sexta-feira, 12 de junho de 2009

Nhec, nhec...

Já o diziam os romanos com muita razao: às vezes, bastam uns escassos segundos para transformar a glória completa no fracasso total. Outras vezes, sao precisos quinze dias, mas o resultado é igual. Isto sao liçoes que nos dá a vida; ou, quando nao ela, o futebol.



No dia em que aqui veio jogar o FCP (quem está espantado com o atraso deste post, ainda vai ler um sobre o Natal de 2008), o Capacete esteve lá. Embora nao tenha sido fácil, convenci o meu colega B. (um daqueles tripeiros viajados, que acham que melhor do que o Porto só Mendrisio) a trocar o pub pelo estádio, aproveitando os lugares cativos de uns amigos ausentes.
Entrámos clandestinos, e ao princípio mantivemo-nos discretos. Mas os dragoes tiveram uma entrada fantástica, e eu comecei a nao conseguir manter o rabo sentado, de cada vez que a bola razava a baliza do van der Sar. Quando entrou mesmo, o estádio inteiro gelou. Eu pus-me em pé num pulo, simulei um upper-cut na atmosfera e gritei: «Golo!»
Apesar do meu cuidado em falar portugues, as pessoas à volta perceberam; o meu amigo recusou o meu abraço, e instalou-se um certo desconforto entre todos. Nada que nao se dissipasse com o decorrer do jogo, porque o que era previsível aconteceu: os portugueses nao conseguiram manter o ritmo, e os ingleses deram a volta ao resultado.
Já se cantavam hinos de vitória (uma linda adaptaçao de «Gloria, gloria, Aleluia!» para «Gloria, gloria, Man United!») e eu tinha recuperado o meu discernimento habitual (muito mais depressa do que em 1987), quando um golo fortuito de outro sul-americano (que, ao contrário do primeiro, por acaso nao é produto das escolas do SLB) voltou a empatar o jogo.
Verdade seja dita, o fair play da assistencia aguentou o golpe. No fim do jogo, todos concordámos que o resultado era justo. A equipa do Porto disputou o jogo, provou que podia vencer a eliminatória, e saiu do relvado debaixo de palmas, muito mais respeitada do que entrara. Também nós saímos orgulhosos, e indisfarçavelmente bem dispostos. O grande evento tinha superado todas as nossas expectativas; a noite estava amena; as coisas começavam a serenar e já nada parecia poder correr mal. Eram 21:30.

Caminhámos calmamente com a multidao, comentando as incidencias do jogo, até à estaçao do Tram, que nos levaria de novo ao centro da cidade. Nao corremos para o primeiro que passou, porque nos pareceu demasiado cheio. O segundo chegou pontualmente dez minutos depois e deixou-nos em St Peter’s Square, passado um quarto de hora. Seguimos devagar pela Mosley Street acima, parando no Tesco para carregar um telemóvel, e chegámos a Piccadilly Garden.
Subimos até casa do B., onde eu tinha deixado a minha mochila quando saí do atelier. Apresentou-me o seu colega de apartamento, esteve a mostrar-me as monografias de arquitectos que compra em Londres, mais a prosa portuguesa e a poesia inglesa que anda a ler (coisas de solteiros, sem menores a seu cargo). Aquilo era tudo muito interessante, mas eu nao estava inteiramente descansado, porque me tinha esquecido de verificar os horários dos comboios, e propus que continuássemos a conversar a caminho da estaçao.
Lá fomos. Quando chegámos, eram 22:50 e eu nunca tinha visto a gare tao vazia. O último comboio para Nantwich tinha partido havia 15 minutos. Sem entrar em panico, perguntei pelo próximo para Crewe. Crewe (já disse noutro post, mas ainda hei-de explicar melhor) é o entroncamento cá do sítio. A terra é pequena, mas fica no cruzamento de muitas linhas, e a estaçao é das mais movimentadas do país. Em Inglaterra, há sempre um comboio para Crewe: seja de onde for, seja a que horas for.
Excepto, claro, se estiverem a fazer obras de manutençao nos carris! Para minha sorte, estava prestes a sair um em direcçao a Stockport, de onde me garantiram que havia ligaçao de autocarro para Crewe. Despedi-me do meu amigo e subi para a carruagem; cheguei lá às 23:05 (Stockport, embora soe bem, é uma periferia pouco qualificada de Manchester). Vacinado, desta vez corri do comboio para o terminal, onde já havia gente a entrar para o autocarro.
Corri, mas nao precisava de ter corrido. Aquele era o autocarro que ia para norte, e eu queria ir para sul. O meu autocarro era às 00.10. Voltei para dentro, porque estava a começar a fazer frio e a chuviscar. A sala de espera tinha apenas tres cadeiras; mas eram suficientes, porque só havia dois homens à espera. Naturalmente, a cadeira do meio é que estava livre. A contragosto, lá me sentei entre eles e abri um dos livros que o B. me tinha emprestado. Passou um rapaz com a camisola do Manchester United; por essa altura, eu já estava quase arrependido de ter ido ao jogo. Depois os meus vizinhos, que afinal se conheciam, voltaram-se para mim e começaram a falar entre si. Qual Cristo na cruz, levantei os olhos ao céu e chorei pelo meu Papá.
Felizmente nao estava pregado, e assim que vi uns faróis a dar a curva lá fora, saí. Fui o primeiro a entrar no autocarro e sentei-me bem à frente, fazendo pressao psicológica no chauffer. Mas isso nao o fez sair dali mais cedo, nem carregar mais no acelerador. Apanhou toda a gente, parou em todo o lado, e a viagem, que de comboio dura meia-hora, demorou exactamente duas horas e dez minutos!

