quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Dez anos

Já lá vao dez anos, desde que nada é como dantes.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Pai e filho

Isto do rapaz foi uma surpresa.
Olhando para as precedentes, fazendo fé nas intuiçoes da mae e nos horóscopos on-line, acho que pusemos completamente de parte a hipótese de ser um rapaz. Foi um processo inconsciente, mas a verdade é que todos os bodys supostamente uni-sexo que fomos comprando tem pelo menos uma risquinha cor de rosa e que, quando entrámos a correr pelas portas da maternidade, ainda só tinhamos escolhido um nome, e era de menina.
Nao ficámos nem mais contentes, nem mais tristes. Mas é inegável que o rapaz está mais out of our comfort zone. Será um desafio maior, para os quatro.
Nos primeiros dias, pareceu-me que tratar de um menino recém-nascido era assim igualzinho a tratar de uma menina recém-nascida, com a única diferença que se gasta sempre mais um dodot e que é preciso mais atençao aos velcros da fralda.
Mas agora, que passou mais de uma semana desde o nascimento, percebo que é completamente diferente. Pai e filho estabelecem, desde os primeiros instantes, uma relaçao de cumplicidade que nao é feita de grandes palavras, mas de pequenos gestos e uns poucos monossílabos.
Ontem à noite, por exemplo, embora a mae e as irmas estivessem já na cama, o Miguel deixou bem claro que pretendia ficar comigo na sala. Nao estranhei porque, afinal, era a estreia do Benfica na Liga dos Campeoes. Ligámos o computador no canal pirata, mesmo a tempo de assistir à segunda parte. Sentámo-nos os dois no sofá e passámos 45 minutos em silencio: nenhum de nós tinha nada para comentar da forma como tinha corrido o dia, nem havia entre nós nada para combinar relativo aos próximos dias. Já sei que a Ana vai dizer que eu sou mesmo parvo, e que os bebés nesta idade nem sequer veem nada, só distinguem umas sombras. Mas acreditam que foi precisamente isso que comentámos, que o Benfica este ano está uma sombra do que era o ano passado?
E hoje, enquanto a Sara mandava SMS às amigas pela calada da noite e a Ana deitava a Matilde, empanturrando-a em quinze minutos com todos os mimos que antes lhe dispensava ao longo de 24 horas, lá voltámos a ficar os dois sozinhos. Ora eu, que tinha acabado de beber uma enorme dose de chá, descuidei-me e dei um pequeníssimo arroto, juro que praticamente um soluço. Num acto contínuo, pedi perdao. Ainda me ri de mim próprio, pensando que estava a pedir perdao para o ar; mas depois, pelo canto do olho, reparei que ele estava muito atento na sua maxi-cosi. Garanto que me olhava com desprezo: ele arrota quando quer, tao alto e tao longamente quanto lhe apetece, e todos lhe dao os parabéns; o papá mete o rabinho entre as pernas e pede desculpa.
Talvez já esteja na hora de procurar, para lhe oferecer, aquele poster que o meu pai me pespegou na parede do quarto a infancia toda. Era assim:

O que o filho pensa do Pai
Aos 7 anos: o Pai é grande e sabe tudo!
Aos 14 anos: Parece que o Pai se engana em certa coisas que me diz...
Aos 20 anos: O Pai está um pouco atrasado em suas teorias: não são desta época...
Aos 25 anos: O "velho" não sabe nada... Está ultrapassado, decididamente.
Aos 35 anos: Com a minha experiência, meu Pai nesta idade seria um milionário...
Aos 45 anos: Não sei se consulte o “velho”, talvez me pudesse aconselhar...
Aos 55 anos: Que pena o Pai ter morrido; a verdade é que ele tinha ideias notáveis.
Aos 60 anos: Pobre Pai! Era sábio... Como lastimo tê-lo compreendido tão tarde...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

