quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Pai e filho

Isto do rapaz foi uma surpresa.
Olhando para as precedentes, fazendo fé nas intuiçoes da mae e nos horóscopos on-line, acho que pusemos completamente de parte a hipótese de ser um rapaz. Foi um processo inconsciente, mas a verdade é que todos os bodys supostamente uni-sexo que fomos comprando tem pelo menos uma risquinha cor de rosa e que, quando entrámos a correr pelas portas da maternidade, ainda só tinhamos escolhido um nome, e era de menina.
Nao ficámos nem mais contentes, nem mais tristes. Mas é inegável que o rapaz está mais out of our comfort zone. Será um desafio maior, para os quatro.
Nos primeiros dias, pareceu-me que tratar de um menino recém-nascido era assim igualzinho a tratar de uma menina recém-nascida, com a única diferença que se gasta sempre mais um dodot e que é preciso mais atençao aos velcros da fralda.
Mas agora, que passou mais de uma semana desde o nascimento, percebo que é completamente diferente. Pai e filho estabelecem, desde os primeiros instantes, uma relaçao de cumplicidade que nao é feita de grandes palavras, mas de pequenos gestos e uns poucos monossílabos.
Ontem à noite, por exemplo, embora a mae e as irmas estivessem já na cama, o Miguel deixou bem claro que pretendia ficar comigo na sala. Nao estranhei porque, afinal, era a estreia do Benfica na Liga dos Campeoes. Ligámos o computador no canal pirata, mesmo a tempo de assistir à segunda parte. Sentámo-nos os dois no sofá e passámos 45 minutos em silencio: nenhum de nós tinha nada para comentar da forma como tinha corrido o dia, nem havia entre nós nada para combinar relativo aos próximos dias. Já sei que a Ana vai dizer que eu sou mesmo parvo, e que os bebés nesta idade nem sequer veem nada, só distinguem umas sombras. Mas acreditam que foi precisamente isso que comentámos, que o Benfica este ano está uma sombra do que era o ano passado?
E hoje, enquanto a Sara mandava SMS às amigas pela calada da noite e a Ana deitava a Matilde, empanturrando-a em quinze minutos com todos os mimos que antes lhe dispensava ao longo de 24 horas, lá voltámos a ficar os dois sozinhos. Ora eu, que tinha acabado de beber uma enorme dose de chá, descuidei-me e dei um pequeníssimo arroto, juro que praticamente um soluço. Num acto contínuo, pedi perdao. Ainda me ri de mim próprio, pensando que estava a pedir perdao para o ar; mas depois, pelo canto do olho, reparei que ele estava muito atento na sua maxi-cosi. Garanto que me olhava com desprezo: ele arrota quando quer, tao alto e tao longamente quanto lhe apetece, e todos lhe dao os parabéns; o papá mete o rabinho entre as pernas e pede desculpa.
Talvez já esteja na hora de procurar, para lhe oferecer, aquele poster que o meu pai me pespegou na parede do quarto a infancia toda. Era assim:

O que o filho pensa do Pai
Aos 7 anos: o Pai é grande e sabe tudo!
Aos 14 anos: Parece que o Pai se engana em certa coisas que me diz...
Aos 20 anos: O Pai está um pouco atrasado em suas teorias: não são desta época...
Aos 25 anos: O "velho" não sabe nada... Está ultrapassado, decididamente.
Aos 35 anos: Com a minha experiência, meu Pai nesta idade seria um milionário...
Aos 45 anos: Não sei se consulte o “velho”, talvez me pudesse aconselhar...
Aos 55 anos: Que pena o Pai ter morrido; a verdade é que ele tinha ideias notáveis.
Aos 60 anos: Pobre Pai! Era sábio... Como lastimo tê-lo compreendido tão tarde...

5 comentários:

rantanplan disse...

Não falar é mesmo o que por essas bandas da masculinidade parece que mais se aprecia... mas nada de entusiasmos, às vezes há cada gene mais marado...

pmarques disse...

bola e arrotos! que estimulante é a vida entre homens!

capacete disse...

Nós cá nos entendemos.
Quem tá fora nao racha lenha.

pmarques disse...

sim, sim. cá em casa dizem o mesmo, mas depois não vivem sem as míudas!

rantanplan disse...

pmarques: só para te dizer quanto eu adoro este teu primeiro comentário!!