quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

da medicina privada - I

Bem ou mal, desde que estamos por aqui, começámos a olhar para todas essas consultas com médicos privados de várias especialidades, que em Portugal nunca nem por um instante pensámos em dispensar, como o mais completo desperdício de tempo e de dinheiro.
Durante esta gravidez, a Ana fez metade dos exames (provavelmente em metade do tempo) e foi observada metade das vezes do que teria acontecido aí. Além disso, em muitas dessas ocasioes nem sequer foi vista por médicos: as parteiras fazem mais de metade do trabalho.
Já o Miguel está agora quase com quatro meses e, salvo erro, a última vez que viu um pediatra foi ainda no hospital, no dia a seguir a ter nascido. Nas primeiras semanas, vinha cá a casa uma enfermeira fazer um acompanhamento; mas era fundamentalmente beber chá e conversar com a mae... da última vez até se esqueceu de trazer a balança, o que nao as impediu de concluir que o bebé estava óptimo.
Claro que a experiencia acumulada com as crianças anteriores também ajuda. Sobretudo a Ana, que tem melhor memória e passa mais tempo com o bebé, parece ter a situaçao completamente controlada. Eu às vezes ainda tenho algumas dúvidas e hesitaçoes. Hoje, por exemplo, estive que tempos a ouvi-lo chorar. Tinha-me dado imenso jeito poder telefonar ao doutor Carlos Moniz, porque já nao me lembro a partir de que idade é que se pode atirá-los à parede.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A ferro e fogo

Agora que os italianos atearam fogo à Piazza del Popolo e que com certeza nao falta muito para os gregos deitarem abaixo o Partenon, talvez já poucos se lembrem das imagens dos violentos protestos estudantis em Londres. Nao me refiro à suposta agressao de uma duquesa dentro de uma limusina, nem sequer ao alegado desrespeito do filho do Pink Floyd pelo Cenotáfio. O que me chocou mais foi o protesto anterior, em que uma multidao de energúmenos escavacou o hall de entrada de um edifício inocente.
Custa-me muito ver edifícios assim tratados. Mais ou menos modernos, de melhor ou pior traço, nao importa; nos dias que correm, só por estarem quietos e calados, os edifícios mereciam outro respeito. E depois estes ataques sao especialmente cobardes porque, embora pareçam espontaneos e até descontrolados, na verdade sao dirigidos de forma cirúrgica aos pontos fracos do edício. Estes valentes encapuzados arrancam o tecto falso, queimam o balcao e partem os vidros. Por alguma razao, nao se atiram ao cabo de alta-tensao nem se metem com os pilares de betao que suportam a laje acima das suas cabeças.      

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem nao tem cao

Agora que está difícil encontrar açúcar nas prateleiras do hipermercado, talvez seja altura de alargar horizontes e, talvez, olhar com mais atençao para a secçao dos salgados.
Digo isto sem saber se encontrarao; eu enquanto aí estava nunca encontrei, mas a verdade é que também nao procurei; e no entanto em qualquer lado se deve vender, porque me lembro perfeitamente deste sabor quando éramos pequenos e surripiávamos os aperitivos dos adultos nas festas em casa do Álvaro e da Candida; a nao ser que eles ou os amigos os contrabandeassem; mas se nao houver no hipermercado provavelmente encontra-se nalgum canto do Martim Moniz; agora, se lá forem, levem os Bilhetes de Identidade, nao vá ser dia de rusga e voces terem dificuldades em explicarem-se, com o picante a chegar aos ouvidos, os olhos a lacrimejar e a boca cheia de Bombay Mix.


Fora de brincadeiras e sem exageros, isto é o melhor aperitivo do mundo. Por acaso este ano já fechámos e expedimos as encomendas; mas no próximo Natal já sabem o que vos espera.   

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Much ado about nothing

Aqui, desde que recusaram a candidatura inglesa para organizar o Mundial de 2018, a FIFA e o Joseph Blatter foran eleitos inimigos públicos. Nao sei se por aí o ressentimento é semelhante... Aqui estao especialmente eriçados porque parece que o príncipe se humilhou ao ponto de servir chá nao sei a quem, e mesmo assim nao os quiseram.
Primeiro disseram que a Rússia tinha comprado os votos.
Agora lembraram-se de questionar a decisao da FIFA de atribuir a organizaçao do mundial de 2022 ao Qatar, porque diz que lá a homossexualidade é crime. Aparentemente, o Blatter aconselhou os adeptos homossexuais a refrearem os seus impulsos quando visitassem o país.
Gerou-se aqui um rebuliço que nao imaginam. Eu nao sei por que. Na minha opiniao, os homossexuais deviam refrear os seus impulsos em qualquer lado. Aliás, na verdade, nao é só os homossexuais: o que eu realmente acho é que toda a gente devia refrear os seus impulsos em qualquer lado.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Miguel

Dez anos depois da Sara e cinco anos depois da Matilde, a Ana e eu desencaixotámos o ábaco chines onde quase sempre erramos as contas do planeamento familiar e concluimos que tinha chegado a altura de termos mais uma. Nao sabíamos se era a melhor altura; sabíamos apenas que era a altura do é-agora-ou-nunca: afinal, estamos quase nos quarenta e queríamos ainda viver uns anitos sem fraldas, entre as delas e as nossas.
Dizem que à terceira é de vez, mas ainda nao foi desta que tudo correu como planeado. Primeiro porque vimos escoar-se Agosto inteiro, dia após dia, sem que sua excelencia desse sinais de querer vir cá para fora. Chamem-nos avarentos, mas tínhamos feito uns cálculos para que nascesse antes de Setembro: é que os nascidos a partir de dia 1 já esperam mais um ano para entrar na escola primária, e aqui nao há cá creches de IPSS que nos valham. Segundo porque, com aquilo entre as pernas, estava mais que visto que nao íamos poder chamar-lhe Maria, nem vestir-lhe nenhuma das roupas que tínhamos guardado durante vários anos ou angariado à última da hora.
Afinal, o feijao era um menino e tinha decidido ser o mais velho da turma!
Tres meses passados, é por demais evidente que o rapaz está cheio de ideias próprias, e bem fixas. Sobretudo quanto à mae, em particular quanto às maminhas. Ok, ninguém vai discutir isso: aqui em casa já todos passaram por essa fase. As maninhas também parecem exercer sobre ele grande fascínio: saúda ambas com enormes sorrisos, segue-lhes a voz aguda e os cabelos compridos com toda a atençao. Infelizmente, esse encanto nao parece estender-se ao senhor que lhe aparece em casa, calado e cansado, quando já é hora de ir para a cama.
Fita-me sempre com o mesmo ar sério, durante quanto tempo for preciso; nao chora, mas também nao ri: deixa-se estar calado, a observar-me. Juro que isto, com a banda sonora certa, era de arrepiar. O que pensa? Que planos tem para nós? Será que ainda vamos jogar à bola, partilhar os livros, ouvir Keith Jarret e embasbacar os dois na Tate em frente ao Rothko? Ou será que, na primeira oportunidade, vai sufocar-me com uma almofada para ficar com as meninas (e com o whisky de malte, que já percebeu que está escondido atrás do blended) só para si? Nao sei. Ele, provavelmente, já decidiu; mas nao tem pressa de me dizer.
O Miguel? O Miguel é uma incógnita da Natureza.