quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

da medicina privada - I

Bem ou mal, desde que estamos por aqui, começámos a olhar para todas essas consultas com médicos privados de várias especialidades, que em Portugal nunca nem por um instante pensámos em dispensar, como o mais completo desperdício de tempo e de dinheiro.
Durante esta gravidez, a Ana fez metade dos exames (provavelmente em metade do tempo) e foi observada metade das vezes do que teria acontecido aí. Além disso, em muitas dessas ocasioes nem sequer foi vista por médicos: as parteiras fazem mais de metade do trabalho.
Já o Miguel está agora quase com quatro meses e, salvo erro, a última vez que viu um pediatra foi ainda no hospital, no dia a seguir a ter nascido. Nas primeiras semanas, vinha cá a casa uma enfermeira fazer um acompanhamento; mas era fundamentalmente beber chá e conversar com a mae... da última vez até se esqueceu de trazer a balança, o que nao as impediu de concluir que o bebé estava óptimo.
Claro que a experiencia acumulada com as crianças anteriores também ajuda. Sobretudo a Ana, que tem melhor memória e passa mais tempo com o bebé, parece ter a situaçao completamente controlada. Eu às vezes ainda tenho algumas dúvidas e hesitaçoes. Hoje, por exemplo, estive que tempos a ouvi-lo chorar. Tinha-me dado imenso jeito poder telefonar ao doutor Carlos Moniz, porque já nao me lembro a partir de que idade é que se pode atirá-los à parede.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A ferro e fogo

Agora que os italianos atearam fogo à Piazza del Popolo e que com certeza nao falta muito para os gregos deitarem abaixo o Partenon, talvez já poucos se lembrem das imagens dos violentos protestos estudantis em Londres. Nao me refiro à suposta agressao de uma duquesa dentro de uma limusina, nem sequer ao alegado desrespeito do filho do Pink Floyd pelo Cenotáfio. O que me chocou mais foi o protesto anterior, em que uma multidao de energúmenos escavacou o hall de entrada de um edifício inocente.
Custa-me muito ver edifícios assim tratados. Mais ou menos modernos, de melhor ou pior traço, nao importa; nos dias que correm, só por estarem quietos e calados, os edifícios mereciam outro respeito. E depois estes ataques sao especialmente cobardes porque, embora pareçam espontaneos e até descontrolados, na verdade sao dirigidos de forma cirúrgica aos pontos fracos do edício. Estes valentes encapuzados arrancam o tecto falso, queimam o balcao e partem os vidros. Por alguma razao, nao se atiram ao cabo de alta-tensao nem se metem com os pilares de betao que suportam a laje acima das suas cabeças.      

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem nao tem cao

Agora que está difícil encontrar açúcar nas prateleiras do hipermercado, talvez seja altura de alargar horizontes e, talvez, olhar com mais atençao para a secçao dos salgados.
Digo isto sem saber se encontrarao; eu enquanto aí estava nunca encontrei, mas a verdade é que também nao procurei; e no entanto em qualquer lado se deve vender, porque me lembro perfeitamente deste sabor quando éramos pequenos e surripiávamos os aperitivos dos adultos nas festas em casa do Álvaro e da Candida; a nao ser que eles ou os amigos os contrabandeassem; mas se nao houver no hipermercado provavelmente encontra-se nalgum canto do Martim Moniz; agora, se lá forem, levem os Bilhetes de Identidade, nao vá ser dia de rusga e voces terem dificuldades em explicarem-se, com o picante a chegar aos ouvidos, os olhos a lacrimejar e a boca cheia de Bombay Mix.


Fora de brincadeiras e sem exageros, isto é o melhor aperitivo do mundo. Por acaso este ano já fechámos e expedimos as encomendas; mas no próximo Natal já sabem o que vos espera.   

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Much ado about nothing

Aqui, desde que recusaram a candidatura inglesa para organizar o Mundial de 2018, a FIFA e o Joseph Blatter foran eleitos inimigos públicos. Nao sei se por aí o ressentimento é semelhante... Aqui estao especialmente eriçados porque parece que o príncipe se humilhou ao ponto de servir chá nao sei a quem, e mesmo assim nao os quiseram.
Primeiro disseram que a Rússia tinha comprado os votos.
Agora lembraram-se de questionar a decisao da FIFA de atribuir a organizaçao do mundial de 2022 ao Qatar, porque diz que lá a homossexualidade é crime. Aparentemente, o Blatter aconselhou os adeptos homossexuais a refrearem os seus impulsos quando visitassem o país.
Gerou-se aqui um rebuliço que nao imaginam. Eu nao sei por que. Na minha opiniao, os homossexuais deviam refrear os seus impulsos em qualquer lado. Aliás, na verdade, nao é só os homossexuais: o que eu realmente acho é que toda a gente devia refrear os seus impulsos em qualquer lado.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Miguel

Dez anos depois da Sara e cinco anos depois da Matilde, a Ana e eu desencaixotámos o ábaco chines onde quase sempre erramos as contas do planeamento familiar e concluimos que tinha chegado a altura de termos mais uma. Nao sabíamos se era a melhor altura; sabíamos apenas que era a altura do é-agora-ou-nunca: afinal, estamos quase nos quarenta e queríamos ainda viver uns anitos sem fraldas, entre as delas e as nossas.
Dizem que à terceira é de vez, mas ainda nao foi desta que tudo correu como planeado. Primeiro porque vimos escoar-se Agosto inteiro, dia após dia, sem que sua excelencia desse sinais de querer vir cá para fora. Chamem-nos avarentos, mas tínhamos feito uns cálculos para que nascesse antes de Setembro: é que os nascidos a partir de dia 1 já esperam mais um ano para entrar na escola primária, e aqui nao há cá creches de IPSS que nos valham. Segundo porque, com aquilo entre as pernas, estava mais que visto que nao íamos poder chamar-lhe Maria, nem vestir-lhe nenhuma das roupas que tínhamos guardado durante vários anos ou angariado à última da hora.
Afinal, o feijao era um menino e tinha decidido ser o mais velho da turma!
Tres meses passados, é por demais evidente que o rapaz está cheio de ideias próprias, e bem fixas. Sobretudo quanto à mae, em particular quanto às maminhas. Ok, ninguém vai discutir isso: aqui em casa já todos passaram por essa fase. As maninhas também parecem exercer sobre ele grande fascínio: saúda ambas com enormes sorrisos, segue-lhes a voz aguda e os cabelos compridos com toda a atençao. Infelizmente, esse encanto nao parece estender-se ao senhor que lhe aparece em casa, calado e cansado, quando já é hora de ir para a cama.
Fita-me sempre com o mesmo ar sério, durante quanto tempo for preciso; nao chora, mas também nao ri: deixa-se estar calado, a observar-me. Juro que isto, com a banda sonora certa, era de arrepiar. O que pensa? Que planos tem para nós? Será que ainda vamos jogar à bola, partilhar os livros, ouvir Keith Jarret e embasbacar os dois na Tate em frente ao Rothko? Ou será que, na primeira oportunidade, vai sufocar-me com uma almofada para ficar com as meninas (e com o whisky de malte, que já percebeu que está escondido atrás do blended) só para si? Nao sei. Ele, provavelmente, já decidiu; mas nao tem pressa de me dizer.
O Miguel? O Miguel é uma incógnita da Natureza.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Near miss

Há dois anos atrás, quando aceitei a proposta para o meu actual emprego, recusei o convite destes.

sábado, 27 de novembro de 2010

Loucura

Nao é que a Ana e eu estivéssemos a atravessar nenhuma crise. Mas claro que uma relaçao a partir de certa altura beneficia muito com uns pequenos estímulos deste género. Nao imaginam o desvario que vai nesta casa, desde que descobrimos isto na internet. Se nao tem crianças por perto nem nenhum colega indiscreto a espreitar por cima do ombro, carreguem neste link.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Matilde

