terça-feira, 9 de dezembro de 2008

The Backs of an Architect

E pronto. Bastaram quinze dias de atelier e umas noites mal dormidas na semana passada (coisas lá do trabalho, querida) para eu ficar novamente entrevado.
A maior parte de voces já me viu assim, com o tronco e o pescoço imobilizados numa posiçao ridícula, dobrado para a frente mas torcido no sentido anti-horário, a perna esquerda presa pelo nervo ciático comprimido, um esgar de dor de cada vez que preciso de mexer qualquer parte de mim, à excepçao dos olhos. O meu estado é tao mau que talvez nao fizesse melhor do que o Quim, quando o brasileiro rematou de bicicleta a mais de vinte metros, no último minuto do jogo.

Sabendo disto, ninguém ficará melindrado ao ler que, de todos os que deixei em Portugal, é de um famoso osteopata do Chiado que tenho mais saudades. As maos... A calma... A música e a luz, que logo de manha entra pelas janelas pombalinas, voltadas para o rio... Umas sessoes excelentes, e perfeitamente hetero!
Afinal, ao contrário do que alguém nos disse, aqui em Inglaterra as medicinas alternativas nao fazem parte do serviço nacional de saúde. E, como devem imaginar, o meu primeiro (meio) salário também nao dá para grandes luxos. De modo que me vi reduzido aos medicamentos que trazia de Lisboa, às técnicas de relaxe aí aprendidas e ao apoio da família.

Há um creme, Reumo-nao-sei-que. O melhor que se pode dizer dele é que nao faz alergia à pele. E há o Voltaren, mas só me faz efeito se for injectado, e numa dose cavalar; aqui, tenho-o em comprimidos: umas coisinhas perniciosas que parecem nao fazer nada, mas ao fim de cinco dias começam a furar-nos o estomago. O Rui F. até diz que conhece alguém que morreu disso; ou que, se nao morreu, ia morrendo. Parece-me exagero, e vindo dele nao é de estranhar (quando nao sao estas histórias, sao treliças e consolas), mas, pelo sim pelo nao, tomo poucos.

As técnicas de relaxe, está-se mesmo a ver, sao um eufemismo. Parece que me faz bem ficar deitado de costas no chao, com as pernas apoiadas no sofá, fazendo 90º concavos na bacia e 90º convexos nos joelhos, braços ao longo do corpo. Nao é bonito de se ver; nem fácil de fazer. É preciso esperar pela noite, para evitar que a Matilde faça de mim o seu cavalinho. A essas horas, demora o dobro e custa o triplo andar de gatas na sala, a apanhar do chao os puzzles didáticos que as minhas dotadíssimas filhas ainda nao aprenderam a arrumar, e a catar da alcatifa os minúsculos acessórios (irritantemente diáfanos) da Barbie sevilhana ou da Barbie ginasta.
Quando, por fim, me coloco em posiçao, estou tao cansado que adormeço; e o exercício, que devia durar 20 minutos, prolonga-se por umas horas. Claro que nao vale de nada, porque entretanto os joelhos se afastaram, os angulos rectos passaram a obtusos, ou o corpo inteiro rodou para o lado, descaiu e eu passei para a famosa posiçao fetal (numa variante muito minha, em que a mae do feto está, por sua vez, entalada numa carruagem de metro em Covent Garden).

Resta-me a família. As meninas parecem preocupadas, e trepam para as minhas costas para demonstrar o seu carinho. A minha cara-metade porta-se um bocadinho melhor, mas nao muito. Tentei explicar-lhe como é que (acho que) sao as massagens, mas alegou logo que tinha pouco tempo e, como nao viu resultados imediatos, desistiu. Mais por curiosidade pessoal do que para meu benefício, ainda experimentou em mim uma espécie de acupunctura caseira que tinha visto no youtube, mas ambos concluímos (eu, mais depressa) que os garfos da senhoria nao eram os instrumentos adequados.
Em jeito de compensaçao, comprou-me uma daquelas botijas de borracha, para encher de água quente e aplicar sobre a zona martirizada. Muito gira, por sinal, com uma fronha felpuda, que serve de protecçao e nao está sempre a escorregar, ao contrário do que acontece a uma toalha de rosto enrolada. De maneira que, na madrugada seguinte, depois do exercício, lá fui cambaleando aquecer água na chaleira e encher a botija, morto por me enfiar finalmente na cama. (Estas coisas, como deve ser, nunca sao preparadas pelo próprio, mas nisso já nem insisto...) Seja como for, melhorei!

Melhorei, mas nao vou continuar a melhorar, porque fui logo proibido de voltar a levar a botija para o quarto. O meu amor, imaginem só, comprou-a nos 300 e agora diz que nao lhe suporta o cheiro rasca. Sem rir, garante que nao conseguiu mais pregar o olho, a partir do momento em que eu meti aquilo debaixo dos lençois e a nossa cama ficou transformada numa autentica loja chinesa: pura e simplesmente insuportável!
Bom, mas a minha intençao nao era fazer terapia conjugal na internet. Só falo disto para que nao se admire quem entretanto receber por aí um convite para um casamento na igreja de Saint Anne, Nantwich. Acho que vou obrigá-la a jurar que é na saúde e a doença.

9 comentários:

Anónimo disse...

já estava na altura, é o que tenho a dizer ;)

Anónimo disse...

Estou com o pmarques, quero lá saber da causa... De qualquer forma, botijas de água quente são do melhor para essses achaques, e funcionam lindamente no sofá, capacete!

Anónimo disse...

Vocês ainda vão ser expulsas do Blog por impertinência!

Anónimo disse...

está visto capacete, não pode ser neste registo... experimenta qualquer coisa verdadeiramente romântica, vá! nós não dizemos a ninguém ;)

capacete disse...

milhares de palavras, dezenas de piadas e trocadilhos, quase todos inteligentes e espirituosos... e para que?
se no fim, por azar, se fala em casamento, as gajas nao conseguem pensar noutra coisa!
as casadas aconselham-me a avançar; a (suposta) interessada assobia para o lado; e onde estao as solteiras, que deviam chorar e ranger dentes, pedindo-me que reconsidere?

Anónimo disse...

Se não se pode falar de casamentos, tenho uma palavra para ti: Koboiashi. Marco?

Anónimo disse...

isso foi da doença ou é só para legitimizar as massagens...

Anónimo disse...

Hoje reli este post, e realmente fazer comentários tipo casamentos de Santo António em Nantwich não faz jus ao autor....A descrição penosa da vida doméstica de um achacado das cruzes quando se cruza com a diáfana Barbie, está muito, muito bem!
Como este não tem parte 2, depreendo que afinal a cara-metade tinha razão, e não se justificava tanta lamúria, hein?

capacete disse...

:)
é verdade, estou melhorzinho, obrigado.