sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Job for the boy (cont.)

Quando o comboio chega à tabela, consigo entrar no atelier às nove e vinte, mas tenho a sensaçao de que a manha já vai a meio. Cumprimento as duas senhoras à entrada e avanço pelo hall.
Se lá fora há luz, este espaço fica abundantemente iluminado pelas janelas voltadas a sul, e nasce no centro da alcatifa um pequeno arco-íris, proveniente de um trofeuzito em acrílico poisado no parapeito. Lanço um olhar rápido à esquerda, só para ver se dentro da sala de reunioes nao estará uma miúda gira, ou o meu patrao, que poderiam reter-me por ali mais uns instantes. Caso contrário, viro costas e entro na sala de trabalho.

É um open-space mais ou menos quadrado, que deve ter cerca de 100m2, e foi remodelado ao melhor estilo «arquitecto arrendatário em contençao de custos»: um autonivelante antracite no chao, pintura de branco em paredes e tectos, armaduras de lampadas florescentes expostas, uns estores de rolo cinza claro, daqueles que deixam ver através deles.
Aí, trabalham presentemente dezoito pessoas: dez numa compacta ilha central, que tem cinco mesas corridas com as frentes encostadas a outras cinco mesas corridas e os monitores servindo de biombo; as oito restantes em duas alas laterais, informalmente dispostas junto à fachada principal e ao tardoz. Curiosamente, a atribuiçao dos lugares nao parece ter seguido nenhum critério, para além da ordem de entrada na empresa. E, como começaram por ocupar o centro, os recém-chegados estao agora todos sentados à janela.

A equipa é relativamente heterogénea, nas idades: os mais velhos sao o R e o M (65), depois o JW (45), o B (37) e eu; daí para baixo há de tudo, até aos 23. As origens também sao variadas: a I é alema e a S japonesa; a C e o M sao polacos, o B e eu portugueses; o resto sao britons, mas nem todos ingleses, e nem todos brancos. Há treze homens e apenas cinco mulheres: e o pior é que, para além de poucas, nao parecem muito bonitas; mas às vezes essa percepçao muda com o hábito, vou esperar um pouco mais.
O atelier duplicou de tamanho no último ano, mas ainda tem uma dimensao acolhedora. Para já nao notei ódios de estimaçao, nem rivalidades mortais, entre colaboradores: o grupo parece unido, e solidário, sem ser propriamente uma pandilha de amigalhaços. O ambiente é descontraído mas profissinal. Nesse aspecto, acho as coisas muito equilibradas. Aliás, às vezes penso que um emprego assim é o que há de mais parecido com um ciber-café. Tem, obviamente, a desvantagem do horário obrigatório; mas, em compensaçao a internet e o café (e o chá, e o leite, e os biscoitos, que passam duas vezes ao dia) sao gratuitos.

Estou a trabalhar no projecto da nova escola judaica de Manchester. Sao cerca de 10,000m2 num único edifício, que congrega todos os níveis de escolaridade, desde a creche até à entrada para a universidade. Neste caso, o desafio do projecto nao é o desenho: é a dimensao, o cumprimento do prazo e do orçamento da obra. (Isto tem muito que se lhe diga, e ainda será tema de um post, no futuro.) É um trabalho muito exigente.
A área da educaçao é, de resto, uma das principais vertentes do atelier. E, nos dias que correm, é também a sua maior fonte subsistencia. Aliás, no meio da actual crise, a única fonte segura de trabalho para o sector da construçao é um gigantesco programa do governo, que visa remodelar todas as escolas secundárias do país em meia dúzia de anos. E ainda me veio a ser útil, vejam só, poder incluir o projecto da Escola de Vila-Nova-da-Barquinha no meu portfolio.

Na adaptaçao ao trabalho, está tudo a correr ao contrário do planeado. A língua afinal é um problema maior do que eu esperava, sobretudo porque passamos a vida em reunioes. Todos sao managers de alguma coisa, e o seu trabalho é reunir; nao percebem que o nosso é desenhar o edifício, e parecem estranhar quando ele nao aparece desenhado, depois de nos terem retido dias inteiros a fio, a discutir o modo de financiamento, o timing da adjudicaçao das várias sub-empreitadas, os vários licenciamentos e... outras coisas que eu nem percebo. É que, ainda por cima, o jargao está cheio de siglas; com certeza muito úteis para eles, mas impenetráveis para um caloiro. Um dia ainda vou compilar algumas e deixar aqui, por curiosidade.

Só quando me sento ao computador é que volto a dominar a situaçao. Ao invés do que temia, nao foi preciso aprender MicroStation, Revit nem ArchiCad. Ali, usa-se Autocad, e ninguém me pede que faça 3D. Já formatei tudo à minha maneira, e teclo sem hesitaçoes, à mesma velocidade estonteante de sempre: é que estou perfeitamente à vontade, porque afinal (graças a Deus) eles usam o sistema decimal, e até trabalham em milímetros, tal como eu sempre fiz.
Para o ano que vem, já prometi ensinar-lhes a inserir raster images no desenho, a gerir o model space e o paper space, e a usar layers de forma racional. Dizem que eu devo ser cinturao negro de Autocad, vejam só!, o zarolho é rei.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

BS

Por uma ou outra razao, eu ja tinha chocado várias vezes com os British Standards.
Sobretudo, claro, nas especificaçoes técnicas dos projectos de arquitectura, apenas mais uma das áreas em que os ingleses continuam a teimar que absolutamente nada, do que está óptimo para todos os outros países, se adequa bem a eles.
A regulamentaçao e a padronizaçao sao vistas como garantias de uma promoçao e defesa geral da qualidade, tornando-se exaustivas, no interesse de toda a sociedade. E eles sao mesmo absolutamente incapazes de se afastar dos seus canones: nem 1/64 de polegada, que seja! Claro que isso irrita. Mas irrita mais quando se está de fora; uma vez cá dentro, a coisa começa a fazer sentido.
Para a Ana e para mim, a viragem foi na cama. (Eu sei que muita gente torce o nariz quando estes assuntos aparecem no Capacete, mas desta vez nao é o que parece.) Aqui na casa que alugámos, havia apenas sommiers e colchoes, mas nada de roupa de cama. Tivemos portanto que ir à procura de lençois, fronhas e almofadas, edredons e respectivas capas. Nao acertámos à primeira; mas, logo que percebemos o esquema, passou tudo a bater certinho, independentemente das distintas proveniencias dos vários artigos.
Ao contrário, em Lisboa, o colchao ortopédico nunca encaixou bem no estrado da cama artesanal, os lençois que eram da avó sao curtos, o edredon IKEA é excessivamente largo, mas ainda assim continua a escorregar e aloja-se sempre no fundo da capa... De maneira que a Ana até já decidiu: «Quando voltarmos para Portugal, levamos toda esta roupa e mandamos lá fazer umas camas standard, à medida!».
Agora, mais recentemente, voltou a ser possível fazer umas compras. E o capacete, que tinha rasgado umas calças entre as pernas, ao sentar-se à chines para brincar com as meninas, foi contemplado com um novo par. Nas Amoreiras, seria um quebra-cabeças: umas ficam bem na perna mas mal no rabo, outras aceitáveis na cintura mas péssimas à frente, e por aí em diante, com pormenores que eu já nem alcanço. Aqui, foi de uma simplicidade extraordinária: o que me fica bem e eu gosto é o modelo Straight Cut, tamanho 32” waist, 32” lenght. Estas sao umas jeans da GAP, mas tenho a certeza que se fosse uma fazenda dos armazéns Primark também me estaria a matar. Já posso ir às compras sozinho.

Prova dos sete


Algumas das principais ale disponíveis no mercado, provadas e classificadas por este vosso amigo, num recente estudo de mercado realizado aqui em casa, segundo um método amador mas rigoroso. Ferpeitamente rigoroso.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

The Voice

Isto pode nao vos parecer nada.
Quando a gente está por aí, sem dar conta ouve-o uma, duas, tres vezes ao dia. Quanto mais ouve, mais se habitua, mais se familiariza. Mas eu estive cinco meses inteiros sem ouvir, até que ontem, carregando por acidente no play de um videozinho da internet, voltei a ouvir a voz do engenheiro José Sócrates.

PS: Mesmo assim, vou arriscar passar aí o Natal. Levo uns comprimidos para os nervos, e rezo para que a TV Cabo, face ao nosso incumprimento do contrato, tenha mesmo enviado um técnico por um escadote com um alicate cortar um fio.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Job for the boy*

Muitos dos leitores do Capacete sao arquitectos, quase todos amigos e antigos colegas. Estou certo, por isso, de que estao ansiosos por saber novidades acerca do atelier onde comecei agora a trabalhar. Mas os mais assíduos sabem que o tema do emprego, ou da procura dele, já vinha suscitando uma série de posts e de comentários aqui no blogue... E eu nao resisto a voltar a alguns desses pontos, para lhes dar os respectivos nós.

Em primeiro lugar, avisar aqueles que pareceram interessados nos serviços do meu sogro, como gestor de carreiras: é que ainda hoje tenho que esclarecer como é que, embora tenha efectivamente trabalhado com o Manel, afinal nao participei nos projectos do Mosteiro dos Jerónimos, do Convento de Cristo e da Estaçao do Rossio.
Depois a questao da altura do patrao: foi com muita satisfaçao que vi a minha teoria ser corroborada pelas reputadas práticas britanicas de gestao de empresas e recursos humanos. Lá no atelier, o mais alto é o chefe. Há outros mais velhos, mais fortes, mais bonitos, mais inteligentes, mais cultos. Mas nenhum mais grande! Escusado será dizer que o escritório vai de vento em popa...
E, por último, essa relaçao – tantas vezes mal compreendida – entre o labor do arquitecto e a garrafa de whisky. Nunca aqui desenvolvi o tema, nem agora é o momento; queria só registar que o meu patrao se chama John Walker. “Nada de especial!”, dirao alguns, e eu até concordo; mas, se daqui a um ano ou dois eu me mudar para o Chivas Regal, voltaremos a falar nisto.