A 25 de Abril de 2005, quando a Ana e eu corremos para a Maternidade, acho que pensei que seria apenas mais um episódio, a juntar a todos os outros que aquelas 25 semanas de gravidez já nos tinham proporcionado: translucencias desmedidas da nuca, amniocentesis feitas a dois tempos, estenoses nanométricas de vasos sanguíneos detectadas em incríveis ecocardiografias... Quando, no dia seguinte, a recepcionista me disse que os médicos se tinham visto obrigados a precipitar o parto, na minha completa ignorancia, enchi-me de alegria.
Claro que, na incubadora, achei a Matilde pequenota e magrita, mas nem por um segundo desmoralizei. Ao chegar ao pé da Ana, levava o meu sorriso de "tudo está bem quando acaba bem" e bem parvo lhe devo ter parecido. Ela tinha uma ideia muito diferente, e obviamente muito mais acertada, do que significava aquele nascimento prematuro. Eu só percebi a dimensao do problema quando pedi para falar com o médico de serviço, porque queria informá-lo da estenose previamente diagnosticada, e ele me disse: «Neste momento, essa é a menor das nossas preocupaçoes!».
Note-se que, até há dois dias atrás, essa era a maior das minhas preocupaçoes. Mas eu tinha lá alguma vez pensado que os bebés assim, nascidos e mantidos dentro de um hospital, podiam alguma vez nao sobreviver!? Os dias seguintes foram passados quase sem dormir, de olhos fixos num monitor com tres valores, que oscilavam ligeiramente e de vez em quando vinham apitando por aí a baixo de uma maneira que parecia irrecuperável. Terá sido só ao fim de duas ou tres semanas que as coisas nos pareceram suficientemente estáveis para acreditarmos num milagre: a Matilde ia viver.
Depois começou outra luta: porque, afinal de contas, muitos dos grandes prematuros sobrevivem, mas frequentemente com sequelas dos tratamentos a que foram sujeitos. A lista dos orgaos que nesta fase ainda nao estao completamente desenvolvidos e cujo desempenho pode vir a ser comprometido nao deixa nada de fora: cérebro, ouvidos, olhos, pulmoes, fígado, rins, sistema nervoso... devo estar a esquecer-me de qualquer coisa. De cada vez que a enfermeira tinha que subir a concentraçao de oxigénio no ventilador, ela estava provavelmente a salvar a nossa filha, mas também a aumentar o risco de a incapacitar de alguma forma para o resto da vida. E, no entanto, mais uma vez a Matilde voltou a passar por entre a chuva sem se molhar, e isso talvez tenha sido um milagre ainda maior do que o primeiro.
Quando essas hipóteses mais sombrias foram afastadas, a pediatra explicou-nos que agora a Matilde havia de começar a recuperar o tempo perdido e, aos poucos, aproximar-se dos patamares de desenvolvimento das crianças nascidas de termo. Uma coisa para ir acompanhando de forma tranquila, acrescentou em resposta ao nosso ar inquisitivo, já que é completamente imprevisível e demora sempre alguns anos!
Mas tranquila é que a coisa nao é. O nosso coraçao palpita de emoçao e deslumbramento, de cada vez que a nossa minúscula filhota aprende ou faz qualquer coisa nova. Que ela, tal como todas as meninas, consiga ler, fazer contas, decorar cancoes, executar coreografias, saltar à corda a pés juntos para trás, andar de bicicleta sem rodinhas ou simplesmente dar estalinhos com os dedos é, para nós, ainda hoje, a continuaçao daquele milagre de há cinco anos.
A Matilde? A Matilde é um milagre da Natureza.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Sara

Nós aqui, sem as novelas da TVI, às vezes damos por nós a conversar ao jantar. Um destes dias, enquanto púnhamos a mesa, entre a cozinha e a sala, fui explicando à Sara que lhe ia propor um enigma. Isto com miúdas resulta sempre e, embora apenas conseguisse ouvir parte da conversa, a Ana também ficou logo em pulgas: «Um enigma?»
«É um enigma matemático!», disse eu. Esperava da minha filha uma reacçao semelhante à que eu tive, quando há muitos anos pedi um joguinho electrónico ao Pai Natal e ele, em vez de naves e tiros ou, pelo menos, labirintos e maças, me trouxe um em que tínhamos que fazer contas de cabeça para dar as respostas certas, e quantas mais acertávamos mais perguntas ele nos fazia, e também cada vez mais rápido, até que ou começávamos a falhar ou a deixá-las por responder e acabávamos por morrer esmagados num canto do ecran. Mas ela nao pareceu incomodada com o tema, e eu continuei: «O papá vai dizer uma sequencia de números, e tu...»
«Ah, e eu tenho que continuar, nao é? Boa, adoro isso! Lá na escola às vezes fazemos isso.». «Ok, filha! Mas esta é capaz de ser mais difícil, está bem?». Senti-me um pouco cruel, porque o enigma que estava prestes a propor-lhe era a sequencia de Fibonacci. Francamente, nao é coisa em que pense todos os dias; mas, nessa manha, eu próprio tinha ficado especado a olhar para ela num passatempo de jornal e acabado por recorrer às soluçoes. Antevia, portanto, um serao longo e animado.
Geri um bocadinho a expectativa, até que estivéssemos todos sentados à mesa, e depois enunciei: «1...1...2...3...5...8...». Começou um burburinho, sucederam-se as perguntas, instalou-se a confusao. «Repete lá, repete lá, que eu nao estava a ouvir.». «É só um, ou é um e depois um outra vez?». «Ah, já sei: sao os números primos!». «Nao sao nada! Entao desde quando é que o oito é um número primo?». «E se fossem os números primos por que é que eu dizia duas vezes o um?». «O pai disse oito? Nao ouvi o oito!». «Disseste oito, nao disseste?». «Disse: 3...5...8...». «Entao e os uns?». «Desculpa, estava a dizer só a parte final!». «Entao diz lá outra vez, do princípio!». Disse. Depois fez-se silencio.
Bebi um golinho de vinho e fiquei a saborear o momento. A Ana absorta de olhos no tecto. A Sara a remoer de olhos no prato. A Matilde intrigada a pensar quem seriam os primos dos números. Comecei a comer devagar. Pouco depois, a Sara estava outra vez a pedir-me para repetir. «Sabes,» disse eu, soerguendo-me já meio arrependido, «assim é capaz de ser muito difícil. É melhor o papá escrever num papel, porque visualizando...»
«Já percebi!», interrompeu-me a minha filha. «Somas os dois últimos para descobrir o seguinte, nao é?» A Ana pareceu acordar de repente: «O que é que ela disse?» E eu: «É... A Sara adivinhou!» Só para ter a certeza, ainda lhe perguntei afinal qual era o próximo número. «É treze: 3...5...8...13! É, nao é?». «É.»
Enquanto a Ana fazia contas e eu me recompunha do choque, a Sara quis saber: «Oh pai, podes perguntar outro? Tens mais enigmas?». «Posso... Espera lá um bocadinho enquanto eu penso noutro...». E ela, logo de seguida: «Oh pai...». «Espera um bocadinho, filha...». «Nao é isso, pai! Nao há mais esparquete, pai?»
A Sara? A Sara é uma força da Natureza.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O filho da Rose

Se há estatística em que o Reino Unido lidera destacado na Europa, é no número de adolescentes abençoadas com a graça da maternidade. Mas uma coisa é o Reino Unido, outra coisa é a escola das minhas filhas... Algo está muito errado, quando isso acontece numa escola Primária Católica!
Quando a Rose anunciou que ia ter um bebé, toda a gente achou que era a mae que estava grávida: que ela ia ter um maninho. Ninguém terá olhado por mais do que um segundo para a barriguita que se escondia dentro do uniforme, ou se olharam nao acharam possível.
Pois é. Mas, para espanto geral, na semana passada a Rose entrou na escola com o filho nos braços. Felizmente é de borracha: afinal, a Rose só tem cinco anos e anda na turma da Matilde. Nada, claro, que a impeça de saber o que é melhor para o seu menino: para começar, chamou-lhe Miguel!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Magnificos dias assim

