sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Job for the boy (cont.)

Quando o comboio chega à tabela, consigo entrar no atelier às nove e vinte, mas tenho a sensaçao de que a manha já vai a meio. Cumprimento as duas senhoras à entrada e avanço pelo hall.
Se lá fora há luz, este espaço fica abundantemente iluminado pelas janelas voltadas a sul, e nasce no centro da alcatifa um pequeno arco-íris, proveniente de um trofeuzito em acrílico poisado no parapeito. Lanço um olhar rápido à esquerda, só para ver se dentro da sala de reunioes nao estará uma miúda gira, ou o meu patrao, que poderiam reter-me por ali mais uns instantes. Caso contrário, viro costas e entro na sala de trabalho.

É um open-space mais ou menos quadrado, que deve ter cerca de 100m2, e foi remodelado ao melhor estilo «arquitecto arrendatário em contençao de custos»: um autonivelante antracite no chao, pintura de branco em paredes e tectos, armaduras de lampadas florescentes expostas, uns estores de rolo cinza claro, daqueles que deixam ver através deles.
Aí, trabalham presentemente dezoito pessoas: dez numa compacta ilha central, que tem cinco mesas corridas com as frentes encostadas a outras cinco mesas corridas e os monitores servindo de biombo; as oito restantes em duas alas laterais, informalmente dispostas junto à fachada principal e ao tardoz. Curiosamente, a atribuiçao dos lugares nao parece ter seguido nenhum critério, para além da ordem de entrada na empresa. E, como começaram por ocupar o centro, os recém-chegados estao agora todos sentados à janela.

A equipa é relativamente heterogénea, nas idades: os mais velhos sao o R e o M (65), depois o JW (45), o B (37) e eu; daí para baixo há de tudo, até aos 23. As origens também sao variadas: a I é alema e a S japonesa; a C e o M sao polacos, o B e eu portugueses; o resto sao britons, mas nem todos ingleses, e nem todos brancos. Há treze homens e apenas cinco mulheres: e o pior é que, para além de poucas, nao parecem muito bonitas; mas às vezes essa percepçao muda com o hábito, vou esperar um pouco mais.
O atelier duplicou de tamanho no último ano, mas ainda tem uma dimensao acolhedora. Para já nao notei ódios de estimaçao, nem rivalidades mortais, entre colaboradores: o grupo parece unido, e solidário, sem ser propriamente uma pandilha de amigalhaços. O ambiente é descontraído mas profissinal. Nesse aspecto, acho as coisas muito equilibradas. Aliás, às vezes penso que um emprego assim é o que há de mais parecido com um ciber-café. Tem, obviamente, a desvantagem do horário obrigatório; mas, em compensaçao a internet e o café (e o chá, e o leite, e os biscoitos, que passam duas vezes ao dia) sao gratuitos.

Estou a trabalhar no projecto da nova escola judaica de Manchester. Sao cerca de 10,000m2 num único edifício, que congrega todos os níveis de escolaridade, desde a creche até à entrada para a universidade. Neste caso, o desafio do projecto nao é o desenho: é a dimensao, o cumprimento do prazo e do orçamento da obra. (Isto tem muito que se lhe diga, e ainda será tema de um post, no futuro.) É um trabalho muito exigente.
A área da educaçao é, de resto, uma das principais vertentes do atelier. E, nos dias que correm, é também a sua maior fonte subsistencia. Aliás, no meio da actual crise, a única fonte segura de trabalho para o sector da construçao é um gigantesco programa do governo, que visa remodelar todas as escolas secundárias do país em meia dúzia de anos. E ainda me veio a ser útil, vejam só, poder incluir o projecto da Escola de Vila-Nova-da-Barquinha no meu portfolio.

Na adaptaçao ao trabalho, está tudo a correr ao contrário do planeado. A língua afinal é um problema maior do que eu esperava, sobretudo porque passamos a vida em reunioes. Todos sao managers de alguma coisa, e o seu trabalho é reunir; nao percebem que o nosso é desenhar o edifício, e parecem estranhar quando ele nao aparece desenhado, depois de nos terem retido dias inteiros a fio, a discutir o modo de financiamento, o timing da adjudicaçao das várias sub-empreitadas, os vários licenciamentos e... outras coisas que eu nem percebo. É que, ainda por cima, o jargao está cheio de siglas; com certeza muito úteis para eles, mas impenetráveis para um caloiro. Um dia ainda vou compilar algumas e deixar aqui, por curiosidade.

Só quando me sento ao computador é que volto a dominar a situaçao. Ao invés do que temia, nao foi preciso aprender MicroStation, Revit nem ArchiCad. Ali, usa-se Autocad, e ninguém me pede que faça 3D. Já formatei tudo à minha maneira, e teclo sem hesitaçoes, à mesma velocidade estonteante de sempre: é que estou perfeitamente à vontade, porque afinal (graças a Deus) eles usam o sistema decimal, e até trabalham em milímetros, tal como eu sempre fiz.
Para o ano que vem, já prometi ensinar-lhes a inserir raster images no desenho, a gerir o model space e o paper space, e a usar layers de forma racional. Dizem que eu devo ser cinturao negro de Autocad, vejam só!, o zarolho é rei.

5 comentários:

Anónimo disse...

O SR.C foi de férias à terra;

e a malta sem nada para ler nestes dias enfadonhos, entre a vinda daquele gordo ( que de LAPÃO ou SAMI pouco ou nada tem ), e esta coisa de ter de ficar bêbado e enfiar 12 drageias pela goela abaixo. Mas não nos queixemos, que poderia ter sido bem pior, se o sacana que inventou a coisa tivesse optado por nos fazer engolir de rajada 12 bananas,.... ou qualquer coisa do género.

Um abraço
Bom ANO

capacete disse...

gostei deste comentário anónimo. gostei de ser tratado por Sr. C, fez-me sentir personagem de um romance do Gonçalo M Tavares. mas, embora muito bem escrito, nao creio que seja o próprio!?
enfim, identificando-se ou nao, já agora podia esclarecer os ignorantes sobre o que é um SAMI?
e bom ano!

Anónimo disse...

capacete! sami ou lapão são os habitantes da lapónia (região da escandinávia), a terra de onde vem o sr. gordo... nunca apanhaste um duende sami a embrulhar presentes ou a polir os cascos do rodolfo?!

capacete disse...

ai sim? vejam lá...
só me estava a lembrar de um atelier aí do burgo, que acho que tem esse nome, mas realmente nao conseguia lobrigar a relaçao com o gordo.

Anónimo disse...

pmarques: "um duende sami a embrulhar presentes ou a polir os cascos do rodolfo" está óptimo! Infelizmente nunca vi... vou mesmo ter de começar a beber mais, ando a perder o melhor das Festas...