Agora, entao, algumas inconfidencias a propósito do atelier; mas nao muitas, porque aqui as coisas sao a sério e o meu contrato (sim, há um contrato) tem umas cláusulas um bocadinho penalizadoras caso eu torne públicas informaçoes que venham a revelar-se prejudiciais para a firma.
O escritório, como já sabem, fica em Piccadilly Garden, que é, simultaneamente, o maior espaço verde do centro da cidade, a área comercial por excelencia e o grande hub de transportes públicos, onde confluem dezenas de autocarros, várias linhas de tram e o comboio, que me deixa a menos de cinco minutos da porta.
O número é o mítico 33, que corresponde realmente ao 5º andar onde o Diogo Teixeira tao bem me topou. Razao tinha a Pmarques, quando disse que na torre do outro lado da praça a vista seria melhor... Mas, tendo em conta que o elevador do atelier avaria dia-sim-dia-nao, acho que sempre prefiro ficar mais cá por baixo.
Subir as escadas até ao quinto andar, logo pela manha, faz-me aliás recordar os meus tempos de recém-licenciado, quando o JP tinha atelier num sótao da Lapa. E, como daí fui despedido porque quando chegava lá acima (alegadamente) arrastava os pés, aqui tenho o cuidado de guardar um último folego para entrar no escritório marchando, com os joelhos quase a bater no peito, numa inconfundível demonstraçao de energia e motivaçao, se nao mesmo de grande competencia.
À entrada, dá-se de caras com a I., que é a recepcionista e secretária. A pessoa certa, no lugar certo: pequena, discreta, atenta, maternal. Nunca nos interrompe sem pedir desculpa, e presume sempre que estamos a fazer qualquer coisa mais importante do que prestar-lhe atençao. Mas, se a I. é uma mae, ao lado dela trabalha a J., que é mais do tipo madrasta. É licenciada em gestao e (coisa insólita, herética!) também sócia da empresa: implacável com a burocracia, tem uma natureza disciplinadora, mas sabe manter-se à margem de tudo o que é assunto técnico ou artístico. As duas complementam-se bem, assegurando as condiçoes para que os arquitectos se dediquem exclusivamente a arquitectar.
O meu primeiro dia, de resto, foi passado inteiramente com elas, pois aqui é obrigatório por lei realizar uma induction. Apresentaram-me as instalaçoes, o meu posto de trabalho, o computador, a rede e o server. Discutimos o horário, explicaram-me as rotinas, as férias e os pagamentos, os impostos e a segurança social, a ausencia por doença ou apoio à família, tudo e mais alguma coisa! Para o fim, reservaram uma exaustiva sessao de esclarecimento sobre Higiene e Segurança no Trabalho (uma verdadeira paranóia nacional, muito estimulada pelas companhias de seguros e certos escritórios de advocacia), durante a qual enchi de cruzinhas várias folhas A4, confirmando que me tinham sido explicados os mais básicos procedimentos nos mais ínfimos detalhes.
E mandaram-me para casa, estudar o contrato e o manual do trabalhador, ao qual agrafaram uma planta do escritório, com as secretárias e os nomes dos colegas, para eu ir decorando. (to be continued)

* Devo ao FMonica (entre outras coisas) o título deste post.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

The Backs of an Architect

E pronto. Bastaram quinze dias de atelier e umas noites mal dormidas na semana passada (coisas lá do trabalho, querida) para eu ficar novamente entrevado.
A maior parte de voces já me viu assim, com o tronco e o pescoço imobilizados numa posiçao ridícula, dobrado para a frente mas torcido no sentido anti-horário, a perna esquerda presa pelo nervo ciático comprimido, um esgar de dor de cada vez que preciso de mexer qualquer parte de mim, à excepçao dos olhos. O meu estado é tao mau que talvez nao fizesse melhor do que o Quim, quando o brasileiro rematou de bicicleta a mais de vinte metros, no último minuto do jogo.

Sabendo disto, ninguém ficará melindrado ao ler que, de todos os que deixei em Portugal, é de um famoso osteopata do Chiado que tenho mais saudades. As maos... A calma... A música e a luz, que logo de manha entra pelas janelas pombalinas, voltadas para o rio... Umas sessoes excelentes, e perfeitamente hetero!
Afinal, ao contrário do que alguém nos disse, aqui em Inglaterra as medicinas alternativas nao fazem parte do serviço nacional de saúde. E, como devem imaginar, o meu primeiro (meio) salário também nao dá para grandes luxos. De modo que me vi reduzido aos medicamentos que trazia de Lisboa, às técnicas de relaxe aí aprendidas e ao apoio da família.

Há um creme, Reumo-nao-sei-que. O melhor que se pode dizer dele é que nao faz alergia à pele. E há o Voltaren, mas só me faz efeito se for injectado, e numa dose cavalar; aqui, tenho-o em comprimidos: umas coisinhas perniciosas que parecem nao fazer nada, mas ao fim de cinco dias começam a furar-nos o estomago. O Rui F. até diz que conhece alguém que morreu disso; ou que, se nao morreu, ia morrendo. Parece-me exagero, e vindo dele nao é de estranhar (quando nao sao estas histórias, sao treliças e consolas), mas, pelo sim pelo nao, tomo poucos.

As técnicas de relaxe, está-se mesmo a ver, sao um eufemismo. Parece que me faz bem ficar deitado de costas no chao, com as pernas apoiadas no sofá, fazendo 90º concavos na bacia e 90º convexos nos joelhos, braços ao longo do corpo. Nao é bonito de se ver; nem fácil de fazer. É preciso esperar pela noite, para evitar que a Matilde faça de mim o seu cavalinho. A essas horas, demora o dobro e custa o triplo andar de gatas na sala, a apanhar do chao os puzzles didáticos que as minhas dotadíssimas filhas ainda nao aprenderam a arrumar, e a catar da alcatifa os minúsculos acessórios (irritantemente diáfanos) da Barbie sevilhana ou da Barbie ginasta.
Quando, por fim, me coloco em posiçao, estou tao cansado que adormeço; e o exercício, que devia durar 20 minutos, prolonga-se por umas horas. Claro que nao vale de nada, porque entretanto os joelhos se afastaram, os angulos rectos passaram a obtusos, ou o corpo inteiro rodou para o lado, descaiu e eu passei para a famosa posiçao fetal (numa variante muito minha, em que a mae do feto está, por sua vez, entalada numa carruagem de metro em Covent Garden).

Resta-me a família. As meninas parecem preocupadas, e trepam para as minhas costas para demonstrar o seu carinho. A minha cara-metade porta-se um bocadinho melhor, mas nao muito. Tentei explicar-lhe como é que (acho que) sao as massagens, mas alegou logo que tinha pouco tempo e, como nao viu resultados imediatos, desistiu. Mais por curiosidade pessoal do que para meu benefício, ainda experimentou em mim uma espécie de acupunctura caseira que tinha visto no youtube, mas ambos concluímos (eu, mais depressa) que os garfos da senhoria nao eram os instrumentos adequados.
Em jeito de compensaçao, comprou-me uma daquelas botijas de borracha, para encher de água quente e aplicar sobre a zona martirizada. Muito gira, por sinal, com uma fronha felpuda, que serve de protecçao e nao está sempre a escorregar, ao contrário do que acontece a uma toalha de rosto enrolada. De maneira que, na madrugada seguinte, depois do exercício, lá fui cambaleando aquecer água na chaleira e encher a botija, morto por me enfiar finalmente na cama. (Estas coisas, como deve ser, nunca sao preparadas pelo próprio, mas nisso já nem insisto...) Seja como for, melhorei!

Melhorei, mas nao vou continuar a melhorar, porque fui logo proibido de voltar a levar a botija para o quarto. O meu amor, imaginem só, comprou-a nos 300 e agora diz que nao lhe suporta o cheiro rasca. Sem rir, garante que nao conseguiu mais pregar o olho, a partir do momento em que eu meti aquilo debaixo dos lençois e a nossa cama ficou transformada numa autentica loja chinesa: pura e simplesmente insuportável!
Bom, mas a minha intençao nao era fazer terapia conjugal na internet. Só falo disto para que nao se admire quem entretanto receber por aí um convite para um casamento na igreja de Saint Anne, Nantwich. Acho que vou obrigá-la a jurar que é na saúde e a doença.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Piccadilly


Isto é Piccadilly Garden, bem no centro de Manchester. Nao é extraordinariamente interessante, mas também nao é horrivel de todo. O arranjo da praça é do Tadao Ando. Há muita gente, todos os dias e todas as horas, a passar e a parar. É também onde eu trabalho. Os mais ociosos podem tentar encontrar o Capacete, assomando à janela do seu novo posto.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Apelo II

Alguém por acaso comprou (e leu) «O Império», do Gore Vidal?
A minha era uma daquelas ediçoes que vinha com o Público, barata mas com capa dura e umas setecentas páginas... E que eu, apesar desse peso todo, consegui deixar esquecida no combóio! Nao é para estar a armar em intelectual, mas faltava-me pouco para o fim: o John Hay tinha acabado de morrer sonhando com o Lincoln e a Caroline tinha revelado ao amante que era o pai da Emma.
Já agora, gostava de perceber o que é que acontece à senhora, ao seu meio-irmao Blaise e ao Washigton Tribune. Também tenho curiosidade de saber se o Hearst sempre chega a ser nomeado pelos democratas para se candidatar à presidencia, embora da História já saiba que quem ganha é o Roosevelt! Enfim, fico à espera de notícias...

