segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Pode atestar, por favor?

O Miguel come cá de uma maneira, fico a pensar a quem é que sairá (aliás, já a Sara era assim e nunca cheguei a uma conclusao).
Agora que nao há pediatras para atrapalhar, a dieta do menino está inteiramente confiada ao instinto maternal e à internet. A Ana seguiu o conselho do site mais audaz - curiosamente patrocinado pela Milupa - e começou a dar-lhe sólidos ao 4º mes. Mais precisamente, no dia em que fez quatro meses. E só nao foi na hora em que fez quatro meses porque às cinco e meia da manha ainda é preferível dar maminha - safou-se com uma a mais, mas com certeza ouvirá falar dela mais tarde.
Raiou o sol na janela da cozinha e já a mae sorria, com uma taça fumegando numa mao e uma colher de plástico na outra. «Abra a boca, bebé!» O Miguel abriu, e comeu tudo. Mas claro que era papa. A papa é doce. Qual é o bebé que nao gosta de papa? De modo que, quando ele fez quatro meses e oito horas, a mae experimentou uma sopa. O Miguel comeu tudo. Mas era um sopa docinha. Qual é o bebé que nao gosta de sopa de cenoura?
Desse dia até hoje, passaram quase dois meses e as doses tem vindo sempre a aumentar. Da prateleira das papas do Morrissons, já só lhe falta experimentar prawn cocktail. A sopa agora leva os legumes todos, carne e fé-em-Deus. Para nao ficar com boca de lacaio, no fim há sempre fruta. Começou com pera cozida, depois banana esmagada (haviam de ver a sua cara de afliçao ao perceber que as cascas vao para o lixo). Quando passou para a pera crua, imaginem o requinte, até vieram de Loures duas peras Rocha, especialmente criadas pelos avós no ramo de cima da árvore, voltadas para o sol meridional. O Miguel adorou. Mas, verdade seja dita, no dia seguinte adorou igualmente as que se vendem aqui no supermercado, amadurecidas dentro de um contentor frigorífico num porao algures a meio do Canal da Mancha.
Ele quer quer lá saber se a comida é doce ou nao! Depois da pera Rocha e da pera Conference, ele já vai na pera-abacate... E, só para o caso de estarem a lembrar-se da vossa última ida à Casa México e a pensar que pera-abacate até que é bom, deixem-me esclarecer: bom é guacamole. Guacamole sabe a tomate, cebola, cebolinho, alho, azeite, coentros, limao, malagueta e sal - a tudo, menos à pera-abacate, que só está lá para dar cor e consistencia. Para perceberem o que é que o Miguel anda a comer, terao que descascar uma pera-abacate madura, desfaze-la com a ponta de um garfo e po-la na boca. Nao, nao vale usar tiras de milho em vez de colher, nem empurrar com Coronas ou Margaritas... embora já nao deva faltar muito!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Olha!

Um dos portugueses evacuados da Líbia num C-130 da Força Aérea foi o meu ex-colega de faculdade José Casaleiro. E eu que às vezes me interrogo se fiz bem em vir para Inglaterra...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A segunda pedra

Agora que alguém já atirou a primeira, deixem-me dizer-vos que também a mim, mesmo a estes quilómetros todos de distancia, me irritaram bastante os deolindos.
Nao querendo que percam demasiado tempo com outros blogues, sempre acho que vale a pena ler o post. Concordo com tudo o que a senhora diz (um bom hábito aprendido cá em casa). Mas ainda queria acrescentar, exclusivamente da minha lavra, dois motivos de irritaçao: o primeiro, uma questao de forma; o segundo, de substancia.
É impressao minha ou, lá no hino deles, há um verso que diz "e ainda me falta o carro pagar"? Isto, a meu ver, é muito mau. Chutar assim para o fim das frases os verbos postos no infinitivo, de forma a rimarem uns com os outros, é uma espécie de grau zero da poesia em língua portuguesa, e devia ser proibido a qualquer aspirante, logo a partir do fim da quarta classe. Ainda por cima, dizem que é música de intervençao. Eu nao é para armar em chato, mas desconfio um pouco das capacidades deste trovador para escapar ao lápis azul, usando metáforas e outros recursos estilísticos assim... bué subtis.
Agora a mensagem de fundo da cançao, devidamente matraqueada no refrao, é este suposto paradoxo de hoje em dia, em que para ser escravo é preciso estudar! A ideia é que se trata de uma geraçao duplamente penalizada: nao só tiveram que estudar, como agora tem uns empregos com poucas condicoes. Um enorme sacrifício que nao os poupou a um imenso martírio. Adianta dizer alguma coisa a esta gente? Assim, por exemplo, que estudar é um privilégio, e até mesmo um prazer, que se justifica por si só? E que sim, que talvez um salário mais magro ou uma carreira mais atribulada possam ser preços justos a pagar para lhe aceder? Apetecia-me dizer-lhes isto, mas nao vou faze-lo, porque provavelmente me respondiam: "que parvo que tu és!"

