionais. A meu lado no comboio, ia hoje uma senhora com ar bem-posto que, em vez de passar o tempo a maquilhar-se, tricotava uma camisola. E a Sara tem cá uma amiguita, da sua idade, que anda a fazer um gorro para um bebé que vai nascer. Bonito, nao é? Além de ecologicamente responsável e economicamente sensato.
E por falar em economias locais de subsistencia, já vos contei que aqui o Council arrenda talhoes de terrenos municipais por valores mínimos, a quem pretenda cultivar a sua própria horta? Já pensei em candidatar-me. E, se o fizer, acho que até guardo lá um espaço para jogar à malha.

É assim no Reino Unido


O Gordon Brown marcou a data das eleiçoes legislativas. O facto foi amplamente reportado em Portugal, empenhando-se cada um dos nossos jornais de referencia em traduzir o melhor possível a notícia da Reuters. A pensar nos meus amigos, que gostam sempre de estar bem informados para animar as tardes na fila do Centro de Emprego ou na sala de espera das Urgencias Hospitalares, aqui fica a minha inside view desta história.

A eleiçoes vao decorrer num clima de descrença geral. O partido trabalhista está desgastado por tres legislaturas consecutivas, por uma guerra evitável e aparentemente interminável, pela crise económica persistente e pelo desemprego crescente. Também nao os ajuda o facto do actual Primeiro Ministro ter herdado o poder sem disputar eleiçoes, e parecer o Professor Astromar, mas sem pescoço.

David Cameron, o líder do partido conservador, vinha beneficiando desta insatisfaçao e estava quase a vencer os anticorpos gerados em todos os estratos sociais pela dupla Margaret Thatcher – John Major. Mas umas intervençoes recentes mais desastradas deixaram à vista de todos o fosso que o separa do país real. E, se a mulher Samantha engravidou mesmo a tempo da campanha, por outro lado soube-se que o amigo Lord Ashcroft, milionário, principal financiador do partido e seu representante na Camara dos Lordes, afinal tem domicílio fiscal fora do país; a cada ano que passa, nao permanece no Reino Unido nem mais um dia do que o período máximo admitido, para poder manter esse estatuto.

Da economia já ninguém percebe nada. Enquanto o Governo combatia a recessao como podia, financiando bancos e empresas à beira da ruptura e baixando o IVA para incentivar o consumo, a oposiçao apregoava o seu programa de cortes drásticos na despesa pública, como sendo a única forma de, no médio e longo prazo, restabelecer a economia e o valor da libra. Ora, isto pareceu ter tanta receptividade junto da opiniao pública, que os trabalhistas já anunciaram que vao cortar ainda mais do que os conservadores, mas noutras áreas. Além disso, mantém algumas ideias de esquerda, como o aumento da contribuiçao para a Segurança Social por parte das empresas, apesar da direita avisar que isso será a sentença de morte do frágil tecido empresarial.

O que realmente fez manchete de jornais durante todo o ano passado foi o escandalo das falcatruas de uma dúzia de MP (Members of Parliament), de ambos os partidos, que terao recebido indevidamente alguns subsídios, reclamando o reembolso de despesas de representaçao discutíveis. Mas os valores sao irrisórios: umas poucas dezenas de milhares de libras, em muitos casos distribuídos ao longo de quatro ou cinco anos. Isso é o que nós em Portugal pagamos ao presidente da EDP, à semana, como prémio de produtividade quando a empresa ultrapassa objectivos já de si ambiciosos. Mas este povo é mesmo picuínhas com o dinheiro, e parece que os senhores até já devolveram as quantias recebidas.

Entretanto, as sondagens que se vao fazendo sao cada vez menos conclusivas. Os conservadores, que há seis meses pareciam destinados a formar governo, estao agora abaixo dos 40%; e os trabalhistas começam a surgir um pouco acima dos 30%. Num cenário como a falta de uma maioria, começa a ganhar preponderancia o Partido Liberal Democrata (aposto que nem sabiam que havia aqui um terceiro partido, mas vale 20%), que poderia viabilizar um governo de coligaçao. O Gordon Brown já começou a acenar-lhes com propostas tentadoras, entre as quais uma reforma do sistema eleitoral de círculos uninominais (o tal que visto daí parece ser só vantagens), que desde há muito favorece a bipolarizaçao e prejudica os pequenos partidos.

Tudo isto talvez esteja, no entanto, à beira de ser esclarecido. É que o Reino Unido se prepara para assistir, pela primeira vez na sua história, ao debate televisivo entre os líderes dos principais partidos. «Pela primeira vez na sua história?!», perguntam voces, tal como eu perguntei, incrédulo, aqui a um amigo meu. «É que em Portugal isso é o que há de mais comum, e praticamente a única coisa que interessa na campanha eleitoral! Cada televisao organiza o seu debate, e a vitória só é atribuída à melhor de tres!», acrescentei.

«Sabes», explicou-me ele paternalisticamente, «é que as eleiçoes sao legislativas. Na realidade, estamos a escolher programas políticos, elegendo os nossos representantes num orgao colectivo de soberania, que é o parlamento. Daí emerge um governo, que terá, por força das circunstancias, um primeiro-ministro. Mas nao estamos a votar nessa pessoa. Aqui, desconfiamos muito dos sistemas do tipo presidencialista, e por isso sempre evitámos personalizar demasiado essa questao; mas enfim, talvez seja interessante, vamos ver como corre...»

Vamos. Embora pela amostra eu já esteja convencido que, se por acaso nessa noite houver jogo de críquete entre o Bangladesh e as West Indies, pouca gente vá ouvir o debate.

terça-feira, 6 de abril de 2010

da Missa (só para aficionados)

Este país já fez muito pelo mundo, em todos os domínios da cultura e da civilizaçao. Isso ninguém nega. Mas no campo particular da liturgia católica apostólica romana nao se lhe costumam reconhecer grandes contributos. Descobri agora que isso é uma enorme injustiça.

Aqui tal como aí, fizemos por ocasiao da Páscoa a renovaçao das nossas promessas baptismais. Para os menos assíduos, é aquela alternativa ao Credo, dialogada entre o celebrante e a assembleia: primeiro enuncia tres coisas más que nós repudiamos, depois tres coisas boas que nós apoiamos.
Já estao a ver? Exacto, é aquele momento confrangedor em que metade do povo se distrai e, com o embalo que vem de trás, jura a pés juntos que renuncia a Deus, Pai todo-o-poderoso, criador do céu e da terra...
Ora esse problema ficou automaticamente resolvido com a substituiçao do latim pelo ingles corrente:
Do you reject sin, so as to live in the freedom of God's children?
I do.
Do you reject the glamour of evil, and refuse to be mastered by sin?
I do.
Do you reject Satan, father of sin and prince of darkness?
I do.
Do you believe in God, the Father almighty, creator of heaven and earth?
I do.
Do you believe in Jesus Christ, his only son, our Lord, who was born of the Virgin Mary, was crucified, died, and was buried, rose from the dead, and is now seated at the right hand of the Father?
I do.
Do you believe in the Holy Spirit, the Holy Catholic Church, the communion of saints, the forgiveness of sins, the resurrection of the body, and life
everlasting
?
I do.
Como está bom de ver, o segredo é saber fazer a pergunta. Mas claro que em portugues é difícil arranjar equivalente para aquele «Do». No nosso caso, talvez fosse mais conveniente adoptar uma réplica única, que tanto sirva para o «Renunciais?» como para o «Credes?». Por exemplo: «Eu, sim.» Ou, caso se prefira uma resposta mais enfática: «Entao nao?!»