Encarrilar

Desde o princípio desta semana, temos uma vida normal.
Vai para cinco dias inteiros que nesta família nao há ninguém doente nem desempregado (touch wood): a Matilde está na creche, a Sara na escola, a Ana na fábrica e eu no atelier. A nova rotina obrigou a ajustes no horário de toda a gente; mas, passados já quatro meses desde a mudança, é com grande alívio que vemos as coisas finalmente a encarrilar.



Encarrilar é sempre bom, excepto quando se vai de scooter. Perdoar-me-ao os meus amigos da grande concentraçao de Faro, mas, por estes dias, voltei à minha condiçao de motard nao-praticante: descontando o gorro de la com que enfrento o frio pela manha, o único capacete que uso é o telepático. E agora sao os carris (do comboio) que me levam para o trabalho e me trazem para casa.
Mas claro que ainda aprecio ver. Um destes dias, sei lá porque, voltei a lembrar-me do Caro Diario. Como eu gostei desse filme! E ainda nunca tinha andado de lambreta na vida, nem sonhado ter uma...
Aliás, nao resisti à tentaçao de ir à net, para tentar perceber uma ou duas coisas: o filme estreou em 1993 (há quinze anos!) e, de repente, recordei-me que a primeira vez que o vi foi mesmo em Itália, porque estava lá a trabalhar com a minha amiga Daniela Scaminaci, que na altura era também uma trintona desiludida com o Partido Comunista. Ainda na mesma ficha técnica, o filme aparece classificado como Biografia | Comédia | Drama. Para mim, fez-se luz: é exactamente isso que eu gosto num filme, de preferencia servidos indistintamente uns dos outros.
O terceiro capítulo provoca-me suores frios. O segundo faz-me rir a bandeiras despregadas. O primeiro é uma delícia, e eu identifico-me com aquilo do princípio ao fim: desde o deambular arquitectónico, com banda sonora gingona do Leonard Cohen, até à homenagem ao Pasolini, ao som profundo do Keith Jarret e pontapés na bola para o ar. Mas pelo meio, há ainda um episodio um pouco esquecido, que é este:



Eu também gostava de saber dançar. Mas a cena está aqui por outra razao. O post é que já vai longo, por isso deixo aqui a dúvida a pairar... a ver se os meus brilhantes leitores estao atentos, e percebem sozinhos.

PS: «Encarrilar» é que é uma palavra estranha. Mas nao será com certeza «encarrilhar», nem «encarrileirar», que se diz, e muito menos que se escreve. Salvo prova em contrário, aqui no blog vou manter esta grafia, que corresponde a en + carril + ar: a acçao de subir (ou de entrar) para os carris. Nao confundir com «encarilar», que é o mesmo, mas para o caril.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Agora que penso nisso

Foi tudo muito estranho.
O meu dia de anos decorria semelhante a todos os outros: desde manha cedo atendendo os mesmos telefonemas de sempre, da família, dos amigos, dos admiradores e dos principais líderes mundiais (José Sócrates foi dos primeiros a ligar, ainda ofegante da sua meia-maratona-madrugadora).
De repente, entre parabéns e cumprimentos, estava alguém do outro lado da linha (resistirá esta expressao muito mais tempo? há que tentar preservá-la...) a perguntar-me se aceitava um emprego. O ingles era tao perfeito que julguei tratar-se do meu antigo patrao, a gozar comigo desde Lisboa. Mas nao, era mesmo de um atelier de Manchester, para onde tinha enviado o meu portfolio havia um mes e onde tinha sido entrevistado na semana anterior.
«Bonito costume, este de oferecerem empregos às pessoas, pelo seu aniversário!», pensei eu. Que ninguém se ofenda: adorei receber cada um dos presentes que me enviaram, tao atenciosos e personalizados! Mas um emprego era mesmo aquilo de que eu precisava - embora nao o que eu realmente queria, como percebi logo que desliguei o telefone e comecei a antever todas as eminentes mudanças, nos meus hábitos recém-adquiridos... Mas já percebi que nao há salário sem trabalho, por isso aceitei.

Na altura, nao juntei dois mais dois (agora é que estou a juntar, e cá para mim vai dar quatro), mas o meu sogro tinha acabado de vir cá fazer-nos uma visitinha.
Veio por uma semana inteira, alegadamente para matar saudades das miúdas, mas fartou-se de viajar sozinho por Manchester e Liverpool, sempre com uns caderninhos debaixo do braço. E chegou com uma garrafa de Chivas Regal para oferecer ao genro, porque este tinha assumido publicamente que nao bebia whisky enquanto nao tivesse emprego.
Na altura, nao desconfiei de nada. Eu, que também sou pai e amo as minhas filhas acima de tudo, nao suspeitei nem por um segundo. Nunca me ocorreu que o senhor pudesse realmente estar chateado, por saber que a filha pega todos os dias ao serviço numa fábrica de carros e sai para a rua às 7:00 da manha faça frio ou faça chuva, enquanto o marido se dedica à nataçao e ao body-building.
Só agora é que, como se diz por aqui, realizei: o meu sogro veio até cá para me arranjar emprego, de uma vez por todas. Nao sei lá como é que fez, conseguiu.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Apelo


Parece que estao a vender-se poucos destes carros.
Mas a Ana acabou de chegar, e está apenas a trabalhar no futuro modelo, por isso a culpa só pode ser da crise. Aparentemente, os principais clientes seriam mesmo os banqueiros, que faliram, ou que iam falindo e ganharam vergonha (pelo menos deste lado do canal). Sem retoma à vista, os carros começam a amontoar-se nos stands e o futuro começa a ser incerto, para a empresa e para os seus colaboradores.
Mas estes cenários mudam, e até de um momento para o outro. Sabem como é: às vezes, basta uma borboleta bater as asas nao sei onde... É, por isso, com alguma esperança que deixo esta sugestao, aqui no Capacete. Afinal, sao mais de mil visitas, e uma audiencia fiel. Julgo que nao estarei a ser excessivamente optimista se disser que, entre todos, poderao comprar uns dez!?
E por que nao? O natal está à porta, e é tempo de pensar nos outros: talvez fosse o presente certo para realmente surpreender aquela pessoa mais especial, ou para finalmente arrancar um sorriso àquele parente mais carrancudo. Logo depois chega o Ano Novo, e voltamos a pensar só em nós próprios e na nossa Vida Nova: antes que o impulso esmoreça, é ir ao stand e fechar o negócio; normalmente aceitam retomas, podem deixar lá o Porsche e voltar para casa num carro decente.
Está na vossa mao. Nao se retraiam. Nao há nada pior para a economia mundial do que a retracçao do consumo. E nós (desculpem lá, mas) nao queríamos regressar tao cedo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Efemérides


Como era previsível e a imagem acima já sugere, aqui em Inglaterra nao conseguimos celebrar católica, apostólica e romanamente o Dia de Todos-os-Santos, nem o Dia dos Fiéis Defuntos. Mas a Sara e a Matilde aderiram com entusiasmo ao Halloween, que, afinal de contas e apesar de já nao se notar nada, talvez ainda derive da antiga vigília crista de All Hallowed Eve.
Pouco presas a assuntos teologais, as meninas sairam pela noite fora batendo às portas, na companhia e sob escolta dos nossos amigos brasileiros, que tem uma pirralha de quatro anos e muita cara-de-pau. Voltaram duas horas depois, com os potes a transbordar de doces oferecidos pelos vizinhos, sob coacçao do famoso «Trick or Treating!?». Mais uma vez, este costume é bem semelhante ao nosso Pao-por-Deus, sobretudo na interpretaçao das minhas filhas, que facilmente fazem a cantoria beata parecer uma partida de mau-gosto.
A 5 de Novembro, comemorou-se aqui a Bonfire Night. Festeja-se loucamente o fracasso de uma conspiraçao, que visava assassinar o rei e fazer explodir o parlamento, já lá vao mais de quatro séculos. A celebraçao é um misto de santos populares com magia negra, incluindo o lançamento ao despique de fogo de artifício nos quintais das casas e a incineraçao de uns bonequinhos que representam o cabecilha do grupo, em grandes fogueiras comunitárias, aproveitadas também para assar marshmallows, na ponta de espetos. Apesar do manifesto interesse antropológico, optámos por ver da janela.
O 7 de Novembro é, salvo erro desde 1972, uma das datas mais significativas do calendário portugues. Curiosamente, também já começa a ser comemorado no Reino Unido, embora em festas privadas, apenas acessíveis a certas elites mais informadas.
E hoje foi dia 11 de Novembro. Naturalmente, os portugueses correram a homenagear a generosidade de S. Martinho, empanturrando-se até nao poder mais com castanhas e água-pé. Nao os censuro: eu faria o mesmo se estivesse aí. Aqui o dia é muito diferente. Sob pretexto do armistício da I Grande Guerra (às 11 horas do dia 11 do 11º mes), os ingleses instituíram o Remembrance Day. Lembra-se todos os que perderam a vida nos conflitos deste século e a rainha lidera uma parada oficial em frente ao Cenotaph, em Londres.
Mas as palavras estao gastas, e há monumentos semelhantes um pouco por todo o mundo. Para tentar descrever a dimensao e a intensidade do que aqui se passa, tenho que falar de outras coisas.
Primeiro, que o monumento aos mártires da II Guerra, bem no centro da única praça de Nantwich, me tinha impressionado logo no primeiro dia. Tantos mortos, numa vila assim remota e tao pequena! A dimensao da tragédia só se torna perceptível a esta escala. E os nomes, ordenados por ordem alfabética, arrumados por famílias: nao foram poucas as que perderam duas ou tres pessoas... Irmaos? Sei que há um filme e tudo, mas eu nem imaginar consigo.
Depois, actualizar uma nota antiga que aqui deixei sobre o desfile matinal de alunos fardados: é que, nesta altura, todos trazem na lapela uma contrastante papoila (esta flor simboliza o dia, de acordo com uma tradiçao muito bonita, facilmente investigável na internet), e isso tem o seu que de emocionante. Segundo a BBC, serao mesmo poucos os miúdos desta geraçao que nao tem, efectivamente, um familiar directo perdido numa das guerras.