Quando chegámos a Crewe, eram 02:20. As poucas pessoas que vinham comigo tinham boleia à espera, ou desapareceram no escuro. Eu caminhei até à entrada da estaçao de comboios; para meu grande espanto, estava fechada. Achei que era 24/7, mas afinal nao: sete chaves e luz apagada. Naturalmente, nao havia nem um táxi na paragem, que costuma estar repleta. Por acaso, dos tempos em que ainda nao tínhamos conseguido comprar o carro, eu guardei no telemóvel os números de telefone das empresas de taxi aqui da zona. Liguei para a primeira, nada. Liguei para a segunda, nada.
De Crewe a Nantwich devem ser umas 6 milhas e eu comecei a achar que ia ficar a conhece-las mesmo bem. Mas à terceira foi de vez. A chamada foi reencaminhada da central directamente para o taxista, porque era o único que andava a fazer aquele turno. Explicou que estava um bocado longe, mas conseguia apanhar-me dentro de meia hora. Aceitei sem pestanejar. Depois seriam apenas mais quinze minutos de viagem e estaria em casa. Com sorte, ainda conseguiria dormir quatro horas, antes de me levantar para ir trabalhar.
A estaçao de Crewe nunca foi propriamente um terminal, e talvez por isso seja longe do centro. Nao passavam carros, nao se via ninguém. A frente do edifício dá para uma ponte (que os comboios cruzam por baixo), ligeiramente sobreelevada. Apesar de ter uma pala, é um sítio desabrigado. A chuva nao era intensa, mas vinha batida a vento e estava imenso frio. De casaco apertado e maos enterradas nos bolsos, comecei a andar de um lado para outro, só para me manter quente.
A certa altura, sem que entendesse de onde vinha, escutei um ruído estranho: nhec, nhec... Sobressaltado, olhei à volta. Nao via nada, mas continuava a ouvir: nhec, nhec... A penumbra e o nevoeiro resistiam, entre os focos dos candeeiros demasiado espaçados, impedindo-me de perceber o que seria. E, no entanto, o som era cada vez mais distinto. O que quer que fosse, aproximava-se: nhec, nhec...

6 comentários:

pmarques disse...

suspense! andas a ler agatha christie ou sherlock holmes?! boa, capacete. nem vou palpitar no que seria o nhec, nhec... não quero acertar ;)

Anónimo disse...

empolgante...

BU! disse...

hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm estranho................... será que foi o nhec nhec que fez o cri cri ir para madrid!? o k quer que seja parece-me assustador, ao ponto de o coisinho se pôr a milhas! tu tem cuidado rapaz....

BU! disse...

ou entao ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... era mesmo nhec nhec? tens a certeza? hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm.

pmarques disse...

capacete!!!!!

com vai ser agora sem o coisinho aí????!!!!!

capacete disse...

Talvez fosse mais assim tipo "nhiec, nhiec..."