Sextas-feiras sao sempre menos más.
Mas quando já se esvaziou a gaveta na véspera e se vai só de manha, para dar um beijinho aos colegas antes de rumar a um restaurante com esplanada junto ao rio, sao de certeza magníficas.
Da minha parte, só uma preocupaçao: está tudo ok com a internet lá por casa?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Língua Materna


Mae: Oh Matilde, tu sabes qual é o contrário de apertar?
Matilde: Nao...
Mae: Nao sabes? Entao e o contrário de abrir? Esse sabes, nao sabes?
Matilde: Nao...
(Todos ao mesmo tempo)
Mae: Nao sabes? Como é que nao sabes? Cá para mim...
Matilde: Oh Mae, eu nem sei o que é que é o contrário!
Pai: Oh Matilde, o contrário é o opposite!
(Silencio)
Matilde: Aah! É o opposite!?
Mae: Sim, é o opposite. Entao vá, diz-me lá qual é o contrário de abrir!
Matilde: To shut.

domingo, 7 de novembro de 2010

Novo capacete





A celebrar os 38 em versao ecológica.

Hoje fiz anos

Nao fiz posts

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Eu antes pensava

que nao ter tempo para se coçar era só uma força de expressao.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Este post é tao estúpido, tao estúpido, até parece que eu nao sei que há uma crise do caraças por causa do OE


Having had so little experience of staying in hotels and not being fully familiar with the language, he didn´t quite understand what the waitress asked him, just after he had ordered his breakfast.
- Pardon...?
- Your toasts, sir. Would you like them in brown or white bread?
Demorou uns segundos. Depois lembrou-se que também uma vez num restaurante lhe tinham perguntado como é que preferia o bife, se bem ou mal passado, e de repente a pergunta fez sentido. Tentando nao demorar mais do que se tivesse estado apenas a ponderar, pos um ar decidido e respondeu:
- Medium, please.


(porque nao sabia dizer douradinhas em ingles)

And now for something completely new

De tanto falar em crianças, este blogue está a ficar perigosamente parecido com o cocó na fralda.
Embora os projectos, de certo modo, também sejam nossos filhos, fica aqui isto para desanuviar. Tenho muito orgulho nele, mas é forçoso dizer que o mérito é todo do MM e da PM.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Anatomia de pai

Voltámos ao mesmo. A Ana com a nobre missao de amamentar um bebé, eu com a ridícula incumbencia de o fazer arrotar. De dia, vamos alternando e mantendo a compostura; mas à noite tudo muda: pelas duas começamos a desentender-nos sobre aquilo de que ele precisa e às cinco em ponto estala a discussao sobre afinal quem é que teve a ideia.
(Escusado será dizer como é que acaba. Os meus filhos sao os únicos bebés do mundo que arrotam mais do que mamam; arrotam em seco, os pobrezinhos, para fingir que estao satisfeitos. É muito triste.)
Lembro-me de passar horas com a Sara, andando para trás e para a frente no corredor da casa da Rua Infantaria 16, de pé descalço no chao de corticite, a cantarolar no escuro cantigas inteiras sem conseguir sair da mesma nota. Lembro-me da facilidade com que a carregava, e sobretudo da naturalidade com que ela em mim se encaixava: pernas dobradas no meu braço, rins apoiados pela minha mao livre, barriga para baixo sobre o meu ombro, cabeça ligeiramente arqueada para trás e para o lado, encostada ao meu pescoço. Podia durar a noite toda: quando temos 28 anos, e é o primeiro filho, é um prazer.
Cinco anos depois nasceu a Matilde. Foi com espanto que a vi crescer, ganhar peso aos poucos e assumir exactamente a mesma postura da irma. Como se houvesse uma memória hereditária ou, talvez mais propriamente, uma inescapável complementaridade anatómica entre pais e filhos; entre corpos de peso e tamanho tao diferentes, que a natureza caprichosamente desenhou para que se entrelaçassem dessa forma. Podia durar a noite toda: quando temos 33 anos e o nosso filho sobreviveu, é um prazer.
Agora nasceu o Miguel e (embora aqui seja opcional) a Ana insitiu em traze-lo para casa. Olhando para o tamanho do menino, ve-se logo que a mae está a cumprir o seu papel na perfeiçao. Mas os passeios nocturnos com o pai nao estao a correr assim tao bem. Eu acho que me lembro da posiçao certa e esforço-me por mante-lo lá. Mas ele torce-se, empurra-me e, quando eu me canso, escorrega-se-me pelos braços, até ficar com a cabeça ao nível do meu peito. Descobriu ali na zona abdominal uma ligeira saliencia, onde gosta de se sentar à chines, vejam só!
Enquanto ando à roda na sala, dou por mim a pensar: sao os meninos que sao diferentes das meninas? é só este que é especial? fui eu que perdi o jeito? mas, no fundo, sei que a resposta é outra, e mais cruel: é que a minha anatomia já nao é o que era!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Matemática de problemas


Nao é problemas de matemática.
A matemática dos problemas é assim:

Imaginemos um casal.

Se nao tiver filhos, nao tem problemas.
0 filhos = 0 problemas

Se tiver um filho, tem um problema:
1 filho = 1 problema (filho A)

Se tiver dois filhos, tem tres problemas:
2 filhos = 3 problemas (filho A, filho B, filhos A+B)

Se tiver tres filhos, tem sete problemas:
3 filhos = 7 problemas (filho A, filho B, filho C, filhos A+B, filhos A+C, filhos B+C, filhos A+B+C)

Portanto os problemas aumentam de forma exponencial em funçao do crescimento aritmético dos filhos. Pena é que isso só se torne evidente a partir do terceiro. Ao segundo a coisa ainda passa despercebida.

Vida doméstica

Só para terem uma ideia de como a Ana esteve mal nas semanas a seguir ao parto, fiquem a saber que me confiou a responsabilidade de tratar das refeiçoes da família.
Digo isto assim, só para impressionar aqueles leitores que nao passam da primeira frase. A voces, posso confiar que desde há muito que por aqui os almoços sao apenas sandes ou saladas e que a Ana tinha previamente cozinhado e congelado jantares que davam para um mes. O que ficou realmente à minha responsabilidade foi fazer a sopa.
Mais do que suficiente para eu me divertir. Nas férias do Verao, que passei sozinho com as meninas em Sesimbra, tinha recuperado o treino, e estava com curiosidade de experimentar mais umas coisas. Espantoso como duas pessoas podem ir ao mesmo supermercado com a mesma ideia e voltar com coisas tao diferentes. Só estávamos de acordo na batata, na cenoura e na cebola. De resto, se a Ana trazia espinafres, eu trouxe agrioes; se a Ana trazia alho frances, eu trouxe feijao verde; se a Ana trazia abóbora, eu trouxe nabo. Mas o meu verdadeiro contributo foi ter descoberto o parsnip e o swede.
Claro que, de cada vez que fazia um puré, havia sempre qualquer coisa que me parecia bem juntar, Dentes de alho e coentros passaram despercebidos (vim depois a perceber que a Ana sempre os incluiu). Massinhas e arroz foram rapidamente chumbados pela Matilde (como sopa é a única coisa que come, neste assunto tem poder de veto). Na ansia de surpreender e de agradar, fiz umas pesquisas na internet e comecei a adicionar ervas aromáticas.
E, no fundo, este post que parece tao pateta é para vos prevenir que anda por aí um site, de um engraçadinho qualquer, que diz que o que fica muito bem no puré de legumes é cominhos. Meus amigos, nao fica. Nao fica, e nao fica sobretudo se usado generosamente, como aconselha no frasquinho da Margao. Já lá vao umas semanas, mas ainda me lembro da cara da Ana (que nesses dias ainda sofria tanto coitada e que andava tao preocupada com o que comia por causa do gosto do leite), depois de levar a primeira colher à boca, a levantar devagar os olhos do prato e a perguntar-me: «Deixaste cair uma chouriça preta na sopa?»

sábado, 9 de outubro de 2010

3-1 à Dinamarca?

