terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pilates

Foi ao pilates que eu cedi. Mas nao vao já espalhar a notícia aos quatro ventos, que a coisa nao é bem o que parece. É que aqui o pilates é diferente e, lá porque um tipo fez uma sessao ou duas, ou mesmo que faça, digamos, tres por semana, nao é necessariamente gay.
Enquanto estive em Portugal, resisti sempre. Mas aí só havia dois tipos de pilates: a classe do GCP, onde andavam o Arnage, a MJ e mais trinta trintonas de Campo de Ourique, e na qual era obrigatório usar maillot de lycra e perneiras de la; ou as sessoes individuais na clínica do Chiado, as únicas recomendadas como sendo the real thing pelo meu osteopata da altura, que infelizmente já me tinha levado à falencia ele próprio, sem necessidade de qualquer despesa adicional.
De maneira que, quando também a minha médica de família se juntou ao coro dos que me tentavam perder, eu mantive-me firme e expliquei-lhe que, para mim, o único desporto aceitável era futebol. E que, se ela insistisse em recomendar-me coisas mais indicadas para a minha idade, o máximo que podia fazer por ela era jogar em posiçoes mais recuadas ou, no limite, ir à baliza: isso é praticamente fazer pilates.
Bom. Agora aqui o meu amigo Tom, de quem vos falei no outro dia, também veio dizer-me que o exercício ideal para evitar as minhas crises de costas era o pilates. Olhei-o pelo canto do olho, como quem diz: lá estás tu outra vez com ideias parvas. Mas, como sou incapaz de argumentar enquanto me torcem a perna e esmagam o esterno em simultaneo, sempre teve tempo de me explicar que eu só precisaria de ir a uma aula. Na verdade, aquilo é mais como ter explicaçoes: a professora tem a hora inteira por nossa conta e ensina-nos tudo tim-tim-por-tim-tim. Depois praticamos em casa, à medida da nossa disponibilidade, da nossa vontade e, pormenor muito importante, behind closed curtains. O ideal para mim.
Foi num Sábado de manha. A Sara foi para a aula de teatro, a Matilde para a de ballet e eu para a de pilates. Talvez o problema seja um pouco meu, que me desabituei de ir a aulas, mas a professora, ainda nem tinha começado a lição, já me estava a irritar. Haviam de a ver: a forma ágil como saltou de trás da porta para me receber, a forma confiante como se apresentou, a forma enérgica como me apertou a mão e sacudiu o braço, a forma atenciosa como me conduziu para o gabinete, a forma autoritária como me mandou sentar. Uma mulher em forma: um metro e meio de altura, quarenta e muitos anos, quarenta e poucos quilos.
Já me tinha constado que também o professor do GCP tinha este género de compleição física. Até prova em contrário, tenho cá para mim que o pilates foi inventado por um tipo com metro e meio, especialmente para os seus amigos com metro e meio. Eu cá, se não tivesse mais de metro e meio, também chegava com as palmas das mãos ao chão, na boa.
A professora parece que tem por método estender dois colchões no pavimento, e ir fazendo os exercícios lado a lado com o aluno. Talvez isso resulte com algumas pessoas, mas rapidamente tive que lhe dizer que comigo não estava a funcionar. Em primeiro lugar, por ser muito desmotivador. Bastava-me olhar para nós dois, para perceber que qualquer esforço da minha parte seria em vao: nem valia a pena tentar. Em segundo lugar, estava a deixar-me nervoso que nao houvesse ninguém a tirar apontamentos. O Tom tinha-me prometido que no fim receberia umas cábulas com figurinhas representando as várias posiçoes de cada exercício. E eu, que ia no segundo e já nao me lembrava bem do primeiro, não havia de sair dali sem isso... Em terceiro lugar, visto que ela afinal não ia precisar do seu colchão, talvez eu pudesse ficar com os dois, porque me estava a doer bastante o rabo!?
Uma vez rectificados esses aspectos, continuámos. O terceiro era um exercício muito simples, que toda a gente conhece. Sentar com as pernas esticadas para frente e progressivamente baixar o tronco, desde os 90º até o mais perto possível da horizontal. Nunca fui assim muito bom neste exercício. Em miúdo, com os meus braços de orangotango, ainda conseguia tocar com os dedos nas pontas dos pés, mas a testa sempre ficou bem longe dos joelhos. Claro que, com a idade, a coisa não se tornou mais fácil: neste momento, o meu desafio é mesmo sentar-me a 90º, porque o tronco insiste em ficar ali pelos 110º...
Nada disto, claro, impedia a minha professora de me ir fazendo elogios: muito bem (quase sempre), bom esforço (às vezes antes mesmo de eu tentar), excelente postura (quando não conseguia mover-me), etc... De alguma forma, parecia convencida que eu estava mesmo a sentir a minha nuca pendurada por um fio suspenso do infinito, ou que estava a inclinar alternadamente para Sul e para Norte o triângulo imaginário da minha zona pélvica (logo eu, que nem sabia que os homens também têm pélvis!)... Mas enfim, lá fui ouvindo e anuindo, que se não tivesse esta parte de conversa fiada também não era pilates, era só alongamentos, não era?   
Já mais para o fim, voltei a experimentar dobrar o tronco ao longo das pernas, só que desta vez partindo de uma posição vertical: nádegas encostadas à parede, pés ligeiramente afastados do rodapé, parte superior do corpo descontraída, deixei actuar a força da gravidade. Mas o resultado deve ter sido especialmente pobre: «Deixe-se descair à vontade! Não tenha receio que não lhe vai faltar apoio atrás.» Estive para lhe dizer que, embora a parede fosse apenas de uma placa de 13mm de gesso cartonado, eu sabia que não me ia faltar apoio. Simplesmente, a minha coluna não ia passar daquela posição, nem que atrás de si estivesse a Muralha da China.
Estava eu imobilizado nessa figura, a pensar se ainda faltaria muito para o fim da aula, quando ela me fez a pergunta que, provavelmente, estava a intrigá-la desde o início da sessão: «Então mas afinal isto foi um acidente de automóvel, ou que foi isto?». Acidente de automóvel? Acidente de automóvel? Meu Deus, onde chega a ignorância! Esta doutora se visse a coluna do Siza com certeza achava que ele tinha sido atropelado por um comboio de mercadorias...


