quinta-feira, 8 de abril de 2010

É assim no Reino Unido


O Gordon Brown marcou a data das eleiçoes legislativas. O facto foi amplamente reportado em Portugal, empenhando-se cada um dos nossos jornais de referencia em traduzir o melhor possível a notícia da Reuters. A pensar nos meus amigos, que gostam sempre de estar bem informados para animar as tardes na fila do Centro de Emprego ou na sala de espera das Urgencias Hospitalares, aqui fica a minha inside view desta história.

A eleiçoes vao decorrer num clima de descrença geral. O partido trabalhista está desgastado por tres legislaturas consecutivas, por uma guerra evitável e aparentemente interminável, pela crise económica persistente e pelo desemprego crescente. Também nao os ajuda o facto do actual Primeiro Ministro ter herdado o poder sem disputar eleiçoes, e parecer o Professor Astromar, mas sem pescoço.

David Cameron, o líder do partido conservador, vinha beneficiando desta insatisfaçao e estava quase a vencer os anticorpos gerados em todos os estratos sociais pela dupla Margaret Thatcher – John Major. Mas umas intervençoes recentes mais desastradas deixaram à vista de todos o fosso que o separa do país real. E, se a mulher Samantha engravidou mesmo a tempo da campanha, por outro lado soube-se que o amigo Lord Ashcroft, milionário, principal financiador do partido e seu representante na Camara dos Lordes, afinal tem domicílio fiscal fora do país; a cada ano que passa, nao permanece no Reino Unido nem mais um dia do que o período máximo admitido, para poder manter esse estatuto.

Da economia já ninguém percebe nada. Enquanto o Governo combatia a recessao como podia, financiando bancos e empresas à beira da ruptura e baixando o IVA para incentivar o consumo, a oposiçao apregoava o seu programa de cortes drásticos na despesa pública, como sendo a única forma de, no médio e longo prazo, restabelecer a economia e o valor da libra. Ora, isto pareceu ter tanta receptividade junto da opiniao pública, que os trabalhistas já anunciaram que vao cortar ainda mais do que os conservadores, mas noutras áreas. Além disso, mantém algumas ideias de esquerda, como o aumento da contribuiçao para a Segurança Social por parte das empresas, apesar da direita avisar que isso será a sentença de morte do frágil tecido empresarial.

O que realmente fez manchete de jornais durante todo o ano passado foi o escandalo das falcatruas de uma dúzia de MP (Members of Parliament), de ambos os partidos, que terao recebido indevidamente alguns subsídios, reclamando o reembolso de despesas de representaçao discutíveis. Mas os valores sao irrisórios: umas poucas dezenas de milhares de libras, em muitos casos distribuídos ao longo de quatro ou cinco anos. Isso é o que nós em Portugal pagamos ao presidente da EDP, à semana, como prémio de produtividade quando a empresa ultrapassa objectivos já de si ambiciosos. Mas este povo é mesmo picuínhas com o dinheiro, e parece que os senhores até já devolveram as quantias recebidas.

Entretanto, as sondagens que se vao fazendo sao cada vez menos conclusivas. Os conservadores, que há seis meses pareciam destinados a formar governo, estao agora abaixo dos 40%; e os trabalhistas começam a surgir um pouco acima dos 30%. Num cenário como a falta de uma maioria, começa a ganhar preponderancia o Partido Liberal Democrata (aposto que nem sabiam que havia aqui um terceiro partido, mas vale 20%), que poderia viabilizar um governo de coligaçao. O Gordon Brown já começou a acenar-lhes com propostas tentadoras, entre as quais uma reforma do sistema eleitoral de círculos uninominais (o tal que visto daí parece ser só vantagens), que desde há muito favorece a bipolarizaçao e prejudica os pequenos partidos.

Tudo isto talvez esteja, no entanto, à beira de ser esclarecido. É que o Reino Unido se prepara para assistir, pela primeira vez na sua história, ao debate televisivo entre os líderes dos principais partidos. «Pela primeira vez na sua história?!», perguntam voces, tal como eu perguntei, incrédulo, aqui a um amigo meu. «É que em Portugal isso é o que há de mais comum, e praticamente a única coisa que interessa na campanha eleitoral! Cada televisao organiza o seu debate, e a vitória só é atribuída à melhor de tres!», acrescentei.

«Sabes», explicou-me ele paternalisticamente, «é que as eleiçoes sao legislativas. Na realidade, estamos a escolher programas políticos, elegendo os nossos representantes num orgao colectivo de soberania, que é o parlamento. Daí emerge um governo, que terá, por força das circunstancias, um primeiro-ministro. Mas nao estamos a votar nessa pessoa. Aqui, desconfiamos muito dos sistemas do tipo presidencialista, e por isso sempre evitámos personalizar demasiado essa questao; mas enfim, talvez seja interessante, vamos ver como corre...»

Vamos. Embora pela amostra eu já esteja convencido que, se por acaso nessa noite houver jogo de críquete entre o Bangladesh e as West Indies, pouca gente vá ouvir o debate.

3 comentários:

capacete disse...

Voces nao comentaram, o Balsemao nao telefonou...
Parece que escuso de ponderar uma carreira alternativa como analista político, nao é?

rantanplan disse...

Foram as fotos que espantaram a caça... não desanimes, é que esta coisa das gravatinhas e das maçãs do rosto cheias de blush para a televisão, e dos penteados estudados já não dá mais... é um enjooooooooooo

pmarques disse...

para mim é clara a pouca motivação para a coisa: nem o cameron leva os quadros de excel do portas, nem o gordon brown convictamente defende... coisa nenhuma!
venha de lá esse jogo (é um jogo, não é?) entre as ex-colónias!