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Flores

Instala-se a crise, e todos nós tentamos identificar despesas supérfluas nos extractos bancários. Flores, por exemplo, podem facilmente ser consideradas um luxo, sobretudo atendendo à efemeridade do seu esplendor. E, no entanto, parece que, entre os típicos presentes de S. Valentim, as flores sao o que há de mais barato. E duradouro.

Flores

Conta a minha mae que, de uma vez em que eu era miúdo e fiquei de cama com febres altas por causa do sarampo, respondia sempre «Flores!» a qualquer coisa que me perguntassem. Ainda hoje nao sei de onde veio essa fixacao, mas teria muito mais a explicar se lhe tivesse falado em champanhe ou em preservativos.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

S. Valentim

É verdade que eu sou um moralista serodio, e com certeza a coincidencia dos nomes tambem nao faz de mim um tipo particularmente romantico, nem sequer minimamente entendido no assunto. Talvez por isso este meu pasmo, ao saber que os artigos que registam aumentos de venda nesta epoca sao:
1 – Flores
2 – Champanhe
3 – Preservativos

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Round I

Terminou o primeiro round do combate entre nós e o Consulado de Portugal.
Nao os levámos ao tapete, mas marcámos bastantes pontos: conseguimos inscrever a família toda, registámos o nascimento do Miguel e, hoje, fui lá buscar o seu Cartao do Cidadao.
Este último, que parece de todos o acto mais simples, nao o foi propriamente. O Cartao do Cidadao só pode ser levantado pelo próprio. Caso nao possa levantá-lo, por motivo de força maior, o próprio terá que passar uma declaraçao, autorizando um terceiro a faze-lo em seu nome. Caso o próprio nao possa passar essa declaraçao, por motivo de força maior como por exemplo nao saber escrever, terá que pedir a um terceiro que a redija por si. Caso o próprio nao possa assinar a declaraçao escrita por outrém em seu nome, por motivo de força maior como por exemplo ter tres meses de idade e portanto nao saber assinar nem sequer fazer uma cruzinha sem meter a ponta da caneta para dentro, deve tal facto ser mencionado no espaço reservado à assinatura do declarante. Por forma a validar a declaraçao, será entao forçoso que o detentor do poder paternal confirme a autenticidade do documento - acto que nao deve ser confundido com a outorga da autorizaçao, que é para todos os efeitos da responsabilidade do menor -, assinando-o ele próprio. Tudo isto deve naturalmente ser feito em duplicado, no acto do requerimento do Cartao, perante as autoridades competentes, de forma a dispensar o reconhecimento notarial de assinaturas.
Para levantar o Cartao do Cidadao de um terceiro (que, no caso em apreço, foi acima referido como sendo o próprio), basta entao que um cidadao se dirija aos serviços pelos quais o terceiro foi notificado por via postal, munido da referida notificaçao e da declaraçao de autorizaçao anteriormente descrita, e faça prova de identidade, designadamente exibindo o seu próprio documento identificativo, válido e correspondente ao mencionado na declaraçao de que é portador. A lei é para cumprir.

Quando cheguei a casa entreguei o cartao ao próprio, que tratou logo de o meter logo à boca. Para seu azar, a mae estava atenta e repreendeu-o: «Olhe lá, que isso é impróprio!». Uns segundos depois reincidiu, e a detentora do poder paternal acabou por declarar que ele me autorizava a guardar-lhe o documento.