Enfim, aqui em Inglaterra o 11 de Novembro é um verdadeiro murro no estomago. (E talvez seja por isso que nao há magustos!?)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Irrecusável

Eh lá! Quatro comentários a encorajarem-me a prosseguir com o blogue!?
Pode nao ser exactamente uma vaga de fundo, mas tenho ideia de já ter visto -felizmente ao longe- alguém anunciar a sua candidatura à CML com menos apoios. Eu também só estou nisto para fazer rir as pessoas, mas saio mais em conta.
Gostei especialmente do «bora lá!». Juro. Gramei bué.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Capacete

Ando com vontade de voltar a usar isto...
Mas, para já, estou só a ver se ainda me serve!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

CK

O princípio foi auspicioso, mas os concorrentes eram fracos e ainda havia muito mérito de quem o precedera. Na altura, se bem me lembro, afirmou que ainda nao tinha tido tempo de transmitir todas as suas ideias e prometeu fazer coisas muito bonitas daí para a frente. Agora, presumo que isto já seja o fruto do seu trabalho!? Aqui em Inglaterra nao passou despercebido.
Tem sido um corropio de jornalistas à volta de Alex Ferguson, a perguntarem-lhe como é que conseguiu ganhar o campeonato e a liga dos campeoes, apesar de Carlos Keirós.

PS: perdoem o truque do trocadilho, mas nem sempre é fácil fazer as senhoras interessarem-se pelo futebol.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Silencio



Desculpem este silencio tao prolongado, mas o capacete anda com pouca vontade de brincar aos blogues.
Instalou-se-me um pessimismo aqui nas temporas, à conta desta coisa da recessao, da crise do crédito e da ameaça de bancarrota, da instabilidade das bolsas de valores... Nao me deito sem saber como fechou Nova Iorque, e de manha a primeira coisa que me interessa é a tendencia dos mercados asiáticos. Algo me diz que, ou esta malta sossega toda, ou eu escuso de continuar a mandar currículos e portfolios.
Para espairecer fui até à costa, espreitar o Atlantico. Se a crise veio de lá, talvez também venha a retoma... ou pelo menos o meu bom humor.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O sol e o sal

Setembro foi mes de sol e de sal.
Nao, nao fui a Portugal passar o resto do verao na praia. Foi mesmo aqui em Nantwich, paralelo 53º norte, a 60 quilómetros do mar. O Agosto nublado e chuvoso tinha-nos feito temer pelo resto do ano. Afinal, logo a seguir vieram dias claros. Com a Ana na fábrica e as meninas na escola, soube-me a férias.
O meu programa predilecto, transformado em ritual quase diário, foi a piscina. Nao a interior, morna e desinfectada, preferida por quem vem boiar em grupo ou espernear aleatoriamente, mas a exterior: um tanque fundo e comprido, que é alimentado directamente a partir de uma gélida nascente de água salgada. Coisa de homens. Celtas, de preferencia.

Recomendou-ma o gerente um dia, depois de eu abalroar a segunda velhinha que se atravessou à minha frente. Com um ar meio reprovador, meio solidário, disse-me que a piscina exterior era melhor para serious swimmers. Embora certo de que estavam simplesmente a tentar livrar-se de mim, resolvi experimentar.
É certo que há ali uma dificuldade inicial, que é sair do edifício, vestido só com uma tanga e já todo molhado, quando cá fora estao doze graus e faz vento. Mas isso até torna mais fácil entrar na água, e com as primeiras braçadas recupera-se.
A partir daí, realmente é um prazer: a pista (e às vezes a piscina toda) só para mim, durante horas a fio; a densidade própria da água salgada, tornando quase fácil nadar mariposa; e os cinco metros extra no sentido do comprimento, que correspondem a um treino suplementar de 20%, quase sem dar por isso.
Bom, mas isto nao era para armar em campeao. Phelps há só um, o Bruno e mais nenhum. O que eu queria mesmo contar era da paz, do silencio e do cheiro das árvores em redor. É que o melhor momento do treino é o chamado repouso activo: depois de um pico de esforço, fazer umas piscinas a recuperar, nadando costas clássico, com pernas tipo bruços e braços em simultaneo.
É um movimento ritmado mas relaxante, em que se desliza muito, e de forma suave. Quando os braços passam junto às orelhas, nao é muito correcto, mas sabe bem, deixar a cabeça afundar. Nessa altura, o gozo é deixar a água salgada entrar pela boca e sair pelo nariz, de forma a sentir-lhe o sabor sem a engolir. E manter os olhos bem abertos, para ver, a partir de baixo, os raios de sol entrarem um a um na superfície agitada da água. Muito bom.
Enquanto durou. Dia 1 de Outubro encerraram a piscina, até ao próximo verao. De qualquer modo, a chuva também já voltou...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

The Height of an Architect

Aí em Portugal, eu era alto. Nao escandalosamente alto, mas suficientemente alto para nao pensar nisso. Estava um bocadinho além da média e portanto olhava ligeiramente de cima para a maior parte das pessoas. Nao me entendam mal: nunca vi nisso qualquer vantagem, tal como nunca pensei que alguém se sentisse em desvantagem perante mim. Simplesmente, habituei-me a que fosse assim. E agora estranho.
Aqui em Inglaterra, eu sou baixo. Nao serei escandalosamente baixo, mas sou suficientemente baixo para pensar nisso. Em rigor, talvez eu até esteja na média, mas isso agora parece-me pouco. Quer dizer, passou a ser muito possível que o meu interlocutor seja mais alto que eu, e confesso que isso me aborrece. Nao a ideia em si, mas a situaçao na prática: custa-me dobrar as cervicais para trás, e quando o faço deixo de conseguir fixar a pessoa franzindo o sobrolho, como costumava. Sinto-me diminuído.
É que nao há volta a dar: por muito que nos tenham ensinado a olhar para o interior das pessoas, é impossível deixar de ter em conta o exterior. Sobretudo aqueles exteriores maiores que o nosso. Um tipo alto mete respeito: a própria Agustina afirmou que tinha votado no Cavaco por causa disso, mas foi na rádio e ninguem estava a ouvir.
Reflectindo neste assunto, dei por mim a constatar que, na minha vida, sempre prestei contas a homens altos: primeiro ao meu pai, depois ao Joao Pedro, depois ao Manel... Claro que foi uma coincidencia, mas começo a pensar se nao devia tomá-lo como regra. Aliás, ainda há uns dias tive uma entrevista promissora em Manchester e já vou recusar o lugar, porque o patrao é baixo demais. À primeira divergencia de índole profissional, ia de certeza levantar-me e perguntar-lhe: «Como é? Queres porrada?».

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

The L Word(s)

Estranhei a vitória, mas ainda mais o Sporting ter ficado a zero!
Pelas imagens que depois consegui ver na internet, parece que nao jogaram o Luisao nem o Liedson? Isso explicaria tudo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Alsácia-Lorena?

Nao sei muito bem o que é que estava em causa, desta vez.
Mas a Alemanha e a França andavam novamente pegadas uma com a outra, e a disputa ainda chegou a parecer renhida durante um bocado, embora depois tenha terminado num claro 3-0, a favor das germanicas.
Alguns já terao percebido, é novamente o voleibol feminino a cruzar-se no meu caminho. Desta vez, o clássico: em pavilhao, com atletas vestidas. Mas nem por isso menos telegénico. Afinal, tal como a lama na luta greco-romana, também a areia aqui é dispensável.
A equipa é de seis: as do bloco talvez um bocadinho altas, as da manchete talvez um bocadinho baixas, mas todas muito elegantes. E amigas umas das outras: depois de cada ponto, seja ele ganho ou perdido, demorado ou nem por isso, juntam-se sempre numa roda ao centro do campo, para mais uma sessao de abraços, festinhas e palmadinhas. Incentivos.
Às vezes até parece que passam mais tempo nisso do que propriamente a jogar. Por mim, nada contra e muito a favor. Só acho que, se afinal estamos todos de acordo, talvez fosse mais honesto arrumar a rede e a bola, e já agora dizer ao senhor árbitro que nao está ali a fazer nada.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Valentino from all times




Foi com grande supresa que encontrámos estas fotos nas tuas gavetas. para que os outros saibam quantos valentinos diferentes já foste...

