quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Done

Fui ali entregar um projecto, mas já voltei.
Na verdade, nao foi bem um projecto; foi uma fase ou, mais correctamente, uns pacotes.
«Uns pacotes?», imagino ouvir, porque tenho esperança que, pelo menos aí em Lisboa, o termo ainda cause alguma estranheza. Aqui, nao há nada mais normal do que um arquitecto a entregar pacotes (chamam-lhes packages). Mas antes que nasçam mal-entendidos, e chovam propostas de recolocaçao em melhores cargos na minha terra natal, deixem-me explicar. É que nao é tao mau como parece (embora também nao seja propriamente bom)!
O que se passa, cá em Inglaterra, é que os arquitectos perderam (parece-me que irremediavelmente) o seu papel de coordenadores do projecto, e de interlocutores do cliente. Isso agora é feito por uns tipos de natureza geralmente sinistra, a quem os cursos de gestao raramente acrescentaram algo de bom, e que dao pelo nome de project managers. O nome talvez seja enganador: estes senhores podem saber tudo sobre o management, mas nao sabem nada sobre o project.
Para eles, o projecto sao uns bonecos, desenhados numas folhas gigantescas, com dobras tao complicadas que nao se atrevem a abri-las: poem-lhes uma capa de cartolina azul desmaiado a dizer «Anexo» e agrafam-no na parte de trás do contrato de empreitada.

A missao dos PMs (aqui tudo é abreviado, e eu próprio sou VC) é entregar um edifício ao dono de obra, dentro do orçamento e do prazo; se isso os obrigar a entregar uma barraca em vez de um palácio, eles fazem-no sem pestanejar, e no fim tem a mesma sensaçao de dever cumprido.
Na universidade, a Microsoft deve ter-lhes oferecido a versao do Office para estudantes, e desde entao o Excel é o seu refúgio e salvaçao. Produzem gráficos irrelevantes e tabelas desnecessárias, com células minúsculas de todas as cores; agarram-se aos A3 com uma tenacidade tao grande que fariam o LC corar de vergonha, por só ter salvo dez cantos das águas do Índico.
Fiados nesses documentos, os PMs estao geralmente convencidos que conseguem «optimizar» (leia-se tornar mais económico e mais rápido, leia-se portanto abarracar) o projecto. A sua estratégia é simples, e sempre a mesma: planear a maior sequencia viável de adjudicaçoes directas de empreitadas tao restritas quanto possível, de forma a ganhar tempo e, sobretudo, a eliminar todas as comissoes de sub-contrataçao.
Por isso, nao querem saber para nada das nossas caixas Cromolux com lombadas de 10cm, onde está o famoso «Projecto Completo». E por isso obrigam os arquitectos a entregar o projecto às partes, em fascículos anexáveis, que correspondam às diversas empreitadas que pretendem adjudicar: os famosos pacotes.

(continua)

7 comentários:

Anónimo disse...

esta "pequena" introdução arrasou com qualquer desejo que eu secretamente acalentasse de te seguir nessa aventura... NUNCA, permitirei que me confundam com tais criaturas. cá, pelo menos usam as minhas iniciais para melhores e mais elevados propósitos (nem sempre nas melhores mãos... não se pode confiar nos engenheiros)

capacete disse...

que bem observado!
se bem aqui, quando as iniciais de duas pessoas sao iguais, é costume acrescentar uma letra diferenciadora na sigla da recém-chegada. e eu desde logo proporia GAPM!

capacete disse...

e já agora: todos os que deixaram passar uma semana sem comentar este post ficam desde já proibidos de reclamar com a falta de assiduidade do escriba de serviço. e isso inclui até o rantanplan! onde anda?

Anónimo disse...

GAPM, GAPM, espera, acho que estou quase a perceber.... sim, sou eu, o rantanplan!!
Não posso comentar este post com inteira liberdade, capacete... o excel faz parte dos tabus das cláussulas maritais...Só posso dizer que adorei o LC nas águas do índico, e que tive um arrepio a pensar que muito do que aqui contas qualquer dia vai ser o futuro de muitas outras nobres profissões, embora não tão artísticas...

Anónimo disse...

quero acreditar que cedeste ao português e GAPM é "grande arquitecta PM"!

capacete disse...

rantanplan:
que saudades!
pois é, já pensei se este meu post nao me vai custar umas taças de vinho mal servidas e uns ares carrancudos quando aí for pela páscoa... ou ele anda distraído com a crise?

pmarques:
costumavas brincar ou quente e frio? quente...

Anónimo disse...

Anda distraído. Espero que com a crise...E a bola, vá.