PS: é mesmo verdade que passou a ser obrigatório os recém-nascidos terem NIF para a declaraçao de IRS?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Humor Britanico II

Em Portugal, se um medicamento pode ser comprado sem receita médica, diz-se que é de venda livre; em Inglaterra, diz-se que pode ser comprado ao balcao. A expressao é: "get it over the counter". Isso, está bom de ver, dá logo para fazer uma piada sobre o Viagra:


«Could I get it over the counter?»
«Maybe if you take two.»

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Marco e Sónia

Em letras gigantescas nas páginas centrais duma revista de mexericos, um daqueles casais instantaneos, feito famoso num reality show qualquer, anuncia:


WE'RE CLOSER NOW WE'RE NOT ON TV


Infelizmente, a senhora estava sentada dois bancos à frente do meu, e nao consegui inteirar-me dos detalhes desta história. Parece que a imprensa cor-de-rosa dá-lhes mais tempo um para o outro... o que talvez queira dizer que preferiam voltar à televisao!? Provavelmente é isso, mas nao posso dar a certeza.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Torneio das 5 Naçoes

Observa a figura com atençao. Um destes homens é um intruso; nao faz parte do grupo, nem tem a mínima hipótese de ganhar a taça. Qual?


















Pronto, se insistes, faz um círculo à volta dele, mas primeiro imprime a fotografia. 


