
Nanteviqque, 26 de Agosto de 2009
Cá vai, provavelmente para chegar atrasado, um postalzinho à moda antiga, mostrando uma vista do centro de Nanteviqque, para onde voltei sozinho e a muito custo, depois daqueles pouquíssimos dias de férias com as meninas em Sesimbra.
Muito de vós poderao pensar que agora é que começaram as minhas verdadeiras férias, e eu também pensei, mas a verdade é que, ao fim de dois ou tres dias, a coisa se torna aborrecida de morte. Nada melhor, portanto, do que manter-me ocupado: durante a semana no atelier, durante o fim-de-semana aqui por casa.
Uma das coisas que estava nos meus planos desde há meses era pintar as ombreiras da porta da casa de banho, esfoladas pelos topos de uma barra fixa que ali tinha montado (é verdade, nao fui lá muito esperto) para a Sara treinar elevaçoes.
Eu, até por obrigaçao profissional, tenho um certo conhecimento destas coisas da bricolage. Em termos práticos, porém, nao sou muito melhor do que um certo Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, com doutoramento em Teoria Geral do Direito da Personalidade. Mesmo assim, atirei-me ao trabalho.
No sábado de manha, visitei pela primeira vez uma dessas lojas, que aqui sao muitas e gigantescas, inteiramente dedicadas ao DIY: le-se [di-ai-uai] e significa Do It Yourself. O DIY (já desconfiava, mas pude comprovar lá dentro) move multidoes. Nao é preciso ser o A.B., para perceber que isso tem raízes histórico-culturais e também razoes sócio-económicas: a tradiçao da jardinagem, o movimento de Arts and Crafts, o culto do tempo livre produtivo, o custo proibitivo da mao de obra qualificada, entre outros factores, contribuiram para a dimensao do fenómeno.
Eu confesso que também gostei de perder tempo naqueles corredores, até ter a certeza de que trazia a tinta adequada e o diluente próprio, a melhor das trinchas mais baratas, a fita suficiente, a lixa de grao certo. Aproveitei para ver coisas que nao preciso e outras que nem sequer percebo para que servem ou como funcionam. Gramei de vestir as roupas velhas e de assobiar.
O trabalho ficou aceitável. Ninguém percebe que houve ali nova demao e, além disso, nao deixei pingos brancos na alcatifa do corredor (aqui o The Guardian é tao grande como o Expresso). O que eu nao sabia era que aquilo era apenas o começo; por estas bandas, muito mais do que um hobby, o DIY é uma filosofia de vida, e estende-se para lá de tudo o que eu podia imaginar.
Vejam só que no dia seguinte me caiu uma coroa provisória (desculpem entrar em miudezas) e o meu irmao avisou logo que nao vinha cá para me colar isto. Depois de falar com um colega que trabalha em Londres, disse-me que por uma consulta regular ia esperar meses e que duma urgencia provavelmente seria corrido a pontapé. Mas aconselhou-me a passar na farmácia, porque era natural que lá vendessem o cimento próprio e talvez eu conseguisse fazer a coisa sozinho.
Ainda sem saber se estava a ser gozado, fui ver. Era verdade. Chama-se RECAPIT, vem numa embalagem verde com um potezinho e um pincel minúsculos, custa £4.00 e traz atrás as indicaçoes: lave o dente; raspe cuidadosamente todos os restos de cimento da coroa e verifique o seu posicionamento; lave, enxague e seque; passe uma fina camada homogénea de cola no interior da coroa; humedeça o dente; coloque a coroa e trinque com força repetidamente; se sentir dor retire e repita o procedimento, ou consulte o seu dentista; se se sentir confortável mantenha a pressao durante cinco minutos; limpe o excesso de cola à volta; deixe secar e pode comer ao fim de uma hora.
Bom. Saúde para todos, sao os melhores votos deste vosso amigo.
(assinatura ilegível)