Cá para mim, este só pensa nos resultados imediatos. Perdeu uma boa oportunidade de integrar novos valores no grupo e colocou em risco a continuidade do trabalho realizado pelo antecessor. Está, obviamente, a descurar a campanha para o Mundial de 2018...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Dez anos

Já lá vao dez anos, desde que nada é como dantes.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Pai e filho

Isto do rapaz foi uma surpresa.
Olhando para as precedentes, fazendo fé nas intuiçoes da mae e nos horóscopos on-line, acho que pusemos completamente de parte a hipótese de ser um rapaz. Foi um processo inconsciente, mas a verdade é que todos os bodys supostamente uni-sexo que fomos comprando tem pelo menos uma risquinha cor de rosa e que, quando entrámos a correr pelas portas da maternidade, ainda só tinhamos escolhido um nome, e era de menina.
Nao ficámos nem mais contentes, nem mais tristes. Mas é inegável que o rapaz está mais out of our comfort zone. Será um desafio maior, para os quatro.
Nos primeiros dias, pareceu-me que tratar de um menino recém-nascido era assim igualzinho a tratar de uma menina recém-nascida, com a única diferença que se gasta sempre mais um dodot e que é preciso mais atençao aos velcros da fralda.
Mas agora, que passou mais de uma semana desde o nascimento, percebo que é completamente diferente. Pai e filho estabelecem, desde os primeiros instantes, uma relaçao de cumplicidade que nao é feita de grandes palavras, mas de pequenos gestos e uns poucos monossílabos.
Ontem à noite, por exemplo, embora a mae e as irmas estivessem já na cama, o Miguel deixou bem claro que pretendia ficar comigo na sala. Nao estranhei porque, afinal, era a estreia do Benfica na Liga dos Campeoes. Ligámos o computador no canal pirata, mesmo a tempo de assistir à segunda parte. Sentámo-nos os dois no sofá e passámos 45 minutos em silencio: nenhum de nós tinha nada para comentar da forma como tinha corrido o dia, nem havia entre nós nada para combinar relativo aos próximos dias. Já sei que a Ana vai dizer que eu sou mesmo parvo, e que os bebés nesta idade nem sequer veem nada, só distinguem umas sombras. Mas acreditam que foi precisamente isso que comentámos, que o Benfica este ano está uma sombra do que era o ano passado?
E hoje, enquanto a Sara mandava SMS às amigas pela calada da noite e a Ana deitava a Matilde, empanturrando-a em quinze minutos com todos os mimos que antes lhe dispensava ao longo de 24 horas, lá voltámos a ficar os dois sozinhos. Ora eu, que tinha acabado de beber uma enorme dose de chá, descuidei-me e dei um pequeníssimo arroto, juro que praticamente um soluço. Num acto contínuo, pedi perdao. Ainda me ri de mim próprio, pensando que estava a pedir perdao para o ar; mas depois, pelo canto do olho, reparei que ele estava muito atento na sua maxi-cosi. Garanto que me olhava com desprezo: ele arrota quando quer, tao alto e tao longamente quanto lhe apetece, e todos lhe dao os parabéns; o papá mete o rabinho entre as pernas e pede desculpa.
Talvez já esteja na hora de procurar, para lhe oferecer, aquele poster que o meu pai me pespegou na parede do quarto a infancia toda. Era assim:

O que o filho pensa do Pai
Aos 7 anos: o Pai é grande e sabe tudo!
Aos 14 anos: Parece que o Pai se engana em certa coisas que me diz...
Aos 20 anos: O Pai está um pouco atrasado em suas teorias: não são desta época...
Aos 25 anos: O "velho" não sabe nada... Está ultrapassado, decididamente.
Aos 35 anos: Com a minha experiência, meu Pai nesta idade seria um milionário...
Aos 45 anos: Não sei se consulte o “velho”, talvez me pudesse aconselhar...
Aos 55 anos: Que pena o Pai ter morrido; a verdade é que ele tinha ideias notáveis.
Aos 60 anos: Pobre Pai! Era sábio... Como lastimo tê-lo compreendido tão tarde...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

8.9.10

5:36 am
8lb 11oz
Miguel

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Nao há duas sem tres

A escassas horas de botar neste mundo mais um filho (sem o qual, diz o povo misteriosamente, as outras duas nao havia), uma pessoa enche-se de esperança: que vai haver paz, pao, habitaçao, saúde, educaçao e talvez mais qualquer coisinha, para todos eles. Que o mundo vai ser um pouco melhor.
Anima-me, sobretudo, pensar que os meus filhos vao crescer num tempo em que já ninguém saberá quem sao o engenheiro José Sócrates e o professor Carlos Queiroz. Que nunca na vida se vao deparar com eles, a menos que um tremendo capricho do destino os leve à varandinha dos fumadores da Sala de Desenho dos Técnicos de 2ª Classe da Camara da Covilha, ou os faça passar perto da porta lateral do pavilhao gimnodesportivo da Escola Secundária de Nampula e ouvir os palavroes pelas oito da manha.
Preocupa-me, contudo, que o adagio popular se aplique nao só aos meus amores, mas igualmente aos meus desamores. É que já nao tenho as mesmas certezas quanto ao futuro do José Rodrigues dos Santos: a julgar pelo exemplo do seu mestre Fernando Pessa, é provável que ainda ande por cá daqui a muitos anos, a fazer sorriso maroto e a piscar o olho aos filhos dos meus filhos.
Se fosse só o sorriso maroto e o piscar do olho, no ecran à merce do telecomando, estávamos nós bem. O problema é que o José também escreve, e isso confere-lhe outro lastro. Nao que eu tenha lido os seus romances; o que eu li foi um livrinho chamado Conversas de Escritores, onde ele publicou as entrevistas televisivas que lhe foram concedidas por alguns autores famosos. Temos que lhe tirar o chapéu: nao é qualquer um que entrevista o Dan Brown, o Ian McEwan e o Gunter Grass e continua a achar-se a si próprio tao bom.
A capa nao deixa dúvidas. A cara do José aparece enorme, de olhos semi-cerrados, com os lábios e o rosto ligeiramente franzidos: o tipo de expressao que revela muita inteligencia, ou poucas fibras nos cereais. O seu nome aparece no cimo, em letras enormes, ofuscando os nomes de vários prémios Nobel da literatura. É evidente que o plural no título nao se refere apenas aos entrevistados, mas à condiçao comum dos vários protagonistas: o escritor José Rodrigues dos Santos conversando com o escritor José Saramago, o escritor José Rodrigues dos Santos conversando com a escritora Isabel Allende, o escritor José Rodrigues dos Santos conversando com o escritor Luís Sepúlveda...
Para dizer a verdade, as entrevistas até sao interessantes. Normalmente, sao interessantes parágrafo-sim-parágrafo-nao, mas mesmo assim gostei de as ler. Agora, o que é verdadeiramente insuportável é a pequena introduçao, a curiosa "história de bastidor" que antecede cada entrevista. Ao decidir revelar-nos esses episódios, é o próprio José Rodrigues dos Santos que se nos revela, na primeira pessoa. Assustador. Transcrevo uns trechos, sem comentários (embora me apetecesse muito), relativos ao encontro com Sveva Casati Modignani:

A casa da signora del bestseller é um pequeno bloco de uma rua estreita de uma zona relativamente humilde de Milao. Espanta-me a modéstia do local, considerando que a autora já vendeu mais de dez milhoes de livros e deve estar cheia de dinheiro.
(...)
O interior é um pouco escuro e as duas salas parecem-me pequenas, com uma decoraçao conservadora. Sveva Casati Modignani cumprimenta-me calorosamente e pergunta-me se quero um café.
Café nao, respondo; talvez um chá. Ma no voglio nero.
(...)
Sveva é uma mulher de cabelos brancos arranjados com cuidado. É claramente uma mulher que amadureceu bem; está vestida com muito gosto, como é hábito nas italianas, e parece fresca e cheia de energia, embora respire serenidade.
(...)
Mas nao sou apenas eu quem está ali a tirar as medidas ao outro. De pé diante do fogao, ela olha para mim com atençao e estuda-me as feiçoes.
«Voce é muito jovem!», exclama, com um tom de admiraçao na voz. «Dio mio, como é jovem!»
Pareço mais jovem do que sou, explico-lhe. Cortesia de um gene da minha mae.
Sveva espanta-se quando lhe revelo a minha idade.
«Estive a ler coisas sobre si e nao o imaginava assim», diz. «Sabe, voce teve uma vida muito aventurosa!»
Sim, tem sido animada.
(...)
A água ferve ao lume e Sveva despeja-a na minha chávena de porcelana branca, a superfície láctea ornada por belos desenhos, tao elegantes como a casa e a escritora italiana que me recebe. Mergulho o pacote de chá de camomila na água e retiro-o, mas a minha anfitria insiste que mantenha o pacote imerso.
«Precisa de estar lá dentro pelo menos cinco minutos para que o chá fique bem.»
Devolvo o pacote à chávena, mais por cortesia do que por convicçao. Uns meros cinco segundos depois, fiel às minhas proverbiais teimosia e impaciencia, retiro-o de novo. Mas ela nao nota ou, se nota, nada diz desta feita.
Para compensar, explico-lhe que vou correr um risco e tentar conduzir a entrevista em italiano.

Estao a ver o género? É tudo neste estilo. Alguém aí pode explicar-lhe as fronteiras entre o que se pensa, o que se diz e o que se escreve? Nós daqui ficamos muito agradecidos.
Mas antes de acabar (o livro e o post) há ainda um capítulo com agradecimentos. José Rodrigues dos Santos agradece a meio mundo e, no fim, à família mais próxima:

Obrigado ainda à minha filha Catarina, que me ajudou neste livro, e, sempre acima de tudo, a Florbela, que durante meses a fio viveu com um homem que pura e simplesmente nao parava de ler.

Quanto à filha, nao sei. Mas a mulher fez bem. Eu, se fosse casado com o José Rodrigues dos Santos, também preferia ir viver com um homem que nao parasse de ler. E nao era só por uns meses.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Podem descruzar

Agradecemos, do fundo do coraçao, a todos os que nos apoiaram e cruzaram os dedos para que este bebé nao viesse cá para fora antes de tempo. Mas agora já podem descruzar. Sim, a sério! Vá lá, descruzem lá, caramba!

sábado, 21 de agosto de 2010

Ainda há cavalheiros

Coisas destas fazem ressuscitar um blog.

De Piccadilly Gardens para a estaçao de comboios de Manchester Piccadilly sao cinco minutos a pé. É uma rua ligeiramente inclinada, com um passeio larguíssimo: talvez uns oito metros.

Ora, às sextas-feiras pelas 17:30, (voces podem imaginar) esse passeio enche-se com uma multidao compacta que caminha em sentido único, passo esticado para apanhar o comboio. Se estiver a chover, entao, a pressa duplica e quase ninguém tira os olhos do chao.

Causa por isso alguma estranheza ver ao longe um negro caribenho, alto e magro, com roupas largas coloridas e uma carapinha saltitante, a correr aos ziguezagues, no sentido oposto a toda a gente. Ao aproximar-se, percebo finalmente que persegue um balao amarelo, trazido pelo vento. Cruzo-me com ele, sem tempo a perder, mas com um sentimento de solidariedade: «É isto ser pai».

Uns passos mais à frente, vejo a mae parada, a segurar um carrinho, com o menino de tres anos pela mao: ela sorri, ele já enxuga as lágrimas. Antes de passar por eles, ainda sou ultrapassado pelo herói, e vejo-o a entregar-lhes o balao, com uma vénia. E, para meu espanto, vejo que logo de seguida se separam: mae e filho entram numa loja; ele retoma o seu caminho, em direcçao à estaçao, como toda a gente. Afinal nao era o pai, era um cavalheiro.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

terça-feira, 8 de junho de 2010

Notícias do jardim

A arvorezinha do canto sobreviveu à poda e está verdejante. O arbusto que plantei era de folha caduca (nao estava a morrer). O alecrim resitiu ao Inverno e já solta cheiro. A hortela rebentou viçosa. O pé-de-feijao semeado num copo da escola foi transferido com sucesso.
A salsa (ou eram coentros?) nunca chegou a sair da terra. A relva nesta altura cresce a uma velocidade estonteante. As flores amarelas afinal sao infestantes, tenho que ir comprar produto. É mesmo difícil cortar a sebe direita.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Faltam 8 dias

Impressao minha, ou isto é um discurso perfeitamente desconexo?
Do pouco que se consegue perceber, à partida para a fase final do mundial, as ideias mais fortes do seleccionador de Portugal sao «convicçao», «fé», «alegria» e «carinho». Sobretudo «carinho» (repetido 5 vezes). No balneário, já sabemos, ele lembra os jogadores que sao capazes de fazer coisas bonitas. Aconselha-os a jogarem o jogo pelo jogo, a arriscarem ser felizes e a tentarem encontrar-se com o golo (parece que ele tem um feeling).
A minha opiniao vale o que vale. É certo que a minha carreira de jogador foi curta e irrelevante. Mas todos os treinadores que conheci cuspiam para o chao e berravam com a malta; no intervalo corrigiam-nos os erros e davam-nos conselhos úteis, do género «vai à linha e centra», «faz tabela com o teu colega e desmarca-te», «vem buscar jogo atrás», «nao vás à-queima», «segura a bola até teres apoio» ou mesmo «se sentires um toque atira-te para o chao»; e nenhum, mas nenhum mesmo, nos deixava voltar ao campo sem gritar: «Vamos lá, C******!»
Eu nao quero exagerar, mas tenho cá para mim que manter o Prof. Carlos Queirós à frente da Selecçao Nacional é assim mais ou menos o mesmo que insistir no Dr. Eduardo Sá para orientar uma companhia de Comandos do Exército. Está-se mesmo a ver que é o homem certo.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Slow

Eu, que no dia 25 de Dezembro de 1984 pela hora do almoço já tinha gasto as pilhas do meu novo walkman a tocar e a rebobinar isto constantemente, estaria a mentir se dissesse agora que nunca gostei de slows. Mas disfarçava bem: só fraquejava se sozinho, no quarto, ou se bem acompanhado, no recato das discotecas que naquele tempo faziam matinées.

Enfim, coisas que já lá vao. Em passando a adolescencia, a malta acelera sempre. A vida é para viver, e nao há livro do MK nem filme do JT que nos convençam a faze-lo devagar, em vez de depressa. Se bem me lembro (nao lembro nada, mas invento), foi até por esta altura que duas novidades vieram precipitar a minha vida num ritmo frenético.