8.9.10

5:36 am
8lb 11oz
Miguel

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Nao há duas sem tres

A escassas horas de botar neste mundo mais um filho (sem o qual, diz o povo misteriosamente, as outras duas nao havia), uma pessoa enche-se de esperança: que vai haver paz, pao, habitaçao, saúde, educaçao e talvez mais qualquer coisinha, para todos eles. Que o mundo vai ser um pouco melhor.
Anima-me, sobretudo, pensar que os meus filhos vao crescer num tempo em que já ninguém saberá quem sao o engenheiro José Sócrates e o professor Carlos Queiroz. Que nunca na vida se vao deparar com eles, a menos que um tremendo capricho do destino os leve à varandinha dos fumadores da Sala de Desenho dos Técnicos de 2ª Classe da Camara da Covilha, ou os faça passar perto da porta lateral do pavilhao gimnodesportivo da Escola Secundária de Nampula e ouvir os palavroes pelas oito da manha.
Preocupa-me, contudo, que o adagio popular se aplique nao só aos meus amores, mas igualmente aos meus desamores. É que já nao tenho as mesmas certezas quanto ao futuro do José Rodrigues dos Santos: a julgar pelo exemplo do seu mestre Fernando Pessa, é provável que ainda ande por cá daqui a muitos anos, a fazer sorriso maroto e a piscar o olho aos filhos dos meus filhos.
Se fosse só o sorriso maroto e o piscar do olho, no ecran à merce do telecomando, estávamos nós bem. O problema é que o José também escreve, e isso confere-lhe outro lastro. Nao que eu tenha lido os seus romances; o que eu li foi um livrinho chamado Conversas de Escritores, onde ele publicou as entrevistas televisivas que lhe foram concedidas por alguns autores famosos. Temos que lhe tirar o chapéu: nao é qualquer um que entrevista o Dan Brown, o Ian McEwan e o Gunter Grass e continua a achar-se a si próprio tao bom.
A capa nao deixa dúvidas. A cara do José aparece enorme, de olhos semi-cerrados, com os lábios e o rosto ligeiramente franzidos: o tipo de expressao que revela muita inteligencia, ou poucas fibras nos cereais. O seu nome aparece no cimo, em letras enormes, ofuscando os nomes de vários prémios Nobel da literatura. É evidente que o plural no título nao se refere apenas aos entrevistados, mas à condiçao comum dos vários protagonistas: o escritor José Rodrigues dos Santos conversando com o escritor José Saramago, o escritor José Rodrigues dos Santos conversando com a escritora Isabel Allende, o escritor José Rodrigues dos Santos conversando com o escritor Luís Sepúlveda...
Para dizer a verdade, as entrevistas até sao interessantes. Normalmente, sao interessantes parágrafo-sim-parágrafo-nao, mas mesmo assim gostei de as ler. Agora, o que é verdadeiramente insuportável é a pequena introduçao, a curiosa "história de bastidor" que antecede cada entrevista. Ao decidir revelar-nos esses episódios, é o próprio José Rodrigues dos Santos que se nos revela, na primeira pessoa. Assustador. Transcrevo uns trechos, sem comentários (embora me apetecesse muito), relativos ao encontro com Sveva Casati Modignani:

A casa da signora del bestseller é um pequeno bloco de uma rua estreita de uma zona relativamente humilde de Milao. Espanta-me a modéstia do local, considerando que a autora já vendeu mais de dez milhoes de livros e deve estar cheia de dinheiro.
(...)
O interior é um pouco escuro e as duas salas parecem-me pequenas, com uma decoraçao conservadora. Sveva Casati Modignani cumprimenta-me calorosamente e pergunta-me se quero um café.
Café nao, respondo; talvez um chá. Ma no voglio nero.
(...)
Sveva é uma mulher de cabelos brancos arranjados com cuidado. É claramente uma mulher que amadureceu bem; está vestida com muito gosto, como é hábito nas italianas, e parece fresca e cheia de energia, embora respire serenidade.
(...)
Mas nao sou apenas eu quem está ali a tirar as medidas ao outro. De pé diante do fogao, ela olha para mim com atençao e estuda-me as feiçoes.
«Voce é muito jovem!», exclama, com um tom de admiraçao na voz. «Dio mio, como é jovem!»
Pareço mais jovem do que sou, explico-lhe. Cortesia de um gene da minha mae.
Sveva espanta-se quando lhe revelo a minha idade.
«Estive a ler coisas sobre si e nao o imaginava assim», diz. «Sabe, voce teve uma vida muito aventurosa!»
Sim, tem sido animada.
(...)
A água ferve ao lume e Sveva despeja-a na minha chávena de porcelana branca, a superfície láctea ornada por belos desenhos, tao elegantes como a casa e a escritora italiana que me recebe. Mergulho o pacote de chá de camomila na água e retiro-o, mas a minha anfitria insiste que mantenha o pacote imerso.
«Precisa de estar lá dentro pelo menos cinco minutos para que o chá fique bem.»
Devolvo o pacote à chávena, mais por cortesia do que por convicçao. Uns meros cinco segundos depois, fiel às minhas proverbiais teimosia e impaciencia, retiro-o de novo. Mas ela nao nota ou, se nota, nada diz desta feita.
Para compensar, explico-lhe que vou correr um risco e tentar conduzir a entrevista em italiano.

Estao a ver o género? É tudo neste estilo. Alguém aí pode explicar-lhe as fronteiras entre o que se pensa, o que se diz e o que se escreve? Nós daqui ficamos muito agradecidos.
Mas antes de acabar (o livro e o post) há ainda um capítulo com agradecimentos. José Rodrigues dos Santos agradece a meio mundo e, no fim, à família mais próxima:

Obrigado ainda à minha filha Catarina, que me ajudou neste livro, e, sempre acima de tudo, a Florbela, que durante meses a fio viveu com um homem que pura e simplesmente nao parava de ler.

Quanto à filha, nao sei. Mas a mulher fez bem. Eu, se fosse casado com o José Rodrigues dos Santos, também preferia ir viver com um homem que nao parasse de ler. E nao era só por uns meses.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Podem descruzar

Agradecemos, do fundo do coraçao, a todos os que nos apoiaram e cruzaram os dedos para que este bebé nao viesse cá para fora antes de tempo. Mas agora já podem descruzar. Sim, a sério! Vá lá, descruzem lá, caramba!