sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Miguel

Dez anos depois da Sara e cinco anos depois da Matilde, a Ana e eu desencaixotámos o ábaco chines onde quase sempre erramos as contas do planeamento familiar e concluimos que tinha chegado a altura de termos mais uma. Nao sabíamos se era a melhor altura; sabíamos apenas que era a altura do é-agora-ou-nunca: afinal, estamos quase nos quarenta e queríamos ainda viver uns anitos sem fraldas, entre as delas e as nossas.
Dizem que à terceira é de vez, mas ainda nao foi desta que tudo correu como planeado. Primeiro porque vimos escoar-se Agosto inteiro, dia após dia, sem que sua excelencia desse sinais de querer vir cá para fora. Chamem-nos avarentos, mas tínhamos feito uns cálculos para que nascesse antes de Setembro: é que os nascidos a partir de dia 1 já esperam mais um ano para entrar na escola primária, e aqui nao há cá creches de IPSS que nos valham. Segundo porque, com aquilo entre as pernas, estava mais que visto que nao íamos poder chamar-lhe Maria, nem vestir-lhe nenhuma das roupas que tínhamos guardado durante vários anos ou angariado à última da hora.
Afinal, o feijao era um menino e tinha decidido ser o mais velho da turma!
Tres meses passados, é por demais evidente que o rapaz está cheio de ideias próprias, e bem fixas. Sobretudo quanto à mae, em particular quanto às maminhas. Ok, ninguém vai discutir isso: aqui em casa já todos passaram por essa fase. As maninhas também parecem exercer sobre ele grande fascínio: saúda ambas com enormes sorrisos, segue-lhes a voz aguda e os cabelos compridos com toda a atençao. Infelizmente, esse encanto nao parece estender-se ao senhor que lhe aparece em casa, calado e cansado, quando já é hora de ir para a cama.
Fita-me sempre com o mesmo ar sério, durante quanto tempo for preciso; nao chora, mas também nao ri: deixa-se estar calado, a observar-me. Juro que isto, com a banda sonora certa, era de arrepiar. O que pensa? Que planos tem para nós? Será que ainda vamos jogar à bola, partilhar os livros, ouvir Keith Jarret e embasbacar os dois na Tate em frente ao Rothko? Ou será que, na primeira oportunidade, vai sufocar-me com uma almofada para ficar com as meninas (e com o whisky de malte, que já percebeu que está escondido atrás do blended) só para si? Nao sei. Ele, provavelmente, já decidiu; mas nao tem pressa de me dizer.
O Miguel? O Miguel é uma incógnita da Natureza.

3 comentários:

pmarques disse...

depois da vinda do miguel a lisboa aposto que este post se enche de comentários!

capacete disse...

Pois é, pois é. Dirias que, para voces, para já, ele ainda é uma incógnita, nao é?

rantanplan disse...

Eu cá acho que o Miguel é lindo e espevitado, não tou a ver o mistério...

Aproveito para dizer que os grandes comunicadores deviam ter atenção e cuidado com o seu público-alvo. Por exemplo, aqueles que sozinhos não tinham pensado nisso do intervalo das fraldas. Ok?