O drive through do McDonald’s na 2ª circular permitia-me jantar fora em quinze minutos; o microondas, que a mae comprou quando finalmente se convenceu que nao era cancerígeno, permitia-me faze-lo em apenas tres! Nao é portanto de estranhar que, na vertigem dos acontecimentos fugazes, o fizesse quase sempre várias vezes ao dia, e que o meu relógio biológico se tenha transformado num metrónemo implacável.

Mas, nos ultimos tempos, as coisas entre mim e a fast food já nao eram o que tinham sido. E tudo piorou agora muito recentemente, quando comprámos a slow-cooker. Já ouviram falar? Na realidade, nao é propriamente uma coisa nova – apareceu nos EUA, na década de 70 - mas deste lado do Atlantico nao teve grande divulgaçao, até hoje.

Uma slow-cooker é uma panela especial, feita de um sucedaneo do barro com grande inércia térmica, que se monta em cima de uma resistencia eléctrica, e onde se cozinha lentamente, a muito baixas temperaturas. É como nas Furnas: os ingredientes sao todos colocados ao mesmo tempo, quase nao se junta água e nunca se destapa; cozinha horas a fio, mas é praticamente impossível ficar desfeito ou queimar, vai apenas sempre apurando, até à hora de ir para a mesa.

O resultado é fabuloso, posso confirmar. Os sabores libertam-se, distribuem-se e impregnam-se nos alimentos. Nao vou armar em chef, mas é o ideal para guisados, estufados, caldeiradas, cataplanas e afins. Tanto à carne como ao peixe, o segredo parece ser juntar bastante acompanhamento, daquele que “ensopa”: batata, cenoura, abóbora, massa, arroz, etc... O vinho branco é imprescindível, e vamos agora começar a explorar as ervas aromáticas.

Claro que estreámos a slow-cooker num domingo. Por volta do meio-dia, eu fui tratar do almoço e a Ana começou a fazer o jantar. Nessa tarde nao saímos de casa. Em boa verdade, nessa tarde quase nao saímos da cozinha: andámos sempre de roda da panela, a ler e reler as instruçoes, a verificar os botoes, a apalpar de lado para ter a certeza que aquecia, que se mantinha quente ou que nao aquecia demais, a abrir uma frincha da tampa: pequena para observar o interior, mas suficiente para ir sentindo o aroma.

O jantar do dia seguinte foi preparado ainda nessa noite, depois de eu ter submetido a panela ao derradeiro teste do esfregao e do escorredouro (nao suporto peças que guardam água nos rebordos interiores quando sao postas a escoar). Sendo 2ª feira um dia de trabalho, a slow-cooker trabalhou o dia todo: entre a minha saída de casa e a chegada da Ana, passaram cerca de 10 horas. Ao serao, o jantar estava delicioso: parecia feito pela minha avó - elogio supremo, mas nunca verbalizado, devido a uma certa irascibilidade da cozinheira.

Terá portanto sido na 2ª feira pela noitinha que, depois de deitar as meninas, eu me sentei refastelado no sofá da sala e, só à laia de curiosidade, me pus a somar kilowatts. Ora vao sete, noves fora nada, isto vezes 600 minutos... Ups!!

Por esse preço mais valia encomendar do Tavares todas as noites.

Para evitar tentaçoes, escondi a panela na garagem e andei a semana toda a pensar numa forma de reduzir o tempo de confecçao para umas razoáveis, e mais do que suficientes, 5 horas diárias. Depois da Ana se ter mostrado indisponível, e da directora da escola ter recusado dispensar a Sara uns minutos ao princípio da tarde, para virem num instantinho a casa ligar o aparelho, percebi que estava por minha conta.

Foi entao que, inteiramente na minha cabeça e sem ajuda de ninguém, eu cheguei à conclusao de que nao deveria ser muito difícil instalar ali uma espécie de relógio, que ligasse e desligasse a panela sozinho, a horas pré-determinadas. Reparem que eu nao estou a falar de domótica, nem de tecnologia de ponta, era só uma geringonça daquelas simples, que estao sempre a fazer tic-tac e fazem trim às vezes.

Sendo todavia incapaz de a conceber eu próprio, estava já disposto a explicar a situaçao ao meu sogro, a escutar as suas instruçoes e, depois de finalmente me assumir de todo incapaz, a pedir-lhe que me fizesse um e a pagar-lhe os portes para que mo enviasse. No cúmulo da excitaçao, cheguei mesmo a pensar oferecer-lhe uma percentagem do dinheiro que ia ganhar quando patenteasse e comercializasse o meu genial produto! Uma autentica revoluçao: o acessório imprescindível da slow-cooker, pelo qual todas as mulheres americanas ansiaram por mais de tres décadas!

Felizmente, restava-me um pouquinho de senso. E, antes de fazer figura de estúpido perante o mundo inteiro e o meu sogro, resolvi ir ali a uma loja de material eléctrico que fica no centro da vila. Do outro lado do balcao, uma senhora dos seus cinquenta anos ouviu pacientemente as minhas atabalhoadas dúvidas e explicaçoes, e depois respondeu. «Entao o que voce quer é um socket timer!?». Seja.

Foi buscá-lo ao expositor, e passou-mo para a mao: duas libras e trinta. Nao sao tao caros como eu estava à espera, mas de certeza que se vendem milhoes, e estao a fazer a fortuna de algum espertalhaço, algures na Índia ou na China. Já eu, acho que terei de esperar por outra oportunidade: desta vez estive perto, mas parece que fui um bocadinho too slow.

Aqueles que duvidam

parecem ter-se esquecido que ele sempre procurou os melhores parceiros para fazer este género de dupla. Reparem na inteligencia, no sentido de humor e na cumplicidade destes dois, e depois digam-me que nao acham plausível!?

terça-feira, 25 de maio de 2010

Faltam 18 dias

Ainda dá para despedir o homem e contratar alguém capaz.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dúvida (para já apenas) Teórica

Aqui há uns anos era fácil, chamavam-lhes Simao e estava resolvido.
Mas, agora, o que é que os bons pais chamam aos filhos? Angel di Maria?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Mais análise política (da boa)


Algo me diz que estes tipos



Levaram ambos demasiado à letra aquele aforismo dos grandes homens com grandes mulheres por trás - que, na versao politicamente correcta, é assim meio-atrás-meio-ao-lado, como se pode observar.
Já o Nick Clegg, embora esteja cada vez mais longe de ser a pedrada no charco que prometia, pelo menos tem o bom senso de nao nos impingir a esposa. Aliás, da sua vida privada sabe-se muito pouco.
Parece que é casado com uma advogada ergomaníaca espanhola, e que chamou aos filhos Antonio, Alberto e Miguel. Neste país, isso é que é de homem.
Parece que fuma. Fuma e nao diz que nao fuma; nao pede desculpas por fumar nem jura que vai deixar de fumar. Nestes tempos, isso é que é de homem.
Daqui a cinco anos, se entretanto nao me tiverem expulso do país, vou apoiá-lo.

PS: aqueles que nao tiveram paciencia de ouvir o Cameron até ao fim, vao lá ver os últimos trinta segundos e por favor expliquem-me: afinal os próximos anos vao ser um autentico pesadelo ou uma autentica lua-de-mel?