Um dia de domingo


Foi talvez há mais de um mes, num domingo sem história, que resolvemos dar este passeio aqui pelas redondezas.
Seguimos as setas que indicavam a marina (uma coisa que nos parecia bastante insólita, assim no meio do campo), porque queríamos saber se podíamos alugar um barco por uma tarde para passear nos tais canais, e quais os percursos possíveis.
Afinal, a coisa é mais séria do que pensávamos: a rede tem centenas de quilómetros e atravessa vários condados; todos os roteiros demoram vários dias e os barcos estao equipados com tudo o que é preciso para umas férias em família – aliás, num layout muito curioso, fortemente condicionado pela largura dos próprios canais.
Portanto, nao era programa para nós. Mas valeu a pena o passeio: já nao nos preocupa tanto que o nosso apartamento nao tenha espaço para receber visitas! Quem quiser vir é muito bem vindo, e pode desde já começar a informar-se:
http://www.empressholidays.co.uk/index.html

Frustrado o plano do barco, voltámos para o carro e abalámos da marina à procura de algo que nos reconfortasse. Eu propus gelados artesanais, porque me lembrava de ter visto, algures por ali, uma tabuleta à beira da estrada a anunciar uma quinta onde os faziam.
A Ana nao só concordou imediatamente, como me levou até ao sítio certo num instante. Alega que se orientou por este estranho moinho de vento feito em palha, que se ve de todo o lado, mas eu fiquei a achar que a empregada lhe sorriu de forma cúmplice e perguntou se ela queria o costume...
Em qualquer caso, os gelados merecem a visita. Vim depois a descobrir que a escultura de palha muda todos os anos e é realmente uma manobra de marketing bem engendrada. Além disso, a quinta tem um pequeno cais, para receber quem navega no canal vizinho. Entao, já agora, os nossos futuros hóspedes podem também consultar:
http://www.snugburys.co.uk/index.htm

Já na volta, aconteceu-me ver isto. Nao é garantido que se repita, e desta vez nao há links possíveis... Fica só o registo, da paisagem e da luz.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

17/9, o dia das primogénitas

A Sara fez 8 anos (embora me pareça que cresceu mais do que isso, só no último mes). As comemoraçoes por aqui foram modestas, mas ainda assim suficientes para a fazer sentir a data em cheio. Muito obrigado aos que se fizeram presentes com presentes, cartas e postais, telefonemas ou e-mails! Ainda que muito provavelmente ela nao consiga responder a todos, posso garantir que apreciou mesmo receber cada um deles.

Entretanto, a Pilar escolheu exactamente este dia para nascer. Já a prima Joana tinha feito o mesmo, levando metade da família das nossas festas de aniversário; agora vem esta pirralha, roubar-nos metade dos amigos! Depois admiram-se que as pessoas desistam, e emigrem... Claro que nao lhe levamos nada a mal, e estamos ansiosos por conhece-la. Mas, se agora já gostamos tanto dela, como será quando a virmos?

E soube também que a Ines já vai para o Técnico! Se me perguntassem, diria que era cedo demais, mas bem que me tinham avisado que o tempo passa a correr, quando se está por fora... É engraçado, sempre a imaginei a estudar Direito, como a mae, na Católica, como o pai. Acho que isto ainda deve ser efeito do babysitting da tia Ana, mas se é mesmo a sua vontade, devemos respeitá-la. É civil, mecanica ou electrotécnica?

Margot

© SMAS-SINTRA, 2008
No azul profundo do oceano, nasceu um dia mais uma gota. Os pais chamaram-lhe Margot. «Chamaram-lhe Margot?», perguntaram as tias. «Chamaram-lhe Margot...», estranharam as amigas. «Chamaram-lhe Margot!», gracejaram as vizinhas. É que por ali todas as gotas tinham nomes normais, como Sara ou Matilde. Margot parecia francês e soava-lhes pretensioso.

Como alguns já sabem, Margot é o título de uma história infantil, escrita por mim e ilustrada pela Joana Ratao e pela Elisa Paulino, com base numa ideia dos SMAS-SINTRA, que editam o livro e vao distribuí-lo ao longo do ano pelas crianças do concelho, em acçoes de sensibilizaçao ambiental.
Há algum entusiasmo em torno do projecto, e organizaram-se várias actividades extra, para os próximos dias. Eu já estou com pena de nao estar presente. Em jeito de convite para os amigos com filhos, deixo aqui o programa dos eventos, com uma referencia especial aos ateliers de expressao plástica (orientados pelas minhas amigas, que sao óptimas naquilo que fazem) e para a teatralizaçao do livro (essa só por curiosidade pessoal, na esperança que alguém grave e ponha no youtube).

MARGOT - Exposição, Lançamento e Ateliers no Cascaishopping

. 27 de Setembro a 5 de Outubro - Exposição das ilustrações

. 27 Setembro das 10h às 13h - Atelier de Expressão Plástica
. 27 Setembro das 15h às 18h - Atelier de Expressão Escrita
. 28 Setembro das 10h às 13h - Atelier de Expressão Dramática
. 28 Setembro das 15h às 18h - Concertos Pedagógicos

. 1 Outubro às 10h - Lançamento do Livro. Sessão fotográfica e distribuição de alguns livros a crianças.
. 1 Outubro às 11h - Teatralização do Livro

. 4 Outubro das 10h às 13h - Atelier de Expressão Dramática
. 4 Outubro das 15h às 18h - Atelier de Expressão Plástica
. 5 Outubro das 10h às 13h - Atelier de Expressão Escrita
. 5 Outubro das 15h às 18h - Concertos Pedagógicos

A escola

Já aqui descrevi o nosso passeio matinal até à escola, e muita gente tem perguntado como está a correr a adaptaçao das meninas a esse ambiente. Talvez seja altura de fazer um primeiro balanço, até porque o balanço é positivo (aliás, geralmente o segredo do bom balanço é o bom timing).
A Matilde teve muita dificuldade, ao começo. Bem vistas as coisas, ela tinha acabado de adaptar-se à creche de Lisboa, e nao estava a perceber a vantagem desta, em que ninguém falava portugues. Enchemos dois A4 com algumas palavras e as expressoes essenciais. A Fiona e a Amy bem que se esforçaram por decorá-las e repetir-lhas, mas tenho ideia que a certa altura já nem a nossa filha as entendia nem elas sabiam o que estavam a dizer.
Felizmente, a Matilde tem estado a apanhar rapidamente o ingles. Julgo que já percebe bastante; conta de um até dez, diz o nome das educadoras, bom dia e boa tarde, por favor e obrigado. Está mais renitente em pedir desculpa, mas isso nem em portugues lhe ouvimos alguma vez. Também já vai experimentando alguma comida da creche, e brincando: canta, dança e lá fora imita rabbits.
À conta destes episódios, e de em certos dias se lembrar de arrumar a sala toda sozinha, de vez em quando a nossa pequena volta para casa muito orgulhosa, de peito feito com um destes autocolantes na lapela.

Com a Sara, as coisas começaram a correr bem logo ao princípio. Mas é preciso ver que ainda nao eram aulas: esteve inscrita num clube de verao, no espaço da escola e junto de alguns futuros colegas, mas apenas com actividades recreativas. Acho que foi bom, para começar a integrar-se sem pressao e a fazer algumas amizades; só que nao havia atribuiçao de distintivos...
O arranque do ano lectivo satisfez-lhe rapidamente esse desejo. Até hoje, trouxe todos os dias um autocolante ao peito. Claro que nao devemos valorizá-lo em demasia: afinal, sao os autocolantes que dao no refeitório aos meninos que comem tudo, e filho de peixe sabe nadar.
Mas, para além desses, já teve vários outros, colados nas folhas dos trabalhos de casa; e recebeu também este Certificado de Excelencia (reconhecendo a sua boa integraçao na escola e os progressos no ingles), que temos pendurado na porta do frigorífico com um íman do nosso herói, o Cristiano Ronaldo.


PS: ontem a Sara vinha radiante, com um autocolante que dizia ¡Estupendo!. A Ana e eu achámos estranho, porque normalmente dizem Well Done, Great Work ou Excellent... Mas afinal a explicaçao é bem simples: embora tenha acabado de chegar, a nossa filha já é a melhor em castelhano (a língua estrangeira obrigatória), e até fica à conversa com o professor depois da aula! Temos cá um orgulho nela...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um post por encomenda

Assustado com os relatos de amigos, multados em países civilizados por errarem um contentor ou uma data, o lixo e a reciclagem foram das minhas primeiras preocupaçoes, à chegada. Muito se espantou o rapaz da agencia imobiliária que nos alugou a casa com esta minha fixaçao, e talvez eu tenha sido o primeiro cliente que inspeccionou mais depressa a sala do que os caixotes.
Será coisa de família? Nao me parece coincidencia que a Rantanplan me tenha sugerido um post sobre este tema, para comemorar o seu regresso ao ciberespaço! Entao, especialmente para ela mas também para todos os outros curiosos, aqui fica uma descriçao do sistema em vigor nestas terras de Sua Majestade.
As recolhas sao selectivas, e com grandes intervalos de tempo: papel uma vez por mes, produtos recicláveis e lixo organico a cada quinze dias, em semanas alternadas. Esta periodicidade obriga a que cada apartamento tenha tres grandes contentores, para onde transferir as coisas com a frequencia que a salubridade do lar exige.
Na foto podem ver como, à conta de tanto contentor, se perde um valioso lugar de estacionamento nas traseiras do prédio.