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pilates

Foi ao pilates que eu cedi. Mas nao vao já espalhar a notícia aos quatro ventos, que a coisa nao é bem o que parece. É que aqui o pilates é diferente e, lá porque um tipo fez uma sessao ou duas, ou mesmo que faça, digamos, tres por semana, nao é necessariamente gay.
Enquanto estive em Portugal, resisti sempre. Mas aí só havia dois tipos de pilates: a classe do GCP, onde andavam o Arnage, a MJ e mais trinta trintonas de Campo de Ourique, e na qual era obrigatório usar maillot de lycra e perneiras de la; ou as sessoes individuais na clínica do Chiado, as únicas recomendadas como sendo the real thing pelo meu osteopata da altura, que infelizmente já me tinha levado à falencia ele próprio, sem necessidade de qualquer despesa adicional.
De maneira que, quando também a minha médica de família se juntou ao coro dos que me tentavam perder, eu mantive-me firme e expliquei-lhe que, para mim, o único desporto aceitável era futebol. E que, se ela insistisse em recomendar-me coisas mais indicadas para a minha idade, o máximo que podia fazer por ela era jogar em posiçoes mais recuadas ou, no limite, ir à baliza: isso é praticamente fazer pilates.
Bom. Agora aqui o meu amigo Tom, de quem vos falei no outro dia, também veio dizer-me que o exercício ideal para evitar as minhas crises de costas era o pilates. Olhei-o pelo canto do olho, como quem diz: lá estás tu outra vez com ideias parvas. Mas, como sou incapaz de argumentar enquanto me torcem a perna e esmagam o esterno em simultaneo, sempre teve tempo de me explicar que eu só precisaria de ir a uma aula. Na verdade, aquilo é mais como ter explicaçoes: a professora tem a hora inteira por nossa conta e ensina-nos tudo tim-tim-por-tim-tim. Depois praticamos em casa, à medida da nossa disponibilidade, da nossa vontade e, pormenor muito importante, behind closed curtains. O ideal para mim.
Foi num Sábado de manha. A Sara foi para a aula de teatro, a Matilde para a de ballet e eu para a de pilates. Talvez o problema seja um pouco meu, que me desabituei de ir a aulas, mas a professora, ainda nem tinha começado a lição, já me estava a irritar. Haviam de a ver: a forma ágil como saltou de trás da porta para me receber, a forma confiante como se apresentou, a forma enérgica como me apertou a mão e sacudiu o braço, a forma atenciosa como me conduziu para o gabinete, a forma autoritária como me mandou sentar. Uma mulher em forma: um metro e meio de altura, quarenta e muitos anos, quarenta e poucos quilos.
Já me tinha constado que também o professor do GCP tinha este género de compleição física. Até prova em contrário, tenho cá para mim que o pilates foi inventado por um tipo com metro e meio, especialmente para os seus amigos com metro e meio. Eu cá, se não tivesse mais de metro e meio, também chegava com as palmas das mãos ao chão, na boa.
A professora parece que tem por método estender dois colchões no pavimento, e ir fazendo os exercícios lado a lado com o aluno. Talvez isso resulte com algumas pessoas, mas rapidamente tive que lhe dizer que comigo não estava a funcionar. Em primeiro lugar, por ser muito desmotivador. Bastava-me olhar para nós dois, para perceber que qualquer esforço da minha parte seria em vao: nem valia a pena tentar. Em segundo lugar, estava a deixar-me nervoso que nao houvesse ninguém a tirar apontamentos. O Tom tinha-me prometido que no fim receberia umas cábulas com figurinhas representando as várias posiçoes de cada exercício. E eu, que ia no segundo e já nao me lembrava bem do primeiro, não havia de sair dali sem isso... Em terceiro lugar, visto que ela afinal não ia precisar do seu colchão, talvez eu pudesse ficar com os dois, porque me estava a doer bastante o rabo!?
Uma vez rectificados esses aspectos, continuámos. O terceiro era um exercício muito simples, que toda a gente conhece. Sentar com as pernas esticadas para frente e progressivamente baixar o tronco, desde os 90º até o mais perto possível da horizontal. Nunca fui assim muito bom neste exercício. Em miúdo, com os meus braços de orangotango, ainda conseguia tocar com os dedos nas pontas dos pés, mas a testa sempre ficou bem longe dos joelhos. Claro que, com a idade, a coisa não se tornou mais fácil: neste momento, o meu desafio é mesmo sentar-me a 90º, porque o tronco insiste em ficar ali pelos 110º...
Nada disto, claro, impedia a minha professora de me ir fazendo elogios: muito bem (quase sempre), bom esforço (às vezes antes mesmo de eu tentar), excelente postura (quando não conseguia mover-me), etc... De alguma forma, parecia convencida que eu estava mesmo a sentir a minha nuca pendurada por um fio suspenso do infinito, ou que estava a inclinar alternadamente para Sul e para Norte o triângulo imaginário da minha zona pélvica (logo eu, que nem sabia que os homens também têm pélvis!)... Mas enfim, lá fui ouvindo e anuindo, que se não tivesse esta parte de conversa fiada também não era pilates, era só alongamentos, não era?   
Já mais para o fim, voltei a experimentar dobrar o tronco ao longo das pernas, só que desta vez partindo de uma posição vertical: nádegas encostadas à parede, pés ligeiramente afastados do rodapé, parte superior do corpo descontraída, deixei actuar a força da gravidade. Mas o resultado deve ter sido especialmente pobre: «Deixe-se descair à vontade! Não tenha receio que não lhe vai faltar apoio atrás.» Estive para lhe dizer que, embora a parede fosse apenas de uma placa de 13mm de gesso cartonado, eu sabia que não me ia faltar apoio. Simplesmente, a minha coluna não ia passar daquela posição, nem que atrás de si estivesse a Muralha da China.
Estava eu imobilizado nessa figura, a pensar se ainda faltaria muito para o fim da aula, quando ela me fez a pergunta que, provavelmente, estava a intrigá-la desde o início da sessão: «Então mas afinal isto foi um acidente de automóvel, ou que foi isto?». Acidente de automóvel? Acidente de automóvel? Meu Deus, onde chega a ignorância! Esta doutora se visse a coluna do Siza com certeza achava que ele tinha sido atropelado por um comboio de mercadorias...


Enfim. Melhor ou pior, a aula acabou e agora estou por minha conta. Pilateio aqui no chao da sala, depois de todos os que iriam rir-se de mim estarem na cama, e até me parece que estou a fazer progressos. Como já tenho o essencial mais ou menos assimilado, talvez esteja na hora de começar a dar atençao aos pormenores: salvo erro, durante o movimento era preciso manter o umbigo colado às vértebras e ainda coordenar a respiraçao... Nao que vá ser fácil. Como disse uma vez a nossa amiga Cristina a propósito das aulas pré-parto, «uma pessoa nestas alturas lembra-se lá de respirar! Já fiz quatro ou cinco sessoes e ainda nao respirei nada...»