Enfim. Melhor ou pior, a aula acabou e agora estou por minha conta. Pilateio aqui no chao da sala, depois de todos os que iriam rir-se de mim estarem na cama, e até me parece que estou a fazer progressos. Como já tenho o essencial mais ou menos assimilado, talvez esteja na hora de começar a dar atençao aos pormenores: salvo erro, durante o movimento era preciso manter o umbigo colado às vértebras e ainda coordenar a respiraçao... Nao que vá ser fácil. Como disse uma vez a nossa amiga Cristina a propósito das aulas pré-parto, «uma pessoa nestas alturas lembra-se lá de respirar! Já fiz quatro ou cinco sessoes e ainda nao respirei nada...»

7 comentários:

rantanplan disse...

Já tou a rir às lágrimas, mas ainda assim gostava de pedir uma foto das perneiras. Pode ser?

capacete disse...

rantanplan, sabes que aqui no blog, é quase tudo verdade; mas alguns pormenores sao por vezes ligeiramente romanceados...
é o caso, lamento informar, das perneiras. e, já agora, antes que perguntes, também do maillot de licra.

pmarques disse...

se te conheço bem, imagino melhor as perneiras e o maillot do que o umbigo encostado às vértebras, o transverso contraído ou a respiração alta ;)
sózinho ao fim de uma aula?! adorava ser mosca!

capacete disse...

Respiraçao alta e transverso o que? Lá está ela outra vez a mangar comigo. Essa deve ser como a sopinha de couve flor. Uma especialidade.

pmarques disse...

nas tuas palavras: coisas de gays e de trintonas ;)

pmarques disse...

a lycra e as perneiras eram da jane fonda... estás velho, capacete!

capacete disse...

a quem o dizes!