O verde é para o papel. Mas só o bom: nao querem listas telefónicas, nenhum tipo de cartao, nem sequer envelopes – presumo que por causa do rectangulo de acetato no lugar do destinatário, ou dos restos de cola nas abas.
O cinzento é para os produtos recicláveis. Aqui sim, aceitam as listas, os cartoes e os envelopes, que vao junto com todas as latas e todos os plásticos, excepto garrafas de óleo, embalagens de margarina e copos de iogurte. Tudo o que lá se poe deve estar limpo e seco, ou entao o contentor fica um nojo; é que também nao podem ir sacos de plástico, e o lema é: «bin it, don’t bag it».
O preto é para todo o lixo organico, e também para tudo o que nao podemos por nos outros mas também nao nos apetece propriamente guardar como bibelot. Aqui, ao contrário, tudo deve ir bem acondicionado e toda a gente usa sacos próprios, com atilhos e costuras resistentes.
Há ainda uns castanhos, mas que sao só para as moradias, porque se destinam aos resíduos da jardinagem. E isto completa o panorama, no que respeita aos contentores municipais, que os particulares tem obrigaçao de manter em bom estado, deixar na rua e recolher nos dias marcados.
Agora, os habitués perguntam: «E o vidro?». Também demorei um pouco a descobrir, mas para isso é preciso ir ao vidrao. Pois é, os tres contentores de 240 litros à porta de casa dao uma ajuda, mas nao é suposto substituirem os bons dos Ecopontos! Se isso acontecesse, o que faríamos com os texteis (excepto edredons), os sapatos (desde que emparelhados, em bom estado e com atacadores) e o papel de alumínio? Nao podia ser...
Agora, os experts perguntam: «E as pilhas?». Isso também eu queria saber! Um destes dias dei a volta à terra toda, decidido a desfazer-me responsavelmente de um par delas, que levava no bolso... Mas acabei por deitá-las num cesto de lixo comum, desses que há no meio da rua. Antes disso, contudo, envolvi-as bem num lenço de papel: nao para proteger o meio ambiente, mas para me proteger a mim, das indiscretas camaras de vigilancia que aqui espalharam por toda a parte!

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ainda as sandwiches (outra vez)

Afinal, foi precipitaçao afirmar que aquela era a melhor sandwich do mundo!
Passados alguns dias a almoçar de faca e garfo, a coisa caiu no esquecimento. Mas ontem voltou a faltar a refeiçao da véspera, e eu imediatamente pensei em repetir a sandwich. Só que o fiambre estava acinzentado e o queijo de cabra amarelado; nem foi preciso ler as embalagens para perceber que o tempo do best before já tinha passado.
Mas quantas vezes as grandes descobertas nao sao fruto do acaso, ou de pequenos detalhes imponderáveis, como esse? Hoje, sem qualquer dúvida, posso garantir que afinal a melhor sandwich do mundo é igualzinha à outra, mas com os ingredientes ligeiramente estragados. É mais intenso...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Miúdos



As coisas começaram a correr mal bem cedo.
Na verdade eu ainda estava a dormir, quando a Ana soube que nesse dia nao teria a boleia habitual para o trabalho e entrou pelo quarto a lamuriar-se. Como de costume, respondi-lhe com bocejos e grunhidos, mas ela jura que me ouviu dizer: «Nao te preocupes, amor: vai de carro, que eu levo as meninas a pé para a escola!».
Apesar de terem acordado mais cedo, a Sara e a Matilde estavam muito bem dispostas. E o céu, embora nublado, nao prometia chuva. O pequeno passeio matinal até começava a parecer boa ideia, e descemos animados a escada do prédio. Excepcionalmente, dirigimo-nos para a porta principal (que dá para a rua e nao para o estacionamento) e através do vidro vimos logo dois miúdos com uniformes iguais ao da Sara!
Só cá fora é que percebemos que isso nao era uma extraordinária coincidencia: a nossa rua, normalmente deserta, estava nessa altura pejada de miúdos, todos de uniforme e todos caminhando na direcçao das escolas (sao tres muito próximas, duas primárias e uma secundária).
Seguimos com aquele grupo, ora pela estrada principal, ora por uns atalhos desconhecidos, que ainda nos pouparam alguns metros. De dentro de cada casa, de trás de cada sebe, de cada uma das inúmeras vielas, nao paravam de surgir
miúdos fardados, que vinham engrossar a nossa coluna em marcha.
Talvez por termos chegado em período de férias, eu nunca tinha visto aqui nem um décimo desta miudagem. Uns apareciam de bibicleta, outros de trotineta. Os que vinham a pé procuravam os amigos na multidao e juntavam-se a eles. Abraços, anedotas, risos e cochichos. Uma peregrinaçao muito alegre e salutar.
A única coisa que nao me pareceu bem foi o uniforme das jovens do secundário: camisa branca abotoada, gravatinha e casaco curto, collants e saias a acabar um palmo acima do joelho! Talvez isto sejam devaneios meus, mas achei bastante... desestabilizador.
Aliás, foi precisamente nessa manha que acabei por me perder, quando regressava a casa. Já aqui atribuí as responsabilidades aos urbanistas, aos arquitectos e ao clima. Mas, para ser rigoroso, talvez seja preciso juntar-lhes esse quarto factor.

Notícias do meu país

Ontem à noite, a televisao deu notícias do meu país.
Infelizmente, falou também de uma tal Dinamarca!
Pois é, a Sky nao cala a desgraça...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

The Belly of an Architect

Achei que a minha barriga pesava 4kg.
Cheguei a essa conclusao com a ajuda de uma balança e de um espelho: a primeira dizia-me que eu tinha quatro quilos a mais; o segundo mostrava-me onde é que eles estavam. Sem margem para dúvidas.
Ingenuidade minha, achei que a barriga e o excesso de peso eram uma, e a mesma coisa: acalentei esta ideia de que, se nao tivesse barriga, pesaria oitenta quilos; e que, se pesasse oitenta quilos, nao teria barriga.
Pois bem, após um mes de ginásio e de piscina, sem qualquer tipo de dieta ou coisa parecida, parece que peso oitenta quilos. Digo «parece», porque é o que a balança marca, mas no fundo custa-me acreditar: passo a mao por cima, viro-me de lado em frente ao espelho, e a barriga continua igualzinha ao que era!
Portanto, perdi quatro quilos, mas nao foram os da barriga, e nao sei de onde foi (até tenho receio que seja qualquer coisa que me faça falta). Ainda arranjo para aqui um problema: se continuo a emagrecer desta forma, há-de chegar o dia em que peso quatro quilos e sou só esta barriga.
Está visto, a maior dificuldade nao é perder o peso, mas redestribuí-lo! Deve ser a isso que chamam o body building, e se calhar eu devia inscrever-me... Mas tenho ideia que dói. Acho que prefiro mandar mais uns curriculos e continuar a tentar a minha sorte no building building.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Noitadas

Pois é.
Eu aqui a contar histórias de pardalitos feridos, ou outras canduras semelhantes, e o atelier todo enfiado num antro de perdiçao, a assistir ao striptease até às tantas da madrugada. http://www.youtube.com/watch?v=1hkTt2m4OX4
Está visto quem é que tem alguma coisa para contar!
Algo me diz que vamos ter que repensar esta relaçao...

domingo, 7 de setembro de 2008

Os carteiros

É impossível nao simpatizar com um homem que se faz transportar numa bicicleta. Quem pilota um jacto privado pode ser um esclavagista moderno; quem comanda um barco pode ser um traficante de droga; quem conduz um carro pode ser um arquitecto com ideias; quem guia uma mota pode ser um assaltante de esticao. Mas quem anda de bibicleta é inofensivo, com certeza.
Naturalmente, nao estou a falar dos adolescentes das BMX, que fazem parte de gangs e andam à naifada uns aos outros, nem dos radicais ciclistas de domingo, que durante a semana sao gestores de companhias de seguros.
Falo daqueles que, quotidiana e humildemente, usam a bicicleta como o seu meio de locomoçao, ou mesmo como o seu instrumento de trabalho. No topo da lista, claro, estao os carteiros: primeiro lugar para François em Jour de Fete, segundo para Mario Ruoppolo em Il Postino, terceiro (ex aequo) para todos os funcionários do Royal Mail.



Apesar de se terem atrasado mais de quinze dias na entrega do postal da Catarina para as meninas, a minha admiraçao por eles é total. Ao contrário do carteiro Paulo, estes daqui nao andam em carrinhas engraçadas: andam sempre de bicicleta, e portanto quase sempre à chuva. Aqui no bairro, sao dois:
Há o carteiro, que é um quarentao com um bom aspecto tremendo: cara e corpo enxutos pelo exercício e pelo ar livre, cabelo encaracolado preto com muitos brancos pelo meio. O género de homem que em Milao seria modelo, em Hollywood seria actor e em Portugal seria primeiro-ministro. Aqui é carteiro, e parece feliz com isso: haviam de ver a graça com que sobe para a bicicleta em andamento (exactamente como fazia o meu avo Chambel)!
E há a carteira, uma jovem sardenta e risonha, de cabelo ruivo encaracolado, com uma figura atlética (faz lembrar aquelas bielorussas que ganham medalhas de ouro no lançamento do peso). A bicicleta range, os pneus nunca pareceram tao fininhos, mas a coisa marcha... Um destes dias vimo-la a distribuir correio só com uma mao, parecia trazer o outro braço ao peito. Cumprimentámo-la ao longe, mas ela chamou a Sarinha, para ver: trazia um pardalito ferido ao colo!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Ainda as sandwiches

Entretanto, apesar da caixa de comentários quase vazia (obrigado pmarques), o post da melhor sandwich do mundo provocou várias e variadas reaçoes, que me chegaram por e-mail, telefone, video-conferencia e correio-à-moda-antiga.
Um senhor diz que descobriu e patenteou essa sandwich há décadas, e agora ameaça processar-me. Ora, eu nunca disse que tinha inventado a melhor sandwich do mundo, mas apenas que a tinha feito! Nao pretendo reclamar autoria nenhuma, hoje em dia tudo é reinterpretaçao de qualquer coisa e eu até acredito em coincidencias.
Alguns acharam leviano o título de melhor sandwich do mundo, perguntam como é que se pode afirmar tal coisa. Bom, eu próprio duvidei da minha primeira impressao, porque de facto nesse dia tinha passado tres horas no ginásio e talvez estivesse ligeiramente esfomeado. Para tirar as dúvidas, no dia seguinte voltei a fazer a mesma sandwich; só que que dessa vez evitei esforços físicos toda a manha e almocei normalmente, mesmo antes de a comer. Pode nao ser muito científico, mas foi o que me ocorreu, e a opiniao manteve-se.
Claro que as outras mensagens eram mais simpáticas. De um modo geral, todos gostaram da sandwich, mas a uns poucos parece que mudou o sentido da própria existencia. Os gourmets recomendam pequenas alteraçoes, trocar isto por aquilo, ou acrescentar qualquer coisa, e pedem-me para divulgar as variantes. Bom, aqui nao me parece o sítio próprio, mas (como nao gosto de desapontar ninguém) sugiro que visitem: http://www.capacetegastronomico.blogspot.com/.

