segunda-feira, 21 de setembro de 2009

La menina

Nao chove vai para dez dias. Quando nao chove, os percursos a pé, de casa para o comboio e do comboio para casa, tornam-se inadvertida e quase imperceptivelmente mais lentos, e eu reparo em coisas que nunca tinha reparado.

Um destas manhas, por exemplo, reparei numas garrafinhas de leite deixadas na soleira de uma porta: leite fresco do dia, levado a casa a tempo do pequeno-almoço. Gostei da ideia; quando trocarmos do apartamento para a moradia e tivermos o nosso próprio driveway, nao me posso esquecer de comprar um roupao para estas ocasioes.

Uma destas tardes, vinha pelo canto do olho a espreitar para dentro das casas das pessoas. Eram aqueles minutos do lusco-fusco, em que a luz cá fora já era pouco mais do que lá dentro. Nas vidraças, havia simultaneamente reflexo e transparencia, sobrepondo a vista do exterior com a do interior.

Vinha a olhar para naperons e porcelanas, abajours, papel de parede, e outros objects inanimados, quando de repente, quase com um susto, deparei com uma rapariga à janela, demasiado chegada ao vidro e estranhamente imóvel. Se fosse uma loja, no centro da cidade, seria um manequim.

Num segundo relance, percebi que ela estava em frente a um espelho, daqueles pequenos redondos que giram dentro de um aro fixo e tem zoom in de um lado e zoom out do outro. Portanto, embora ela estivesse à janela, nao estava a olhar cá para fora; estava apenas a aproveitar o resto da luz natural para se maquilhar, e quedara-se absorta no sua própria imagem, que eu sabia reflectida (embora nao a pudesse ver, mas era fácil de adivinhar) num plano intermédio entre o seu rosto e o vidro da janela.

Tudo muito rápido (que eu nao sou de ficar especado a olhar para as pessoas, a menos - claro- que sejam giras), dei mais um passo e segui em diante. Mas, no instante em que passei em frente ao peitoril, ainda vislumbrei, junto com o meu reflexo no vidro da janela, à transparencia para o interior, um grande plano de mim reflectido na face de trás daquele espelho, que do outro lado reflectia a cara que eu via de frente, embora ela a mim nao me visse, porque estava demasiado reflexiva.

Só faltou um espelho na parede do fundo, atrás da rapariga. Ainda assim, estou certo de que DV teria apreciado a cena, e provavelmente feito qualquer coisa com ela. Pela minha parte, fica só o post, que as tintas aqui sao caras.

7 comentários:

rantanplan disse...

Eu percebi, eu percebi, eu percebi!!! Estou tão contente... ainda bem que em Madrid não fui só aos Preciados!!

Olha lá, ela não estaria a tratar do buço, não? Eu sei que isso tira um bocado de encanto à cena, mas esses espelhinhos puxam muito à cena do buço, sabes?

Anónimo disse...

olhá lá, quem é o DV ? cenas de gajas à janela a fazer o buço só me lembra David Linch, mas tinha que meter um anão e um carro a arder no meio de Nanteviqque...

OWK

Anónimo disse...

já percebi ! e ainda não falei com o Rantanplan ! bem, eu preferia o Linch...

OWK

capacete disse...

queria deixar aqui uma graçola, basicamente para assinalar a tua visita ao blogue, mas confesso que nao estou a conseguir, porque agora empanquei eu na tua sigla... OWK?! está a ficar tarde demais para engimas, pode ser que amanha se faça luz.

capacete disse...

Rantanplan, devo-te um pedido de desculpas. Fiquei tão entusiasmado com a visita do OWK que me esqueci de te dizer que fiquei orgulhoso com a tua perspicácia… embora tenha mais graca quando nao percebes assim logo à primeira!

rantanplan disse...

Ainda bem que tem mais graça, porque é mais comum... então, e que tal eu trazer conversas de buços para o teu blog? Apreciaste, não?

rantanplan disse...

O que é OWK?