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Para uma reflexão cristã




Agora que o Papa já passou, e recebeu a devida atençao, fui autorizado a retomar a actividade do Capacete. Acato ainda a recomendaçao do Núncio Apostolólico e, em linha com a Santa Sé, abandono de vez o misticismo bacoco em favor de uma reflexao cristã, inteligente e exigente.
Dito isto, e sem saber que mais dizer, só me ocorre recomendar um livro: The Screwtape Letters, de C. S. Lewis (o autor das Crónicas de Narnia). É uma compilaçao de cartas, que um demónio sénior dirige ao seu sobrinho aprendiz, aconselhando-o como proceder com o seu "paciente": o humano cuja condenaçao ao Inferno ele está encarregue de garantir.
O estilo é satírico: inteligente, divertido, subtil e... altamente subversivo. Porque o humano, que ingenuamente cede a cada tentaçao e cai em todas as armadilhas, nao é um ateu nem um herege: é -ou tenta ser- precisamente um bom cristao. «Igualzinho a mim!», descobre o leitor apavorado, ainda a meio da primeira da carta.
Em pouco mais de cem páginas, C. S. Lewis explora de forma brilhante os mais diversos aspectos da natureza humana e da doutrina cristã, e da difícil relaçao entre as duas: expoe umas poucas verdades muito simples, mas sobretudo desmonta todos aqueles pequenos equívocos e grandes falácias com que tao facilmente nos iludimos. Um autentico desafio, para quem queira.
Infelizmente, julgo que nao há traduçao portuguesa; mas o ingles é acessível e o formato epistolar também ajuda. Antes de correrem para a Amazon, podem espreitar a versao integral e gratuita, aqui.

Lagoa Azul

Da visita à Islandia, um dos momentos mais esperados era o mergulho na Lagoa Azul. Naquele território gelado, a água quente gerada pela actividade vulcanica é um fenómeno espectacular, que só por si justifica o encerramento de quantos aeroportos quiserem.
Mas o momento foi absolutamente inesquecível, porque coincidiu com uma actuaçao surpresa, comemorativa do dia europeu da ópera. Tudo devidamente gravado em vídeo, nao é de espantar que já esteja no YouTube.
O atelier aparece quase todo numa rodinha, por volta do minuto 2:35. O rapaz que passa à frente da camara, o velhote de barbas brancas e o jovem com ar de Jesus Cristo também sao meus amigos. Ah, mas escusam de ter esperança: nao aparece a Brooke Shields, nem eu! Cancelámos à ultima hora...
Ainda assim, fica aqui.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Nantwich em alerta



Diz que anda para aí uma gatunagem (naturalmente vem de Crewe). Parece que entram em casa das pessoas quando elas vao para o trabalho, e limpam-lhes os objectos de valor. A polícia já reforçou a vigilancia mas, pelo sim pelo nao, recomenda à populaçao que tranque a porta de casa ao sair. Trancar a porta!? E com certeza ainda tirar a chave da fechadura, nao!? Ao que isto chegou.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Visita de estudo

Um dos atractivos do meu emprego, para além de por pao na mesa da família, é a viagem de estudo anual. Estudo é uma forma de dizer... Mas se nao disséssemos também nao podíamos esperar que o atelier pagasse as despesas todas, pois nao?
Quando eu me juntei à equipa, em finais de 2008, tinham eles todos acabado de voltar de Berlim. Foi um bocado de azar, mas fiquei à espera do ano seguinte. Ora, em vez de uma viagem, 2009 trouxe uma crise financeira, e os planos tiveram que ser adiados. Alguns colegas ainda hoje me culpam: entre mim e a viagem, eu sei bem o que é que eles preferiam...
Este ano, depois de alguma ponderaçao muito influenciada pelas circunstancias do cambio, os patroes decidiram oferecer uma viagem diferente: dia 7 de Maio rumaremos a um lugar bem próximo mas absolutamente remoto, sem qualquer arquitectura de interesse mas com paisagens naturais deslumbrantes, sem museus nem teatros mas com imenso sossego e tradiçao gastronómica...
Já adivinharam? Pois é. É a Islandia! É verdade... Claro que, na altura em que marcaram, ainda nao tinha acontecido isto. Nem isto. Nem isto. Agora estao a ver o moral das tropas? Se para o ano for o Darfur nao iremos mais desanimados.

Olha-me só para este

Reparem na data disto, e depois nisto.
Quem quiser acreditar em coincidencias pode acreditar, mas cá para mim é evidente que se trata de uma manobra do Cameron para conquistar a simpatia de um certo e determinado opinion maker aqui do burgo. Por acaso teve azar, porque as minhas filhas andam é na escola do lado, e eu nao deixei de ir para Manchester, que ninguém faz o meu trabalho por mim.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A forma do tempo



Já nao sei que professor do ensino secundário nos disse que a primeira concepçao humana do tempo, baseada nas estaçoes do ano, era circular: o tempo repetia-se.
Essa concepçao mudou entretanto, naturalmente, para uma figura linear; recta ou curva, ascendente, descendente ou ziguezagueante, mas sempre diferente.
Um pouquinho mais de atençao, e alguém sugeriu que a forma do tempo seria afinal mais semelhante a uma espiral: incorporando simultaneamente uma certa dose de progressao, mas também algum retorno a algo que se julgava definitivamente passado.
Nao sei quanto a voces, mas eu sempre imaginei que essa espiral se desenvolvia de dentro para fora: porque via sempre coisas novas a acontecer e porque, afinal de contas, o futuro parecia uma coisa incerta que ninguém sabia onde -ou se- ia parar.
Ultimamente, porém, assaltou-me esta ideia de que a coisa pode ser ao contrário, e estejamos antes a afunilar... É que o mundo continua a dar as suas voltas, mas dá-as cada vez mais depressa: nao só às vezes já parece estar tudo a acontecer ao mesmo tempo, como até se começa a perceber onde é que isto vai irremediavelmente acabar. Conhecem a sensaçao?
Nao sei quanto a voces, mas é nessas alturas que em mim se instala cá uma dor de cabeça...

A malha

O que prova que fazemos parte de uma geraçao de transiçao é a malha.
Crescemos a ouvir falar na malha: era o jogo do pai no largo da aldeia, era o passatempo da mae no apartamento da cidade. Hoje em dia, ouvimos os nossos filhos já crescidos falar em malha, e queremos acreditar que se trata de música rock : as alternativas -sexo e droga- sao ainda piores.
Apraz-me daqui registar, no entanto, que talvez estejamos a assistir ao retorno das malhas tradicionais. A meu lado no comboio, ia hoje uma senhora com ar bem-posto que, em vez de passar o tempo a maquilhar-se, tricotava uma camisola. E a Sara tem cá uma amiguita, da sua idade, que anda a fazer um gorro para um bebé que vai nascer. Bonito, nao é? Além de ecologicamente responsável e economicamente sensato.
E por falar em economias locais de subsistencia, já vos contei que aqui o Council arrenda talhoes de terrenos municipais por valores mínimos, a quem pretenda cultivar a sua própria horta? Já pensei em candidatar-me. E, se o fizer, acho que até guardo lá um espaço para jogar à malha.

É assim no Reino Unido


O Gordon Brown marcou a data das eleiçoes legislativas. O facto foi amplamente reportado em Portugal, empenhando-se cada um dos nossos jornais de referencia em traduzir o melhor possível a notícia da Reuters. A pensar nos meus amigos, que gostam sempre de estar bem informados para animar as tardes na fila do Centro de Emprego ou na sala de espera das Urgencias Hospitalares, aqui fica a minha inside view desta história.

A eleiçoes vao decorrer num clima de descrença geral. O partido trabalhista está desgastado por tres legislaturas consecutivas, por uma guerra evitável e aparentemente interminável, pela crise económica persistente e pelo desemprego crescente. Também nao os ajuda o facto do actual Primeiro Ministro ter herdado o poder sem disputar eleiçoes, e parecer o Professor Astromar, mas sem pescoço.

David Cameron, o líder do partido conservador, vinha beneficiando desta insatisfaçao e estava quase a vencer os anticorpos gerados em todos os estratos sociais pela dupla Margaret Thatcher – John Major. Mas umas intervençoes recentes mais desastradas deixaram à vista de todos o fosso que o separa do país real. E, se a mulher Samantha engravidou mesmo a tempo da campanha, por outro lado soube-se que o amigo Lord Ashcroft, milionário, principal financiador do partido e seu representante na Camara dos Lordes, afinal tem domicílio fiscal fora do país; a cada ano que passa, nao permanece no Reino Unido nem mais um dia do que o período máximo admitido, para poder manter esse estatuto.