Lost

Os arquitectos sabem quem foi Ebenezer Howard, percebem essas piadas à primeira e, assim como assim, já devem ter uma boa ideia de como é Stapeley, este bairro onde viémos morar, que é igual a qualquer bairro residencial na periferia de qualquer centro urbano em Inglaterra. Entao, a pensar sobretudo em todos aqueles que tem a felicidade de nao serem arquitectos, deixo aqui uma vista aérea.



Posto (ou postado?) isto, talvez ninguém fique demasiado chocado ao saber que ontem, praticamente dois meses depois de nos termos instalado, consegui perder-me ao voltar a pé para casa. Nao me perdi durante muito tempo: pura e simplesmente virei à direita quando devia ter virado à esquerda, porque nao me apercebi que já estava na minha própria rua, e caminhei cem metros na direcçao errada, até avistar a estrada que delimita o bairro e perceber que era para voltar para trás.
É especialmente confrangedor esse momento em que, perante o olhar dos outros, hesitamos, estacamos o passo, damos meia volta e começamos a andar no sentido contrário àquele em que tao convictamente avançávamos. Tentei disfarçar, levantando um dedo no ar assim numa pose aristocrática, como se me tivesse de repente lembrado de qualquer coisa, que me obrigava a voltar para trás. De orgulho ferido, lá vim remoendo, tentando escamotear a minha responsabilidade no caso.
Em primeiro lugar, a culpa é dos urbanistas, que perderam as réguas e os esquadros, desenham as ruas todas à mao, ou com «cobras» (alguém ainda se lembra?): começam perpendiculares, mas depois ziguezagueiam, tornam-se paralelas, fazem um oito quase perfeito, curvam para o lado oposto e finalmente acabam num impasse, ou voltam ao ponto de partida... Assim, quem é que se orienta?
Em segundo lugar, a culpa é dos arquitectos (será mesmo mais do que um?), que fazem os edifícios todos iguais: a menos que se vá atento a pormenores, nao se distingue uma casa grande de umas moradias geminadas ou em banda, nem mesmo de um pequeno prédio de apartamentos. As portas em madeira todas iguais, as janelas em PVC branco todas iguais, as paredes revestidas a tijolo todas iguais... Houvesse aqui umas Amoreiras, ninguém se perdia!
Em terceiro lugar, a culpa é obviamente destas nuvens: eu sabia que ia para norte, e tenho a certeza de que, mesmo sem pensar nisso, nunca caminharia contra o sol (é verdade, eu ainda me lembro que ele existe)...
Agora ando a matutar nisto: se eles sabem que o clima é este, por que é que insitem neste urbanismo e nesta arquitectura? Já sei que apreciam esta enorme discriçao, este quase anonimato. Mas como é que se guiam? Desenvolveram todos um olfacto apuradíssimo?

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Sandwiches

Agora que o assunto do carro e do transito parece finalmente dominado, começa a ser altura de enfrentar outro dos maiores receios com que embarquei nesta aventura rumo ao Reino Unido: a transformaçao do almoço em sandwiches.

Nao é uma preocupaçao imediata: ao jantar continuamos a fazer refeiçoes completas, e a Ana conta sempre com uma dose extra, para o meu almoço do dia seguinte. Mas às vezes – sempre que é caril, pelo menos – a medida sai-lhe errada (ou talvez realmente eu coma um poucochinho mais) e nao sobra nada.

Por outro lado, quando for trabalhar, eu pretendo fazer as minhas próprias sandwiches, com produtos a meu gosto (nomeadamente legumes lavados), e nada como começar a praticar em casa, onde há sempre uma pizza de emergencia.

As minhas primeiras tentativas fracassaram: nao consegui encontrar ingredientes essenciais, como bacalhau à zé-do-pipo ou arroz de cabidela, e a sopa de couve lombarda com massinhas nao se aguenta entre as fatias de pao.

Mas houve um dia em que, simplesmente, fiz a melhor sandwich do mundo. Admito que cheguei lá por acaso: enquanto torrava duas fatias de pao de forma integral, grossas o suficiente para ficarem estaladiças à superfície mas moles no interior, pus para fora tudo o que estava no frigorífico. Umas das fatias foi encharcada em boa manteiga gorda e salgada, e generosamente coberta com aquele fiambre suculento, revestido com graos de mostarda e pimenta. Cortei um tomate às rodelas, deixando o sumo ensopar a outra fatia, e polvilhei-a com orégaos.

Ia terminar a coisa com umas fatias de Cheddar, mas um pouco a contragosto, porque estava mesmo a ver que assim nao ia conseguir ligar o tomate ao fiambre. Entao, reparei num queijo de cabra do País de Gales, que andava para lá meio esquecido porque tinha sido comprado por engano, num dia em que queríamos requeijao para uns crepes. Tinha a consistencia de uma argamassa fresca, e apliquei a quantidade normalmente indicada para assentar tijolo ceramico, apertando até refluir a toda a volta.

E pronto, é isto a melhor sandwich do mundo. Se deixo aqui tantos pormenores, nao é porque deseje fazer inveja a ninguém, mas para que possam comprovar voces mesmos. Nao se deixem assustar com o ar sofisticado dos ingredientes, tenho a certeza de que na mercearia do sr. Manel, mesmo ao lado do atelier, arranjam tudo, igual ou melhor.

Se tiveram algum chutney por perto, podem sempre ir barrando o topo da sandwich que estao prestes a trincar. Para acompanhar, qualquer cerveja bem fresca serve (estou mesmo convencido que até uma Lager fraquinha, daquelas com que os arquitectos desempregados enchem o frigorífico, vai muito bem...). Saúde!

PS: este é mesmo o tipo de post que nao devia aparecer sem uma imagem. Peço desculpa pela falta, mas a nossa máquina fotográfica tem uma velocidade de obturaçao demasiado baixa para registar o fenómeno.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Carros IV (a rotunda)



Quando vi um destes sinais pela primeira vez diante de mim, quis parar imediatamente o carro e desistir. Juro que só nao o fiz porque nao sabia de que lado estava a berma.
Mentalmente, eu tinha elencado as principais situaçoes da conduçao, e sabia como reagir: estava muito atento às faixas para nao circular em contra-mao, aos cruzamentos para dar prioridade a toda a gente, aos semáforos e às passadeiras para nao atropelar as crianças, aos limites de velocidade para nao me tirarem o retrato ao volante de um Toyota....
Mas, nao sei como, esqueci-me da rotunda... Agora ela estava mesmo à minha frente e eu já nao podia voltar para trás. Entrei a medo, quase parado mas em terceira. O carro avançou aos solavancos, suplicando ao lado esquerdo do meu corpo que fizesse alguma coisa. O pé ainda obedeceu, mas a mao nao largou o volante, porque a direita estava a gritar por ajuda. Com a embraiagem no fundo e o carro a deslocar-se apenas por inércia, foi mais fácil acertar com a curvatura da faixa... E, logo que a frente ficou apontada para uma saída, meti a primeira e acelerei a fundo! Escapámos.
Quando recuperei a calma (ainda no mesmo dia, mas mais para a noite), reflecti sobre o que se tinha passado. Quase por milagre, dessa vez tudo tinha corrido bem; mas nada me garantia que da próxima nao houvesse um segundo carro, a circular na rotunda ao mesmo tempo que eu...
Claro que, aos poucos, a confiança foi retornando. Afinal, embora nao seja nenhum Fangio, a verdade é que tenho carta há quinze anos e nunca tive um acidente. E quem já fez o Marques tantas vezes, nao se deixa intimidar por umas rotundazinhas de província.
A dada altura, até me pareceu que o meu estilo descontraído de conduzir e a desenvoltura das minhas trajectórias já impressionavam os outros automobilistas, porque reparei que alguns olhavam para mim boquiabertos. Andei nisto uns tempos, até que, um destes dias, um deles nao só abriu a boca como levou as maos à cabeça. Fiquei a controlá-lo pelo retrovisor e pareceu-me estar a dizer qualquer coisa, que o meu fraco ingles ainda nao foi capaz de reconhecer, pela leitura dos lábios.
Fui ver à net. Afinal parece que a coisa tem regras, e muito claras, por sinal. Agora já faço tudo direitinho, realmente assim parece mais seguro e ninguém se zanga comigo. Mas quando regressar a Portugal tenho que voltar a treinar a minha capacidade de antecipaçao, ou entao estou tramado.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Gulliver’s World



