quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Matilde

A 25 de Abril de 2005, quando a Ana e eu corremos para a Maternidade, acho que pensei que seria apenas mais um episódio, a juntar a todos os outros que aquelas 25 semanas de gravidez já nos tinham proporcionado: translucencias desmedidas da nuca, amniocentesis feitas a dois tempos, estenoses nanométricas de vasos sanguíneos detectadas em incríveis ecocardiografias... Quando, no dia seguinte, a recepcionista me disse que os médicos se tinham visto obrigados a precipitar o parto, na minha completa ignorancia, enchi-me de alegria.
Claro que, na incubadora, achei a Matilde pequenota e magrita, mas nem por um segundo desmoralizei. Ao chegar ao pé da Ana, levava o meu sorriso de "tudo está bem quando acaba bem" e bem parvo lhe devo ter parecido. Ela tinha uma ideia muito diferente, e obviamente muito mais acertada, do que significava aquele nascimento prematuro. Eu só percebi a dimensao do problema quando pedi para falar com o médico de serviço, porque queria informá-lo da estenose previamente diagnosticada, e ele me disse: «Neste momento, essa é a menor das nossas preocupaçoes!».
Note-se que, até há dois dias atrás, essa era a maior das minhas preocupaçoes. Mas eu tinha lá alguma vez pensado que os bebés assim, nascidos e mantidos dentro de um hospital, podiam alguma vez nao sobreviver!? Os dias seguintes foram passados quase sem dormir, de olhos fixos num monitor com tres valores, que oscilavam ligeiramente e de vez em quando vinham apitando por aí a baixo de uma maneira que parecia irrecuperável. Terá sido só ao fim de duas ou tres semanas que as coisas nos pareceram suficientemente estáveis para acreditarmos num milagre: a Matilde ia viver.
Depois começou outra luta: porque, afinal de contas, muitos dos grandes prematuros sobrevivem, mas frequentemente com sequelas dos tratamentos a que foram sujeitos. A lista dos orgaos que nesta fase ainda nao estao completamente desenvolvidos e cujo desempenho pode vir a ser comprometido nao deixa nada de fora: cérebro, ouvidos, olhos, pulmoes, fígado, rins, sistema nervoso... devo estar a esquecer-me de qualquer coisa. De cada vez que a enfermeira tinha que subir a concentraçao de oxigénio no ventilador, ela estava provavelmente a salvar a nossa filha, mas também a aumentar o risco de a incapacitar de alguma forma para o resto da vida. E, no entanto, mais uma vez a Matilde voltou a passar por entre a chuva sem se molhar, e isso talvez tenha sido um milagre ainda maior do que o primeiro.
Quando essas hipóteses mais sombrias foram afastadas, a pediatra explicou-nos que agora a Matilde havia de começar a recuperar o tempo perdido e, aos poucos, aproximar-se dos patamares de desenvolvimento das crianças nascidas de termo. Uma coisa para ir acompanhando de forma tranquila, acrescentou em resposta ao nosso ar inquisitivo, já que é completamente imprevisível e demora sempre alguns anos!
Mas tranquila é que a coisa nao é. O nosso coraçao palpita de emoçao e deslumbramento, de cada vez que a nossa minúscula filhota aprende ou faz qualquer coisa nova. Que ela, tal como todas as meninas, consiga ler, fazer contas, decorar cancoes, executar coreografias, saltar à corda a pés juntos para trás, andar de bicicleta sem rodinhas ou simplesmente dar estalinhos com os dedos é, para nós, ainda hoje, a continuaçao daquele milagre de há cinco anos.
A Matilde? A Matilde é um milagre da Natureza.

5 comentários:

pmarques disse...

nada nem ninguém pára a super matilde! (preparem-se!)

rantanplan disse...

Assim não dá, capacete... eu aqui com as hormonas aos saltos, e com um post destes... não dá, ok? Dp falamos

capacete disse...

As tuas almondegas que me desculpem, mas eu de vez em quando tenho que escrever uns assim a puxar ao sentimento, para nao parecer completamente troglodita.

JoanaM disse...

oh... q lindo... lembro-me tão bem de quando ela nasceu... estranhamente, assim de longe, sempre achei que a Matilde ia crescer e ultrapassar, e que havia de brincar com a R., nascida 1 mês antes. De facto vê-la assim é sensacional! E acredito que também nisso a familia, vocês, tiveram um papel fundamental. Parabens!!! bjs

pmarques disse...

realmente, visto de fora, e sabendo tudo o que a ana tinha passado durante a curta gravidez, a grande maioria sempre acreditou que esse piolho de caracóis (careca muito tempo) ía vingar. admito... vocês sabem fazê-las como deve ser!