Da economia já ninguém percebe nada. Enquanto o Governo combatia a recessao como podia, financiando bancos e empresas à beira da ruptura e baixando o IVA para incentivar o consumo, a oposiçao apregoava o seu programa de cortes drásticos na despesa pública, como sendo a única forma de, no médio e longo prazo, restabelecer a economia e o valor da libra. Ora, isto pareceu ter tanta receptividade junto da opiniao pública, que os trabalhistas já anunciaram que vao cortar ainda mais do que os conservadores, mas noutras áreas. Além disso, mantém algumas ideias de esquerda, como o aumento da contribuiçao para a Segurança Social por parte das empresas, apesar da direita avisar que isso será a sentença de morte do frágil tecido empresarial.

O que realmente fez manchete de jornais durante todo o ano passado foi o escandalo das falcatruas de uma dúzia de MP (Members of Parliament), de ambos os partidos, que terao recebido indevidamente alguns subsídios, reclamando o reembolso de despesas de representaçao discutíveis. Mas os valores sao irrisórios: umas poucas dezenas de milhares de libras, em muitos casos distribuídos ao longo de quatro ou cinco anos. Isso é o que nós em Portugal pagamos ao presidente da EDP, à semana, como prémio de produtividade quando a empresa ultrapassa objectivos já de si ambiciosos. Mas este povo é mesmo picuínhas com o dinheiro, e parece que os senhores até já devolveram as quantias recebidas.

Entretanto, as sondagens que se vao fazendo sao cada vez menos conclusivas. Os conservadores, que há seis meses pareciam destinados a formar governo, estao agora abaixo dos 40%; e os trabalhistas começam a surgir um pouco acima dos 30%. Num cenário como a falta de uma maioria, começa a ganhar preponderancia o Partido Liberal Democrata (aposto que nem sabiam que havia aqui um terceiro partido, mas vale 20%), que poderia viabilizar um governo de coligaçao. O Gordon Brown já começou a acenar-lhes com propostas tentadoras, entre as quais uma reforma do sistema eleitoral de círculos uninominais (o tal que visto daí parece ser só vantagens), que desde há muito favorece a bipolarizaçao e prejudica os pequenos partidos.

Tudo isto talvez esteja, no entanto, à beira de ser esclarecido. É que o Reino Unido se prepara para assistir, pela primeira vez na sua história, ao debate televisivo entre os líderes dos principais partidos. «Pela primeira vez na sua história?!», perguntam voces, tal como eu perguntei, incrédulo, aqui a um amigo meu. «É que em Portugal isso é o que há de mais comum, e praticamente a única coisa que interessa na campanha eleitoral! Cada televisao organiza o seu debate, e a vitória só é atribuída à melhor de tres!», acrescentei.

«Sabes», explicou-me ele paternalisticamente, «é que as eleiçoes sao legislativas. Na realidade, estamos a escolher programas políticos, elegendo os nossos representantes num orgao colectivo de soberania, que é o parlamento. Daí emerge um governo, que terá, por força das circunstancias, um primeiro-ministro. Mas nao estamos a votar nessa pessoa. Aqui, desconfiamos muito dos sistemas do tipo presidencialista, e por isso sempre evitámos personalizar demasiado essa questao; mas enfim, talvez seja interessante, vamos ver como corre...»

Vamos. Embora pela amostra eu já esteja convencido que, se por acaso nessa noite houver jogo de críquete entre o Bangladesh e as West Indies, pouca gente vá ouvir o debate.

terça-feira, 6 de abril de 2010

da Missa (só para aficionados)

Este país já fez muito pelo mundo, em todos os domínios da cultura e da civilizaçao. Isso ninguém nega. Mas no campo particular da liturgia católica apostólica romana nao se lhe costumam reconhecer grandes contributos. Descobri agora que isso é uma enorme injustiça.

Aqui tal como aí, fizemos por ocasiao da Páscoa a renovaçao das nossas promessas baptismais. Para os menos assíduos, é aquela alternativa ao Credo, dialogada entre o celebrante e a assembleia: primeiro enuncia tres coisas más que nós repudiamos, depois tres coisas boas que nós apoiamos.
Já estao a ver? Exacto, é aquele momento confrangedor em que metade do povo se distrai e, com o embalo que vem de trás, jura a pés juntos que renuncia a Deus, Pai todo-o-poderoso, criador do céu e da terra...
Ora esse problema ficou automaticamente resolvido com a substituiçao do latim pelo ingles corrente:
Do you reject sin, so as to live in the freedom of God's children?
I do.
Do you reject the glamour of evil, and refuse to be mastered by sin?
I do.
Do you reject Satan, father of sin and prince of darkness?
I do.
Do you believe in God, the Father almighty, creator of heaven and earth?
I do.
Do you believe in Jesus Christ, his only son, our Lord, who was born of the Virgin Mary, was crucified, died, and was buried, rose from the dead, and is now seated at the right hand of the Father?
I do.
Do you believe in the Holy Spirit, the Holy Catholic Church, the communion of saints, the forgiveness of sins, the resurrection of the body, and life
everlasting
?
I do.
Como está bom de ver, o segredo é saber fazer a pergunta. Mas claro que em portugues é difícil arranjar equivalente para aquele «Do». No nosso caso, talvez fosse mais conveniente adoptar uma réplica única, que tanto sirva para o «Renunciais?» como para o «Credes?». Por exemplo: «Eu, sim.» Ou, caso se prefira uma resposta mais enfática: «Entao nao?!»

sexta-feira, 26 de março de 2010

Harmonia conjugal

Quando a Ana me chamou da sala, com um histérico «Anda cá ver isto!», percebi imediatamente que tinha cedido à tentaçao de entrar no Facebook.
Diz que um amigo tinha convidado, diz que nao sei quem era amigo de nao sei quem, diz que havia nao sei quantos amigos em comum, sabem como é? Acabámos por passar ali um serao inteiro, a ver as caras actuais de tanta gente que já nao víamos há dez, quinze ou vinte anos...
A conclusao é que metade está um caco. A outra metade está a cair da tripeça. Olhámo-nos com satisfaçao. Foi sorte termo-nos escolhido um ao outro: precisamente os dois únicos que iam ficar sempre na mesma, embora na altura nao o soubéssemos.

quinta-feira, 25 de março de 2010

do Táxi

Hoje, disse-me o taxista: "O que este trabalho tem de bom, é que saímos de casa e nao sabemos o que vai ser o nosso dia: é totalmente imprevisível, e encontra-se imensa gente."
Sarcasticamente, imaginei logo o resto do discurso: "Claro que nunca saímos do carro, nem realmente chegamos a conhecer ninguém, mas..."
Mas depois enterneceu-me e intrigou-me tanto optimismo, sobretudo tendo em conta a idade já avançada do senhor. Perguntei-lhe se sempre tinha sido taxista. "Nao", respondeu-me, "fui leiteiro durante 40 anos!"
E pronto, aí está uma liçao para a vida.

terça-feira, 23 de março de 2010

Sondagem



O bom-senso e o bom-gosto recomendariam que dissensoes conjugais fossem mantidas dentro de casa. Mas, ao fim de dez anos e sem qualquer perspectiva de entendimento, nao resisto a usar o blogue para uma pequena sondagem de opiniao:
Afinal, é ou nao aceitável que se guardem coisas altas à frente de coisas baixas, nas prateleiras do frigorífico? É ou nao relevante o argumento de que essas coisas serao utilizadas primeiro, ou mais frequentemente, do que as que ficam atrás?
E, já que fizeram o favor de pensar nisto, é ou nao aceitável, numa prateleira vazia, que se guardem coisas lá atrás ao centro, em vez de as encostar a um dos lados?