sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Donas de casa desesperadas

No ano passado, quando ainda havia indústria automóvel neste país, a Ana trabalhava a tempo inteiro e eu era doméstico.

Nesses dias felizes, todas as manhas eu punha as meninas na escola e esperava por elas à saída, a meio da tarde. Na altura, surpreendeu-me a quantidade de pais (na verdade, quase todas maes) com a mesma rotina. Entre as 9:00 e as 15:00, sobram apenas seis horas: o tempo mesmo à-justa para um part-time esforçado? Pela forma como ficavam por ali na palheta, ou seguiam devagar em grupinhos para o centro da vila, nao me parecia... Claro que nao havia Eva Longoria e duvido muito que tivesse havido qualquer crime, mas todo o cenário, personagens, adereços e diálogos faziam lembrar as Donas de Casa Desesperadas.

Ora eu (voces conhecem-me) olhava para aquilo como quem olha para a televisao: até gostava de ver, mas nao ia meter-me lá dentro! Fui cumprimentando quem me cumprimentava, fazendo alguma conversa de circunstancia, mas nunca entrando em pormenores, nao fossem as pessoas ficar à espera que eu lhes fixasse as caras, decorasse os nomes ou no dia seguinte ainda soubesse de que rebentos eram afinal os progenitores.

Agora que estou eu a trabalhar e a Ana (por assim dizer) em casa, tudo isto mudou radicalmente: nuns mesitos, a crise económica já fez mais pela nossa vida social do que Campo de Ourique em oito anos. Quem veja o calendário pendurado na cozinha ou repare na sua factura de telemóvel percebe facilmente que a minha mulher anda numa azáfama tao grande que, mais tarde ou mais cedo, vai ter que contratar alguém para lhe dar uma maozinha.

A escola organiza, no mínimo, uma actividade por semana, em que os pais sao convidados a assistir ou participar: reunioes, convívios ou celebraçoes. A associaçao de pais e amigos da escola tem, naturalmente, o seu próprio programa alternativo: a noite do conto, a sessao de Quizz, o workshop de maquilhagem e cabeleireiro. A maior parte destes eventos é acompanhada por rifas, chá e bolos, que sao feitos, oferecidos e depois comprados pelos participantes: é tudo para a caridade, garantem-nos. Muito gostam eles da caridade; nós também, embora nao ao ponto de ficarmos a depender dela.

Mas, enfim, há pelo menos duas coisas que a Ana e as amigas fazem exclusivamente a pensar nelas.

Uma é o clube do Jamie Oliver. Eu sei que parece engraçado, porque o menino está na moda. Percebo que as senhoras gostem tanto dele, porque tem uma cara laroca, porque sabe cozinhar ou porque fala pelos cotovelos. O que me custa a aceitar é que se reunam em casa umas das outras para ver a revista dele e comprar por catálogo os acessórios de cozinha que ele supostamente recomenda. E desde já peço compreensao: se um dia vierem até cá e eu tremer ao servir-vos café num serviço de porcelana branca que podia ser do Ikea, é muito natural que seja do Jamie e tenha custado mais do que todo o recheio da casa.

A outra é o clube de leitura. Esse sim, eu compreendo, e até gostava de participar. Nao para ler os livros, e seguramente nunca para falar deles: aprecio tanto o silencio durante a leitura como depois dela. Gostava de participar porque já percebi que, nessas reunioes, o orçamento para livros é minúsculo, comparado com o da comida e bebida. Comida e bebida é um eufemismo, o que elas gostam mesmo é de vinho, passam o serao a emborcar copázios dos grandes (deve ajudá-las com o sub-texto). Eu, para além de ficar em casa com as meninas, ainda abasteço as senhoras. Na hora de sair, a Ana vem sempre cravar uma garrafa; e, olhem lá, nao só já torce o nariz ao Chardonnay, como ainda pergunta se nao temos Pinot Grigio. Eu dou-lhe o Pinot Grigio.

9 comentários:

pmarques disse...

estou a ver, temos que mandar para aí umas caixas de douro!
olha que isso é maledicência, capacete! a inveja mata.

rantanplan disse...

Este é o meu post favorito de todos os tempos! valeu a pena esperar...

arnage disse...

Que exagero!

...tem dias que também se fala de shopping e de maridos ;)

JoanaM disse...

Fantástico! Isso sim é ser dondoca!!! E com muito nivel! Bjs

arnage disse...

e é assim que começam os boatos.


Ps: por favor perguntem ao capacete se está melhor do dedo. Obg

rantanplan disse...

Então, capacete, estás melhor do dedo? Que chatice, anh? Deixa lá, vais ver que daqui a uns dias já nem te lembras... São coisas chatas, pronto, limitativas, mas podia ser pior, não é? Beijinhos e as melhoras

rantanplan disse...

Arnage, a tua evolução não deixa de me espantar! Tás uma mulherzinha, é o que é! Primeiro, abstémia, depois o Champomix, e já chegaste ao Pinot Grigio!!! Isto é que é caminhar, ahn? E quando só gostavas de champanhe, que tínhamos todos que beber aquilo ainda que fosse com carapaus fritos??? Vês como valeu a pena insistir?

arnage disse...

continuo a insistir que vou lá é pelos livros ;)

pmarques disse...

dedo? qual dedo?!