Nao só o fim-de-semana foi grande, como esteve bom tempo. A sincronia entre os dois fenómenos foi tao perfeita (hoje já está novamente a ameaçar chuva), que nao pode ter sido mera coincidencia: estes ingleses sao, de facto, muito mais organizados e eficientes do que nós, sobretudo assim ao nível dos serviços do Estado!
Aqui à volta, do nosso bairro, desapareceu toda a gente. Uns amigos foram a Londres. Já nós, que ainda mal chegámos, precisamos é de sossego e de criar rotinas. Aproveitámos bem os quatro dias, mas um de cada vez, misturando convenientemente as obrigaçoes com as distracçoes e vindo sempre dormir a casa.
Só que, há pouco tempo, as meninas descobriram que aqui nao há praia! A Ana e eu começámos a achar que precisávamos de argumentos de peso, para o dia – inevitável – em que elas farao o seu balanço das vantagens e desvantagens da mudança... E decidimos levá-las a passar um dia inteiro no Gulliver’s World.
É um parque temático perto daqui, a meio caminho entre Manchester e Liverpool. O recinto é bastante grande e cheio de diversoes, mas apesar de tudo suportável, graças à generosa quota de espaços verdes que por cá é habitual. Como já tem perto de vinte anos, nao há hologramas de princesas nem muitos efeitos especiais; é a montanha russa, a roda gigante, o twister, os carroseis... tudo aquilo de que nos lembramos, excepto os póneis e o café dos pretos.
Uma coisa boa é nao haver limites de altura nem de peso para nenhuma das diversoes. Nao só porque estes tipos sao de facto enormes e bastante gordos, mas sobretudo porque assim os pais podem acompanhar os filhos para todo o lado! Isso foi bastante importante para a Matilde, que se divertiu imenso. Ela e a Sara andaram em tudo o que quiseram (paga-se um valor fixo à entrada, e depois as voltas sao livres), passaram um dia absolutamente memorável e saíram de lá perfeitamente radiantes!
Nao notaram o alastrar da ferrugem nas estruturas nem a tinta dos bonecos a descascar. Nao se importaram que os empregados fossem sexagenários corcundas e desdentados, enfiados em uniformes tristíssimos (estarao lá todos desde 1989?). E nao viram - como eu vi – um desses velhotes, que limpava as mesas do food court, baixar-se para apanhar duas batatas fritas do chao e lançar um olhar envergonhado à sua volta, antes de as meter na boca.
PS: Espero que perdoem esta última nota um bocadinho sórdida! Eu sei que o blog é mais para notas engraçadas, mas às vezes elas chegam assim aos pares, e nao consigo separá-las.

Fim-de-semana-grande



Uma das coisas que tem feito muita diferença na vida desta família, aqui em Inglaterra, é o novo regime de trabalho da Ana.
Em primeiro lugar, porque o serviço é perto de casa e começa a uma hora decente. O seu dia ganhou duas horas: uma delas dedicada ao sono, a outra consagrada à família (na verdade, vieram ambas em proveito da família, agora muito menos sovada do que era antes).
Em segundo lugar, porque lá no serviço almoçam em meia-hora e trabalham mais trinta minutos de segunda a quinta, ficando depois com as tardes de sexta livres (uma da vantagens de ser engenheiro é esta facilidade que se ganha com os números, mesmo em sistemas sexagesimais).
Portanto, o apito ( http://br.youtube.com/watch?v=3bp0VaZKByA&feature=related ) de saída é ao meio-dia de sexta-feira. Ao contrário do que possa parecer, ainda o dia nao vai a meio, e é mais do que certo que no final já nem nos lembraremos dessas poucas horas matinais... Na prática, todas as semanas ficam com quatro dias e todos os fins-de-semana com tres.
Mas aqui, de vez em quando, também há um fim-de-semana grande: é quando na segunda-feira seguinte temos Bank Holiday, como aconteceu ontem. Se dúvidas ainda houvesse, os Bank Holidays seriam a demonstraçao definitiva da superioridade civilizacional do Reino Unido em relaçao ao resto do mundo (todo).
Aqui, nao há cá feriados! Nao há cá dias mágicos para celebrar ou para recordar: nem o da raça nem o dos cravos; nem o da implantaçao nem o da restauraçao; nem o do santo nem o da santinha nem o do santíssimo (Deus me perdoe!)...
Aqui, há uns poucos dias por ano que se destinam ao descanso do povo - começou por ser só dos bancos, mas entretanto a coisa democratizou-se. Para melhor cumprirem essa funçao, acertam-se em funçao do calendário, ficando sempre adjacentes aos fins-de-semana: Good Friday (6ª feira Santa), Easter Monday (2ª feira de Páscoa), Early May (primeira 2ª feira de Maio), Spring Bank Holiday (última 2ª feira de Maio), Summer Bank Holiday (última 2ª feira de Agosto).
Só na quadra natalícia é que as datas sao fixas: Christmas Day (25 Dez), Boxing Day (26 Dez) e New Year’s Day (1 Jan). Mas, se algum destes dias calhar no fim-de-semana, o Bank Holiday passa para o primeiro dia útil seguinte: em 2010, por exemplo, todo o mundo vai lamentar que o Natal calhe a um sábado... Já no Reino Unido, isso significa que vai haver folga na segunda e na terça seguintes!
Eu nao sei se nessa altura ainda estaremos por aqui. Mas, no que depender de nós, estaremos de certeza a tentar cumprir este horário e este calendário.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Palavras - Words

Vou tentar nao complicar, porque de linguística e semiótica nao percebo nada; já nao me lembro das diferenças entre o signo, o significante e o significado, nem sei bem o que diziam o Saussure e a Kristeva.
Sei que, ao falar e sobretudo ao escrever, estou cada vez mais paranóico com a escolha certa das palavras exactas. Para mim, é cada vez mais óbvio que o raciocínio e a linguagem se espelham, fiel e reciprocamente. Às vezes até me zango com as pessoas por causa disso, mas tenho a consciencia que isso é levar a coisa longe demais.
Adiante. Esta introduçao era só para realçar o valor que atribuo às palavras, e fazer um trocadilho aforístico (que com certeza até já alguém fez antes de mim): uma palavra vale mil palavras!
Agora a história. Alguns de voces conhecerao, da missa, esta réplica que sempre me fascinou:
celebrante: O Senhor esteja convosco!
assembleia: Ele está no meio de nós!
É muito bonito e tem alguma subtileza. Desde a variaçao no tempo do verbo, que primeiro exprime um desejo e depois uma convicçao, à própria encenaçao da relaçao entre os sujeitos, cujo grau de sapiencia parece por momentos invertido, sendo certo que o 'nós' inclui o celebrante. E, sobretudo, porque parece mesmo uma resposta ao estilo de Jesus, daquelas que reenquadram a questao e iluminam todo o contexto... Mas agora reparem na versao em ingles:
celebrante: The Lord be with you!
assembleia: And also with you!
Nao creio que seja dificuldade de interpretaçao da minha parte, é mesmo a resposta mais cretina que se pode dar ao senhor padre. Só falta acrescentar «E nao se fala mais nisso!», dar-lhe uma palmada nas costas e convidá-lo para vir beber uma cerveja no pub a seguir à missa.

Morrisons




Aqui nao há o hipermercado para fazer as compras mensais on-line, nem a mercearia da esquina para as compras urgentes de cada dia. Aqui há o Morrisons, um supermercado grande (tipo Pao de Açucar) que religiosamente visitamos em família, pelo menos uma vez por semana.
Sobretudo por causa da alimentaçao. Nesse capítulo, estamos todos ainda em fase de adaptaçao. É uma verdadeira luta pela sobrevivencia, que cada um tem que travar por si.
A Sara desliza pelos corredores nos seus tenis com rodinhas, certificando-se de que o carrinho está a ser devidamente abastecido de pizzas e lasagnas. Descobriu que os seus cereais preferidos também se vendem aqui, o que foi um grande alívio (sobretudo para quem lhe prepara o pequeno-almoço).
A Matilde continua com aquele andar meio desengonçado, parece que vai dar cabeçadas nas prateleiras todas. Só pede porcarias, claro: batatas fritas, bolachas e chocolates. Até aprendeu a gostar de papas de aveia e de filetes de bacalhau, mas ali esquece-se deles (e com a sopa nao se preocupa, quem quiser a little-girl-pumpkin que a procure).
Eu encarreguei-me de comprar as bebidas alcoolicas para toda a família. Corro meticulosamente a estante dos vinhos, onde todos os tintos, e brancos, custam mais de £5. Quando concluo que nao há nenhuma garrafa erradamente etiquetada, ali à volta de £3, dedico-me a escolher cervejas e cidras. Whisky só quando houver emprego.
Para nossa sorte, a Ana trata de tudo o que faz realmente falta, como já acontecia em Lisboa. Queixa-se que aqui nao se encontra imensa coisa, mas quanto a mim (tirando um dia em que comprou arenques frescos) está a sair-se lindamente.
Especialmente agora, que descobriu uma secçao chamada “Go Indian” onde, para além de arroz basmati, biryani, nans e pappadums, há chutneys de manga e de lima, e uma série infindável de molhos pré-feitos, desde os korma aos rogan josh, passando pelo tikka masala e pelo vindallo.
Foi preciso virmos para Inglaterra para assumirmos definitivamente as nossas raízes. Quando o cheiro invade a casa, as meninas parecem-me ter a pele mais escura e os olhos negros amendoados. Na testa da Ana começo a vislumbrar um pontinho vermelho; se continuar assim, vai receber um sari roxo com lantejoulas pelo Natal.